“Prometheus”, bebês gigantes e conhecimento sem fim

Por Pedro Vieira de Castro Ribeiro

Pedro Vieira
Araetá
12 min readMay 31, 2020

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É muito difícil falar em defesa de um filme que poucas pessoas do público comum gostam. Se o leitor nunca teve contato com o filme, recomendo que assista. Vale a diversão da experiência e entregarei muito da trama nesse texto. Se o leitor, por outro lado, já viu o filme e não goste, recomendo que leia essa pequena troca de ideias e, ao final, talvez esteja disposto para reentrar no universo da nave Prometheus mais uma vez. Boa jornada.

David olha para um mapa da Terra!

Prometheus é um filme de ficção científica de 2012, dirigido por Ridley Scott e escrito por Damon Lindelof e Jon Spaihts. Por mais que tenha sido um fracasso financeiro, a estreia foi bastante antecipada. O filme se passaria no mesmo universo de Alien — O Oitavo Passageiro, um dos primeiros sucessos da carreira de Scott, que acompanha uma equipe de astronautas voltando para a Terra após uma expedição, quando de repente detectam um sinal de socorro em outro planeta. Ao chegarem, se deparam com uma forma de vida alienígena que vai matando a tripulação um a um.

Desde 1979, o diretor se afastara da famosa franquia que lançou sua carreira. Nesse ínterim, James Cameron dirigiu Aliens, de 1986, sucesso de público e crítica, e Alien 3 (1992) e Alien 4 (1997) chegaram aos cinemas, acompanhados de muito desgosto das duas partes. Muitos esperavam que esse fosse o grande retorno da saga, um filme que contasse as origens do tão amado oitavo passageiro e abraçasse Ridley Scott novamente àquele universo.

Ao invés disso, ganhamos uma história sobre uma equipe de astronautas, muitos anos antes do primeiro Alien, que vai para um outro planeta, nada parecido com o original, em busca da origem da humanidade, encontrando alguns bebês gigantes no meio do caminho. E melhor ainda: o famoso “Xenomorph”, o alienígena favorito do público, não aparece em nenhum momento das duas horas e quatro minutos de sua duração.

Engenheiros apontam para as estrelas!

Em 2089, os arqueólogos Elizabeth Shaw e Charlie Holloway descobrem um uma série de desenhos anciãos em uma caverna na Escócia, parecidas com pinturas rupestres. Neles, uma figura humanoide aponta para formas geométricas circulares. Muito similar a outros que encontraram ao redor do mundo, o casal conclui que os desenhos representam um mapa para uma constelação muito longe da terra. Eles apelidam os seres apontando para os planetas de “Engenheiros”, e acreditam serem os criadores dos humanos mandando uma mensagem para nós, nos chamando ao seu encontro. Peter Weyland, fundador da corporação de exploração espacial já conhecida nos outros filmes da franquia, decide patrocinar uma expedição ao sistema descoberto pelos arqueólogos e, juntando uma tripulação de humanos e um androide, eles partem numa jornada de até seu destino.

Prometeu e o fogo dos deuses!

O título do filme faz alusão a Prometeu, personagem da mitologia grega. Prometeu era um titã, que se aliou aos deuses e moldou os humanos a partir do barro. Ao roubar o fogo dos deuses e dar às suas criações, Zeus se enfureceu e o amarrou a uma rocha, onde teve seu fígado devorado por uma águia. Como era imortal, suas entranhas regeneravam todo dia, e a águia voltava no dia seguinte, para repetir a refeição, e assim, estava condenado por toda eternidade.

Podemos analisar a imagem do fogo com o conhecimento. Graças ao fogo, as primeiras civilizações humanas começaram a se desenvolver. Quando dominaram essa tecnologia, nossos antepassados puderem se proteger melhor, iluminando a noite, usando para assustar predadores, e na cozinha, destruindo bactérias e aproveitando melhor os nutrientes dos alimentos, tendo um papel crucial na evolução do nosso cérebro. O ato de todos se juntarem em volta de uma fogueira foi um dos principais fatores para o desenvolvimento de sociedades. Por toda história da humanidade, o fogo representou um caminho para o progresso.

Como no mito, os arqueólogos buscam em sua expedição esse fogo. O conhecimento proibido que causou o início da sociedade humana. Quando chegam ao planeta LV-223, eles passam por uma série de encontros com formas alienígenas. Animais, plantas e inscritos deixados por outra civilização só levantam mais perguntas sobre a origem e os propósitos de seus supostos criadores. Criticado pela maioria da audiência, os humanos reagem de uma forma um tanto ingênua a esses encontros. Um cientista decide brincar com uma espécie de cobra, que entra na sua garganta, o sufocando, outro começa a se transformar em um mutante após, sem proteção, respirar livremente o ar da atmosfera desconhecida, o diretor da Weyland se aproxima de um dos Engenheiros e é morto e, na (provavelmente) cena mais famosa do filme, a personagem Meredith Vickers, interpretada por Charlize Theron corre em linha reta de uma espaçonave gigante em formato de rosquinha, sem virar para os lados, e morre esmagada.

Millburn e a cobrinha assanhada!

Mais do que momentos comuns, essas situações podem ser lidas na forma de testes. Vimos no filme uma suma da falta de cautela inerente na sociedade humana. A necessidade de fazer algo por impulso, sem calcular é algo que podemos reparar em nosso dia a dia. Os humanos se provaram imperfeitos durante sua história, e seus engenheiros não ficam satisfeitos. A comoção em proximidade ao saber é tão forte, que nos distrai dos instintos de sobrevivência que desenvolvemos. Como em outro mito grego, de Ícaro e Dédalo.

Ícaro caindo!

Dédalo era um grande inventor, que criava coisas dando aos humanos poderes que antes só os deuses tinham. Instrumentos de navegação e de uso diário facilitaram a vida de quem consumia seus produtos. O inventor tentava quebrar a linha que separava a humanidade dos deuses. Quando ele e seu filho, Ícaro, são presos no labirinto do Minotauro, ele cria assas de cera para fugir. Ele avisa Ícaro para ter cuidado e não se aproximar do sol, se não suas assas poderiam queimar. Seu filho, tomado pela beleza do astro e pelo êxtase de ter o poder de voar, ignora os avisos do pai e continua atraído pela força que ele sentia. Sendo assim, suas assas queimam ao se aproximar da estrela, fazendo com que caia e morra. Ícaro chegou muito próximo dos deuses, e ignorou a cautela recomendada por Dédalo. O conhecimento novamente falou mais alto.

Somado a isso, a ideia já fora trazida no mito de Prometeu, que a busca pelo conhecimento pode trazer um destino cruel. É como se eles estivessem chegando muito perto ao fogo que contém suas respostas, só para serem queimados no meio do caminho.

Um Engenheiro! (mais conhecido como bebê gigante)

O filme começa com um Engenheiro em um planeta estranho, que depois descobrimos ser a Terra, consumindo uma gosma preta, que o deteriora completamente. Porém, os restos de seu corpo dão origem as células de organismos que, eventualmente, se tornarão os seres humanos. Isso contribui para a ideia de primeiro temos que destruir para construir novamente. Há de haver um sacrifício, para que a raça humana possa viver.

Essa ideia de sacrifício retorna ao final, quando o personagem de Janek, interpretado por Idris Elba, choca sua nave contra a nave inimiga de um Engenheiro ainda vivo, que eles encontram em hibernação no planeta, impedindo que ele vá em direção a terra para nos destruir. Fazendo uma analogia à Bíblia, é como a ideia de Jesus, que morreu para salvar a humanidade. Em um momento em que o ódio reinava, o filho de Deus é enviado para morrer e comover a humanidade por sua falta de compaixão que se espalhava.

Ao final do filme, descobrimos que os Engenheiros estavam arquitetando um plano aniquilar a raça humana. Eles procuravam dizimar suas criações. Na visão deles, nós já não éramos mais dignos de sua luz, seu fogo. Alguma coisa deu errado no meio do caminho e quase todos morreram no meio de suas missões, sobrando um no planeta abandonado com cadáveres de uma espécie humanoide parecida conosco. De acordo com os cientistas, os Engenheiros que eles encontram lá teriam morrido há aproximadamente dois mil anos. Em nossa mitologia, há dois mil anos, começa o calendário gregoriano, marcado pelo nascimento de Jesus Cristo. A decisão dos criadores poderia ter sido tomada quando cristo foi crucificado, representando um momento onde a humanidade estava repleta de ódio e desprovida de amor e comunhão.

Uma Juggernaut!

Sempre queremos saber mais, ir atrás de informações. “De onde viemos? Para onde vamos?” São perguntas que extrapolam o espectro do filme e se refletem no nosso dia a dia. Porém, como demonstrado na história, essa busca por saber também pode ser nossa perdição. O próprio nome do planeta, LV-223, é uma referência a uma citação bíblica, de Levítico, 22:3.

“Avise-lhes que, se, em suas futuras gerações, algum dos seus descendentes estiver impuro ao se aproximar das ofertas sagradas que os israelitas consagrarem ao Senhor, será eliminado da minha presença. Eu sou o Senhor.”

Os humanos, em sua incansável busca por conhecimento, chegam as terras de seus criadores e são mortos. Ao tentarem se aproximar do fogo do conhecimento e subjugarem seus deuses, eles encontram sua perdição. David, o androide, encontra no planeta um Engenheiro ainda em hibernação. Ele leva Peter Weyland, seu criador, ao encontro do alienígena. Quando acordado, a criatura remove a cabeça do androide e mata Weyland, demonstrando a vontade de destruir a raça humana, e as consequências de eles terem chegado muito perto desse saber.

Filme O Farol, de Robert Eggers!
(Uma luz azul me guia, com a firmeza e os lampejos do farol)

Podemos encontrar essa referência em outro momento da Bíblia, o Gênesis. Adão e Eva são criados e consomem o fruto proibido por Deus. Como consequência, ambos são expulsos do paraíso. Não seria pura coincidência que a primeira espécie que eles encontram no planeta está no formato de uma serpente. No filme de 2019 do diretor Robert Eggers, O Farol, acontece algo parecido. Dois trabalhadores habitam em um Farol. O personagem de Willem Dafoe é o mais velho e mora lá há mais tempo. Já Robert Pattinson é o novato, que começou o serviço na nova locação há pouco tempo. Toda noite, o personagem ancião fica no topo do edifício, no local onde está a luz do farol. O marinheiro novato tem o desejo de descobrir o que está por trás daquela porta. Ao final do filme, a ideia de saber o corrompe, levando-o a matar seu chefe e se aproximar do objeto brilhante. Ao se aproximar da luz, o filme corta para ele morto no chão. Como no mito grego de Ícaro, ele voa muito perto do sol e morre no processo.

A história de Prometeu, Ícaro e os filmes comentados, parecem fornecer um aviso ao poder sedutor, porém devastador, que a busca por conhecimento possa oferecer. Contudo, outro personagem no filme embarca na sua própria jornada. O androide David, criado pela companhia de Weyland, cuida da nave enquanto todos hibernam, até chegarem ao seu destino. Durante esse processo, ele assiste a filmes e tenta copiar o comportamento humano, para se incluir e entender melhor os que estão ao seu redor. Quando eles saem para explorar o planeta, ele veste um traje de oxigênio, mesmo não tendo a necessidade de respirar. David já encontrou seu criador e vive com eles o tempo todo. Em um dos diálogos do filme ele pergunta à Charlie Holloway:

“David: Por que você acha que seu povo me fez?

Charlie: Nós o fizemos porque podíamos.

David: Você consegue imaginar o quão desapontador seria se você ouvisse o mesmo do seu criador?”

O androide David na única cena que presta em Alien: Covenant

David fica inconformado com os humanos. A tripulação passa o filme inteiro pedindo para que ele os sirva, ficam fazendo piadas com ele e o humilhando por ser um robô. Ele perde o interesse em seus criadores. Assim, ele decide experimentar com os humanos. Ele pega um frasco de um líquido perto que eles encontram no planeta e coloca na bebida de Charlie. O arqueólogo é afetado pelos efeitos da gosma e se transforma em um monstro. Porém, sem antes ter relações sexuais com sua mulher, Elizabeth Shawn. Shawn fica grávida de um ser nada parecido com um humano, em formato de lula. David ajudou no processo de criar uma espécie, aos custos do sacrifício de mais um membro da população. Ao final do filme, a lula cresceu e mata o Engenheiro que sobreviveu a queda de sua espaçonave. Do consumo dele, surge uma nova espécie muito parecida com o alien que vemos nos filmes clássicos.

Um mural alienígena!

Elizabeth é a única da equipe inteira (além de David) que sobrevive aos eventos do filme. Durante a jornada no planeta desconhecido, ela é a única a ter cautela com os encontros de novas situações. David vê nela a salvação da raça humana, como um ser mais avançado. Sua balança de vontade de saber e cautela a obtém o direito de poder continuar sua busca. O filme encerra com eles indo em busca do planeta de onde os Engenheiros vieram, pois ela ainda não saciou sua vontade, mas sempre analisa as situações pelas quais passam e ter uma intenção pura de saber, diferente dos outros que são movidos pela vontade de ganhar mérito ao voltarem a Terra, ficarem ricos ou agradar a outras pessoas envolvidas na trama.

Elizabeth Shawn, a protagonista!

Prometheus se encerra nessa promessa para o futuro, mas nunca ganhou sua continuação. O filme não foi bem recebido nas bilheterias, o que fez com que a FOX adiasse o desenvolvimento do projeto de franquia. O roteirista, Damon Lindelof, foi trabalhar na HBO e foi escrever uma das melhores séries de todos os tempos, The Leftovers. Em 2017, chegou ao cinema Alien: Covenant, mais um filme no mesmo universo, porém somente Michael Fassbender reprisou seu papel como David. Um outro roteirista entrou no lugar de Lindelof e reestruturou a história outrora planejada. O filme foi um fracasso de bilheteria e de crítica, muito mais do que Prometheus. O estúdio decidiu largar a franquia de vez e o filme de 2012 nunca ganhou seu devido reconhecimento.

Avaliação no Rotten Tomatoes!

Hoje, acredito que Prometheus nos ensina a balancear a vontade de conhecimento com a importância de adicionar cautela e ponderação em cada etapa desse processo científico. Com uma locação de ficção científica, trouxe uma plateia jovem ao cinema que nunca fora exposta a esse tipo de pensamento. O filme foi muito discutido em fóruns e vídeos na internet, e todo fã de nerdices vivo na época lembra do boca-a-boca no entorno do filme. Por mais que a franquia não tenha terminado, o filme existe na memória coletiva dos fãs de sci-fi e ganhou uma pós vida invejável. Inclusive foi incluída na lista da revista americana Looper como uma das obras mais incompreendidas pelo público na história do cinema. E, para o deleite dos fãs de Damon Lindelof, Leftovers é uma das melhores coisas já produzidas na história do audiovisual, realmente vale assistir no teste grátis da HBO Go.

Prometheus gerou tantas discussões na minha vida que posso me orgulhar em dizer que sou fã do filme. Reconheço que tem falhas, o filme não é perfeito. Mas luto para que mais pessoas o assistam, ou o revisitem com uma nova perspectiva. E talvez um dia alguém se comova com a ideia. Como Elizabeth Shawn diz ao final do filme:

“My name is Elizabeth Shaw, last survivor of the Prometheus. And I’m still searching.”

A sala dos mapas!
Eu!

Onde encontrar: nos serviços de aluguel como Now, iTunes ou Google Play Movies.

Quanto: R$ 11,90 para alugar, R$24,90 para comprar.

Saiba mais!

Além dos vídeos com links que deixei durante o texto, recomendo os vídeos abaixo após ver ao filme.

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