QUERIDO MENINO

Por Giuliana Gobbato Silva

Giuli Gobbato
Araetá
6 min readFeb 28, 2019

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Nicolas (esq.) e David (dir.) Sheff na première de “Querido Menino” no Festival de Cinema de Londres em 2018. Fonte: Getty Images — Dave J. Hogan

Você já parou para pensar como a família de um usuário de drogas é afetada pelo vício? É esta reflexão que o último filme de Felix Van Groeningen (Diretor e co-roteirista) propõe: “Querido Menino” (Beautiful Boy, em inglês). Baseado nas autobiografias de David e Nicolas Sheff, (pai e filho), o filme recém-chegado aos cinemas brasileiros apresenta a história do vício de Nic e como ele afetou sua família. Um pouco antes de entrar na faculdade, Nic se encontra viciado em metanfetamina, além de outras drogas. A obra audiovisual traça a história de sua reabilitação, recaídas e como o difícil processo afetou as pessoas ao seu redor — principalmente, seu pai, David.

O filme de 121 minutos tem Steve Carell (O Virgem de 40 Anos, The Office US) e Timothée Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome, Ladybird) nos papéis de David e Nicolas Sheff, respectivamente. Um dos maiores medos dos atores era a reação da família Sheff. Porém, ela aprovou suas performances e a apresentação audiovisual de um período difícil de suas vidas. Os Sheff falam abertamente sobre o problema das drogas e demandam mais atenção ao problema que, só em 2017, já matou mais de 72 mil pessoas por overdose.

Timothée Chalamet (esq.) e Steve Carell (dir.) nos papéis de Nicolas e David Sheff, respectivamente. Fonte: Amazon Studios

O longa, lançado um pouco antes da temporada de premiações, dividiu as opiniões da crítica. Acredito que o filme é bom e grande parte do público parece concordar. A história baseada em fatos reais não tem defeitos de coerência — uma das vantagens de se trabalhar com algo real — e os co-roteiristas, Groeningen e Luke Davies (co-roteirista), conseguiram juntar os dois pontos de vista diferentes numa biografia audiovisual única, que mostra todos os lados do vício.

O roteiro foi bem escrito, de forma que não se prevê tão facilmente o que vem a seguir. Também, o roteiro parece fugir um pouco da estrutura clássica de começo, meio e fim, causando uma sensação de angústia no espectador que se pergunta “Quando isso terminará?”. Parece-me que o filme deseja mostrar a dificuldade de alcançar o fim do vício. Havia momentos que pareciam ter voltado 20 minutos no longa. Mas não era repetitivo, era uma espécie de metáfora: você “volta à estaca zero” ou “volta no tempo” quando volta a usar a droga. Isso cansa psicologicamente e você se une a David na esperança de que Nic se recupere logo.

“Querido Menino” te prende a atenção durante os 121 minutos e a causa disto pode ser atribuída a dois fatores. Primeiro, a ótima montagem de Nico Leunen mistura passado e presente, o que exige a atenção do espectador a todo momento e confere dinamismo à obra. Segundo, a direção de fotografia de Ruben Impens é impecável. Seus planos contêm elementos suficientes para escapar da necessidade de muitos diálogos — o que, se acontecesse, resultaria em algo cansativo de se assistir. Definitivamente, não seguiu a linha dos blockbusters atuais e tratou o espectador como um ser pensante, capaz de tirar suas próprias conclusões sobre o filme. Um bônus é a beleza visual do filme, digna de contemplação em momentos específicos.

Cena do filme na qual David espera o voo de seu filho para Los Angeles decolar. Exemplo de plano contemplativo. Fonte: Amazon Studios

Carell canta no filme uma canção escrita por John Lennon para seu filho: “Beautiful Boy” (título original do filme). Isso já mostra a diferente direção que “Querido Menino” toma em relação ao som. No tocante à trilha sonora, há muitas músicas não-instrumentais. Este tipo de atitude, a meu ver, pode resultar em algo cansativo para o espectador, o que acontece, infelizmente, apesar de o longa desviar-se um pouco dessa sensação ao colocar algumas músicas como diegéticas (fazem parte da narrativa). Por outro lado, os efeitos sonoros são fantásticos e causam profundas sensações de angústia e irritabilidade e leva-nos a ansiar pela calmaria do fim da cena — parece-me ser a intenção. Um exemplo é quando David folheia um caderno de desenhos de Nic, cena acompanhada de um som repetitivo e ensurdecedor.

Steve Carell como David Sheff no trailer de Beautiful Boy (2018). Fonte: Amazon Studios [De 1:25 a 1:35]
Steve Carell como Michael Scott na série estado-unidense The Office (2005). Fonte: NBC Universal [De 0:07 a 0:12]

Finalmente, falemos dos atores — sempre me parece ser a coisa mais comentada dentre os espectadores de um filme. Steve Carell é o protagonista de “Querido Menino” e tem o difícil papel de representar um pai que faz de tudo para entender porquê seu filho buscou as drogas e porquê não consegue se livrar delas. Carell é um ator maravilhoso, já foi indicado ao Oscar; todavia, é marcado por seus papéis em comédias — em especial, Michael Scott, da versão estado-unidense da série The Office. Assista aos vídeos e veja se concorda com a frase a seguir: parece-me que colocar Carell no elenco foi mais uma questão econômica e promocional do que de talento. Digo isso sem menosprezá-lo; porém, é muito difícil separá-lo de seu perfil cômico e isso não deveria acontecer num filme mais denso psicologicamente como este. Ele se torna o pai pelo qual você torce, o pai que você apoia e pelo qual você sente compaixão — no entanto, acredito que esta sensação de “paizão” na tela vem da familiaridade que temos com o ator, não de sua atuação.

Dito isso, Timothée Chalamet definitivamente é a estrela do filme. Destaca-se inigualavelmente e atende todas as expectativas do papel. O carisma e as capacidades do ator são conhecidos e, mesmo assim, a surpresa acontece: o ator de 23 anos se torna irreconhecível no papel de Nic Sheff. É nítida sua determinação para o papel e você realmente acredita que ele está sob o efeito de drogas na sua frente. A mudança comportamental — em destaque ao falar sobre metanfetamina — claramente está lá. De fato, faz o espectador se envolver com Nic e esperar que tudo acabe bem.

Seleção de cenas do filme relacionadas ao uso de drogas pelo personagem de Timothée Chalamet. Exemplo de cenas nas quais podemos perceber a qualidade de sua atuação. Fonte: Amazon Studios

Em suma, o filme cumpre o que propõe: expõe as consequências psicológicas e sociais do uso de uma das piores drogas no mercado: a metanfetamina. Provoca uma reflexão no espectador, de modo que ele se coloca no lugar de David e de Nic — quanto ao que poderia acontecer com seu mundo se isso acontecesse consigo. Claramente, o filme deseja inserir o espectador o máximo possível na trama. Em alternativa, é possível observar de longe, como numa posição de respeito em relação à família Sheff — como é um problema pessoal deles, não tocante a outros que não compreendem completamente o que está acontecendo. Toda a equipe fez um ótimo trabalho, surpreendeu muito na questão técnica. De qualquer forma, é notável porquê o filme não foi indicado ao Oscar — prêmio mais cobiçado do Cinema: quase chegou lá. Foram poucos detalhes faltantes para que o filme fosse maravilhoso e atingisse todos os seus objetivos. Ainda assim, não decepcionou e deu mais um passo à frente em uma das mais importantes discussões atuais: as drogas e suas consequências. Não é um filme que fará você perder seu tempo. Inclusive, pode te ensinar muitas coisas.

DADOS DO FILME

Pôster de “Querido Menino” (2018). Fonte: Amazon Studios

TÍTULO: Beautiful Boy (Original)

ANO: 2018

LANÇAMENTO NO BRASIL: 14 de fevereiro de 2019

DURAÇÃO: 121 minutos

PAÍS DE ORIGEM: Estados Unidos

CLASSIFICAÇÃO: 14 anos

ONDE ASSISTIR: Cinemas de todo o Brasil (A sessão assistida para realização desta crítica foi no Cinemark Pátio Higienópolis)

QUANTO: RS$ 18,50 (meia) e RS$ 37,00 (inteira)*

QUANDO: 18H55 ou 21h30 (até o dia 27 de fevereiro*)

Trailer legendado de “Querido Menino” (2018). Fonte: Amazon Studios

ATÉ QUANDO: até 06/03 (previsão*)

*Referente ao Cinemark do Shopping Pátio Higienópolis (Av. Higienópolis, 618 — São Paulo — SP). Para horários e datas posteriores e informações sobre outras sessões, é necessário verificar com antecedência a programação do cinema de sua preferência.

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Crítica de Giuliana Gobbato

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