Roda Viva: A antropofagia em cena

por Bruno Dias Sirota Rotbande

Bruno Dias
Araetá
3 min readOct 28, 2019

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“Roda Viva” é uma peça brasileira escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso, montada pela primeira vez em 1968. Desde então a obra foi remontada diversas vezes e em diversos contextos sociopolíticos, se adaptando aos novos tempos a cada nova montagem. Levando isso em conta é imprescindível dizer que este texto trata-se da temporada 2018/2019 no Teatro Oficina, porém assim como o título nos diz, a peça é viva e está em constante construção, por isso é relevante dizer não só a temporada, mas também a data na qual a peça foi assistida, dia 29/09/2019.

Seguimos a história de ascensão e queda de Benedito Silva, um cantor popular que para agradar o público e a mídia faz um pacto com um anjo caído, que retira suas individualidades para se adequar às exigências da mídia, perdendo inclusive seu nome, se tornando Ben Silver. Em pouco tempo vemos o protagonista ser sugado pelas entidades midiáticas como a televisão, com suas câmeras apontadas para tudo e todos, e a internet com sua velocidade de criação e difamação.

No fundo, trata-se de uma crítica àmídia e à indústria cultural, que mesmo tendo sua primeira versão em 1968, com algumas mudanças, mostra-se ser mais atual que nunca. A peça escancara a influência que a tv, a internet e a mídia no geral exercem nos cidadãos, tolhendo suas imaginações, cognições e identidades. Isso é presente desde o início quando os atores agridem o público suplicando para consumirem. Esta crítica, de origem “adorniana”, percorre toda a narrativa.

Porém, na montagem de 2018/2019 o teor político domina a peça. Zé Celso muda diariamente o texto para incluir as mais novas notícias da política. O exemplo mais chocante que me vem em mente é o caso da mulher indígena que fez um discurso na ONU ao lado do presidente Jair Messias Bolsonaro, que havia ocorrido poucos dias antes do dia que a peça foi assistida. O escárnio é a saída do diretor para os absurdos políticos do cotidiano nacional, e a peça em nenhum momento se envergonha de ser esse grande ato político.

A antropofagia é o ponto central da obra. O público (público atuador como diz Zé Celso em seu monólogo inicial), os atores e o diretor se misturam e formam um só, diretor vira ator, público vira diretor e atores se tornam plateia. E esta mistura que torna a peça uma experiência única, impactante e principalmente antropofágica. No fim, pode não ficar clara, em uma primeira assistida, a proposta integral da obra, porém seus arcos narrativos geram uma reflexão poderosa sobre a sociedade brasileira e o impacto da mídia na construção da identidade, tanto individual quanto nacional.

Foto de arquivo pessoal tirada no dia 29/09/2019.

Vemos a proximidade entre público e atores na cena.

Montagem original de 1968.

A transformação de Benedito da Silva em Ben Silver.

A ascensão popular de Ben Silver .

Zé Celso dançando em meio aos seus atores e seu público atuador.

Teatro Oficina Uzyna Uzona: Rua Jaceguai, 520 — Bela Vista, São Paulo — SP.

R$ 60 inteira, R$ 30 meia, R$ 25 moradores do bairro do Bixiga e R$ 5 estudantes de escola pública, refugiados e moradores de movimentos sociais de luta por moradia.

Até o dia 29/09/2019.

Aluno do terceiro semestre de cinema da FAAP.

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