T2 TRAINSPOTTING

Por Rodrigo Saturnino

Inde-Licado
Araetá
4 min readMay 27, 2020

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T2 Trainspotting, os personagens usam heroína pela primeira vez em 20 anos

A década de 2010 para o cinema norte-americano apresentou padrões narrativos claros e fáceis de serem percebidos. Os filmes de super-heróis ficam cada vez mais em alta, tendo virado os novos blockbusters, substituindo o papel que os filmes de Steven Spielberg, por exemplo, tinham na década de 1970/80. Mas além disso, um outro movimento claro da década foi o aumento significativo de remakes e/ou continuações dos próprios blockbusters das décadas passadas, com uma preferência na nostalgia pela década de 1980, como nos filmes Super 8 (2011), Star Wars VII (2015) e na série Stranger Things (2016), para citar somente alguns exemplos.

Dentro desse contexto, a tão espera continuação do clássico dos anos 1990 Trainspotting é anunciada, 20 anos depois, com o mesmo elenco e equipe criativa do primeiro filme. T2 Trainspotting é lançado num semestre ainda mais significativo, rodeado que remakes de propriedades queridas à geração dos anos 1990, como Bela e a Fera, Power Rangers e Ghost in the Shell. Porém, T2 Trainspotting se destaca entre os outros lançamentos, e parece-me uma reflexão muito profunda e consciente sobre o cinema desta década. Se passando 20 anos depois do original, uma série de conveniências faz com que os antigos amigos, ex-viciados em heroína, se reúnam novamente em Edimburgo, na Escócia, e passam o filme inteiro, desesperadamente, tentando reviver as glórias de seus passados extremos.

A escolha de retratar homens de meia idade que percebem que gastaram todas suas energias (não somente físicas) na juventude, não parece tão interessante, e foi interpretado por muitos como uma forma preguiçosa de lucrar em cima do primeiro filme novamente, mas creio que não é o caso. São homens de meia idade completamente deslocados no tempo, que não voltam ao passado, mas sim nunca saíram de lá. Se trata de uma metáfora ao cinema da década de 2010; os amigos se reúnem às sombras do dinheiro e da nostalgia, e o filme usa desse “plot” simples para refletir sobre o peso negativo que o sentimentalismo e nostalgia excessiva podem trazer. É na verdade um aspecto muito comento dentro filme, a nostalgia, os personagens são desenvolvidos a partir dela, suas crises são internas e a “história” em si do filme pouco importa, mas sim as interações entre eles mesmo e seus passados em comum, que estavam longe de serem resolvidos ao final do primeiro Trainspotting.

Cena de T2 Trainspotting, os amigos fazem um memorial em homenagem a um antigo colega. Dir: Danny Boyle
T2 Trainspotting, os personagens fazem um memorial a um antigo amigo falecido. Dir: Danny Boyle

O filme também carrega a metáfora esteticamente, com o uso pesado do digital e uma linguagem publicitária que contrasta com a linguagem publicitária do primeiro filme. Esse contraste fica claro nos pequenos trechos do primeiro Trainspotting que entram em forma de flashbacks pontuais; as cenas, porém, são diferentes, há um filtro digital em cima delas, e, postas dentro do contexto de T2, são estranhas e somente reforça o contraste entre os dois filmes e as duas épocas. A conclusão disso me parece ser que o Trainspotting original foi um produto de seu tempo, e tem que ser avaliado e interpretado como tal; o segundo filme mostra que se nos agarrarmos somente a concepções e momentos passados não encontraremos nada além da melancolia, que assola os personagens agora 20 anos mais tarde. O que T2 faz é refletir sobre um presente que se agarra ao passado de forma excessiva, não condenando a reflexão sobre esse passado, mas alertando aos excessos, que antes se apresentavam na forma da heroína, e agora na forma da nostalgia.

Muitos interpretam T2 Trainspotting como um raso filme que se baseia apenas na nostalgia, mas é ao analisar o contexto de seu lançamento e o discurso em si do filme que percebemos que é muito mais do que isso. É a história de pessoas deslocadas; no primeiro filme, deslocadas da sociedade, no segundo, deslocadas no tempo. A lição é que talvez certos sentimentos e situações datadas devem continuar no passado, e não trazidas de volta ao presente, que é exatamente o que Hollywood fez, e continua fazendo, em peso ao longo da década. No fim, T2 Trainspotting conta uma história sobre aqueles que não crescem.

Onde:
DvD ou Torrent
Quanto:
O DvD pode custar entre 25 e 40 reais. O Torrent é de graça.
Lançamento: 23/03/2017

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