‘The Sandman’ se adapta ao live-action e consegue manter a essência das hq’s
A primeira temporada da adaptação do clássico de Neil Gaiman prova a força de sua narrativa
Por Vitor de França Zuim
Sandman é um clássico de Neil Gaiman que passou por diversas tentativas de adaptação em live-action ao longo dos anos. O autor, que conservou o enredo da trama da D.C. Comics, passou décadas sendo rejeitado por estúdios e produtores interessados na história de Morpheus e seus irmãos. Porém 34 anos depois de a HQ ter lançado sua primeira edição, a primeira adaptação oficial televisiva chega à Netflix e, embora não cause o mesmo impacto que o quadrinho, mostra que a espera de Gaiman e dos fãs foi necessária.
Em geral, a série Sandman segue o mesmo enredo dos quadrinhos. O Sonho (Tom Sturridge) é capturado em um ritual de magia negra e fica aprisionado por mais de 100 anos. Quando ele escapa, o Rei dos Sonhos parte em uma jornada para recuperar seu poder e seu reino. Mesmo que a narrativa esteja muito próxima do que nos foi apresentado há mais de trinta anos, a adaptação da Netflix contém pequenas mas essenciais mudanças que agregam novidade e permitem que a história se traduza naturalmente na tela.
Coordenadas pelo próprio Gaiman, que comandou a série de quadrinhos ao lado de David S. Goyer (Batman) e Allan Heinberg (Wonder Woman), as mudanças apresentadas não alteram substancialmente a narrativa da trama de Sandman, mas limitam-se a dar uma personalidade mais cativante para alguns personagens que cercam o Sonho. Com isso, Coríntio (Boyd Holbrook) e Desejo (Mason Alexander Park) assumem um papel antagônico mais evidente do que nos quadrinhos, enquanto Matthew (Patton Oswalt) e Lucienne (Vivienne Acheampong) dão mais ênfase para Morpheus se manter disciplinado.
A maior vantagem da produção da Netflix é que Gaiman é o arquiteto principal. O criador de Sandman usou sua liberdade criativa para atualizar personagens, cenários e as tramas familiares sem perder a essência da história original em meio a essas adaptações. O olho do autor para a mudança é encontrado em “24/7”, um capítulo que recria a história icônica em que John Dee usa o Rubi dos sonhos para torturar clientes em uma pequena lanchonete à beira da autoestrada. Mesmo que se desenvolva diferentemente das páginas do gibi, a narrativa parece tão misteriosa quanto na versão original, e a performance arrepiante de David Thewlis confirma isso.
A propósito, é importante dizer que as atuações de Sandman são algumas das melhores das produções originais da Netflix nos últimos anos. Boyd Holbrook, por sua vez, é absolutamente aterrorizante como Coríntio e não seria exagero considerá-lo para o Emmy em 2023. Embora ele não apareça tanto como os outros colegas de elenco, Kirby Howell -Baptiste também faz um comovente trabalho como a Morte. Doce, a atriz interpreta uma personagem forte, mas simpática, e que nunca esconde seu amor pela vida das pessoas. Da mesma forma, Gwendoline Christie, Vanesu Samunyai, Ferdinand Kingsley e Jenna Coleman fazem de Lúcifer, Rose Walker, Hob Gadling e Johanna Constantine, seus respectivos personagens, terem uma nova face e um novo visual que não perdem a essencialidade da obra original.
O Reino dos Sonhos também tem seus próprios pesadelos, e por melhores que sejam as performances e as adaptações para a tela, Sandman infelizmente sofre de um problema óbvio de ritmo. A série se dá ao luxo de gastar dois ou três episódios para criar uma expectativa em direção a uma conclusão épica que, embora um tanto apressada, não tem muito a oferecer. Ao contrário da configuração original, a produção não deixa tempo para o espectador refletir sobre o significado da história que acabou de consumir, fazendo com que o final de cada arco deixe uma sensação incômoda de vazio que se acumula a cada episódio.
Embora isso seja um problema de roteiro e direção, a inconsistência do ritmo de Sandman também tem a ver com a forma que a Netflix promoveu o lançamento. Ao lançar toda a temporada de uma só vez, a plataforma ofereceu uma maratona que, embora na teoria pareça divertida, na prática é exaustivo. Obviamente lançar um episódio toda semana não resolveria o problema, mas poderia tornar menos chato de assistir e digerir a série.
Outra questão de produção é a qualidade dos efeitos visuais. Embora tenha um orçamento generoso para uma série (cerca de US$ 165 milhões), o CGI de Sandman é tão errático quanto seu ritmo, alternando belas criaturas de fantasia com cenários digitais e visivelmente artificiais, nos quais testam a capacidade de cativar o público como poucas outras produções. A precariedade dos resultados torna impossível sentir o conflito entre sonhos e realidade, algo tão essencial para o Sandman quanto o próprio Morpheus, fazendo com que a experiência se torne incompleta.
Apesar de alguns percalços na sua execução, a primeira temporada de Sandman corresponde à maior parte das expectativas que a rodeavam. Menos reflexivo do que os quadrinhos de Gaiman, a série ainda oferece momentos intrigantes e comoventes, em grande parte ao louvável trabalho de um elenco escolhido a dedo. Embora não replique a genialidade incomparável dos quadrinhos de 1988, a série ao menos representa uma grande porta de entrada para os curiosos e pode atrair uma nova geração de fãs que ainda não experimentaram a história de Morpheus.
Assista o trailer!
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Onde? Na Plataforma de Streaming Netflix
Quanto? A plataforma disponibiliza planos a partir de R$18,90 a R$55,90 por mês. Sem contrato nem taxas extras.
Quando? Assista quando e onde quiser.