The Umbrella Academy

Por Letícia Pereira Rebello

Letícia Pereira Rebello
Araetá
8 min readMar 5, 2019

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Publicado pela editora Dark Horse, a comic The Umbrella Academy foi o primeiro projeto de Gerard Way — ex-vocalista da banda My Chemical Romance — como roteirista e do brasileiro Gabriel Bá como ilustrador num trabalho mainstream. Adaptando tais revistas, o canal midiático Netflix lançou, em Fevereiro, uma série com o mesmo nome, dando outra vida e percepção aos personagens.

A primeira missão de Umbrella Academy, lidando com um assalto ao banco com reféns.

The Umbrella Academy conta a história de crianças que nasceram sob circunstâncias incomuns e, portanto, foram dotados de poderes especiais. Com a comoção causada pelo fato, um bilionário excêntrico chamado Sir. Reginald Hargreeves (Colm Feore) adota sete dessas crianças e cria a “Umbrella Academy”, uma escola para que aqueles especiais possam se tornar super heróis e salvar o mundo.

Mediante as lições da academia, as crianças são treinadas por Reginald e criadas pelos empregados incomuns do homem, tal qual o macaco super inteligente Pogo (Adam Godley) e uma andróide nomeada Grace (Jordan Claire Robbins), a quem as crianças se referem como mãe.

Os ensinamentos do pai adotivo garantem a fama de vigilantes aos filhos durante a infância, mas eles crescem sentindo tão somente pressão de seus responsáveis e desamparo, pouco sanado ao longo dos anos. Através de um evento mundialmente catastrófico, a família se dissolve, indo cada qual viver suas vidas. Todavia, com o anúncio do falecimento do bilionário, a família se reúne mais uma vez para prestar suas últimas homenagens ao mentor.

Poster comercial dos três primeiros membros da Umbrella Academy da Netflix.

Luther/Número 1 (Tom Hopper) viveu isolado na Lua fazendo pesquisas a mando de Reginald.

Diego/Número 2 (David Castañeda) se tornou um vigilante da cidade.

Alisson/Número 3 (Emmy Raver-Lampman) é uma famosa estrela de cinema com a vida pessoal em um caos por conta de seus poderes.

Poster comercial dos quatro últimos membros da Umbrella Academy da Netflix.

Klaus/Número 4 (Robert Sheehan), não sabendo como controlar seus poderes, “escapa” através dos entorpecentes, se transformando num viciado.

Número 5 (Aidan Gallagher), desapareceu misteriosamente quando tinha 13 anos ao tentar usar suas habilidades para viajar no tempo.

Ben/Número 6 (Justin H. Min) morreu tragicamente em uma missão e ninguém fala dele.

Vanya/Número 7 (Ellen Page), que apesar de mostrar habilidade como violinista, se vê ainda à margem de seus irmãos e irmãs superpoderosos.

Quando ocorre o reencontro dos irmãos, vemos como a infância tomada de pressão heróica desenvolveu cada um, são evidenciados os tipo de trauma ou problemas que os personagens tentam enfrentar na série. Em suma, os poderes não são salvadores ou a força que os motiva, mas sim o peso que os põem para baixo — ou, como no caso da Vanya, a falta de poderes a leva ao vazio existencial. Por ser a única da equipe sem poderes, a série foca bastante na caçula, que tenta expor sua ótica de como foi crescer sendo subjugada por todos de sua família e nada tendo de “especial” para oferecer ao mundo.

A série da Netflix faz uma mistura dos dois primeiros arcos narrativos da HQ, vencedora do Prêmio Eisner de 2008 e 2009, “Suíte do Apocalipse” e “Dallas”.

A dupla de assassinos que perseguem Número 5.

Umbrella Academy caminha rápido, introduzindo uma grande variedade de subtramas ao espectador: a falta de poderes de Vanya, o mistério da morte do pai, o distanciamento entre os irmãos, diversos romances e a iminência do fim dos tempos avisada por Número 5 — que, por sua vez, é perseguido por uma dupla de assassinos que viajam no tempo e servem uma espécie de corporação. Parece coisa demais para absorver logo de cara, mas enquanto o seriado tenta resolver seu ritmo para contar tantas coisas, o roteiro tem, com certeza, uma boa emenda de todas os problemas e situações que se desenrolam entre os irmãos: com o desenvolvimento pessoal das adversidades de cada membro da família Hergreeves, há um momento em que todas se conectam numa só história, num espelhamento das relações refeitas.

O roteiro ordena todas as tramas por prioridade e, surpreendentemente, as resolve em sequência natural e com conclusões satisfatórias. Outro ponto de acerto foi sua adaptação do HQ.

Quanto à estória, ela vai se distanciando aos poucos dos pontos fixos dos quadrinhos. Enquanto a HQ flerta mais com o surreal (tanto nos poderes como nos vilões), a série tentou deixá-la mais pautada na realidade dando um enfoque maior aos sentimentos e conflitos de cada membro da família. Essa diferença é notável nos próprios vilões, que são menos megalomaníacos e com objetivos mais simples: uma organização que tem como seu trabalho deter os mocinhos (nada pessoal) e apenas um homem comum motivado por motivos ordinários e egoístas que quer rebaixar aqueles mais especiais.

As pequenas alterações que são feitas no início geram outras ao longo da temporada, no velho fenômeno do efeito borboleta. No entanto, grande parte das modificações soam mais como complementos do que como rupturas, o que traz certa profundidade em alguns elementos dos personagens, como a relação de Diego com a mãe. A ideia de uma expansão demonstra entendimento e apreço pelo material de origem.

Complementarmente, há dois fatores, ou melhor, dois atores que roubam a cena toda vez em que aparecem pelos personagens muito bem caracterizados: Klaus e Número 5.

Número 5, feito por Aidan Gallagher, é capaz de levar os espectadores a realmente acreditar que naquele corpo habita um cinquentenário, sem causar estranhamento ou um ar de falsidade. Já Klaus, um viciado que faz de tudo para conseguir drogas até o momento em que acompanhamos sua necessidade de ficar sóbrio, é o de longe que mais causa empatia, provavelmente pelo seu arco positivo de redescoberta do personagem.

Cena com Número 5 tomando seu café numa loja de Donuts da cidade.

Já em seu visual, a primeira coisa que chama a atenção em The Umbrella Academy é o visual inegavelmente retrô. Há traços evidentes que se inspiram nos anos 50, sobretudo na arquitetura. Sobre a iluminação, as cenas da mansão trazem uma contraposição de luz baixa com cenários espaçosos transmitindo a ideia de um lugar pouco vívido, apesar de ter sido a casa de sete crianças. O pouco uso de cores, justificado pelo clima enlutado pela morte de Reginald, serve para deixar mais evidente o passado traumatizante.

Cena do primeiro episódio, quando depois de reunidos de forma desgostosa, cada um se tranca num comodo dançando ao som de “I Think We’re Alone Now” de Tiffany.

Outro destaque fica para os efeitos especiais, que surpreendem pela qualidade. Pogo é extremamente realista e coreografias de luta também são bem marcadas e realistas, o que é mais um ponto positivo para a produção.

Contudo, apesar da embalagem lustrosa e da apresentação divertida, os bons momentos não são suficientes para disfarçar o maior problema de The Umbrella Academy: o ritmo.

É natural que a série precise alongar e modificar certos arcos, tendo em vista que não apenas a história mescla duas HQs, como ambas são extremamente velozes. Todavia, quanto mais ela destrincha e esmiúça o arco narrativo do apocalipse, mais deixa de lado a premissa de que cada episódio precisa funcionar e ter um início, meio e fim. Em sua preocupação exagerada em conduzir o espectador até o fim, o roteiro não aproveita ótimos ganchos para histórias potencialmente instigantes. Ele passa rapidamente por coisas incríveis que foram ou mal exploradas ou apenas mencionadas, como Klaus no Vietnã e a própria rotina solitária de 5. Enquanto isso, número 7 passa a maior parte da temporada completamente desperdiçada, uma personagem tão obviamente sem vida que fica claro seu desenvolvimento na história.

Klaus no Vietnã, merecia um maior aprofundamento nesta parte decisiva de sua vida.

Enquanto há momentos mais inspirados, como as cenas com as trilhas sonoras que são um verdadeiro show à parte , nota-se que a produção realmente se empenhou nisso e quis criar sequências que se parecessem videoclipes, o que funcionou muito bem para a série. Conseguem ser divertidas e empolgantes, sem contar o catálogo diferente, que conta com melodias que vão desde Queen até O Fantasma da Ópera. As músicas ajudam a dar uma animada em alguns momentos que podem parecer um pouco tediosos. Porém, usar essa tática todo episódio cansa, com momentos que não precisavam da música cult do episódio, é uma necessidade do diretor de soar jovem e “maneiro” que chega a ficar desnecessário, forçado e vago, trazendo o efeito de algo mais cansativo.

Exemplo de cena inspirada com trilha sonora, quando vilões Chacha e Hazel queimam um hospital.

Porém, vale destacar, apesar do ritmo meio perdido e as trilhas sonoras por vezes forçadas, os episódios finais de The Umbrella Academy acabam sendo recompensadores, pois recobram o ritmo e fazem a jornada (por vezes penosa) valer à pena.

Por fim, a série é um drama familiar embalado em uma história de heróis, em que os casos de cada um dos irmãos foi reflexo da criação fria revestida por motivos nobres, feita por um homem que era mais mentor que pai; as conquistas dos filhos eram priorizadas sem se preocupar o quanto eles sentiam de seu afeto, sem prever os adultos quebrados que ele formava.

E o que segura a série de se tornar um verdadeiro dramalhão familiar, encontrado em qualquer sessão de terapia ou em programas, é o contraste entre essa temática profunda e a apresentação exagerada dos tipos de personagens heróicos, o que cria uma personalidade única à história. Ela é bem trabalhada e não tratada como séries genéricas de super heróis, e de fato consegue brilhar pelo seu diferencial de tons, realistas e fantasiosos. Tal qual um tipo de X-Men realista que se concentra em mostrar os poderes mais como um castigo do que realmente uma benção.

Contudo, em X-Men, há um espelhamento nas lutas por direitos dos anos 60/70, uma minoria perseguida que busca por paz lutando com os mais diversos radicais (internos ou externos); na Umbrella Academy, vemos todo um grupo de novos dilemas surgindo, reflexo deste século mais introspectivo com más sensações como a incompreensão, isolamento e solidão. Os espectadores acompanham uma nova batalha, em que não vemos mais poderes como um meio de luta e sim como apenas o ponto que levam nossos heróis à decadência, por não conseguirem lidar com eles mesmos e as dores que é serem quem são.

SERVIÇO:

Onde: Na Netflix, estando online se pode ver em qualquer meio midiático.

Quanto: Do básico de R$19,90 por mês, R$27,90 para mais telas e R$37,90 para ser “Premium”.

Quando: Estreiou no dia 15 de Fevereiro, e sem previsão de saída do catálogo.

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