‘This is not America’— Residente

A divisão das Américas nunca foi tão clara

Danae Piccione
Araetá
6 min readMay 15, 2022

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Por Danae Daza Parada

Assista ao video gratis no YouTube.

René Péres Joglar, porto-riquenho conhecido como Residente, ex-cantor da banda Calle 13, hoje segue sua própria carreira solo. Famoso por suas letras críticas à política e sociedade, acompanhadas de melodias do folclore latino, ganhou 3 Grammys e 24 prêmios Grammy Latinos.

No mês de abril deste ano Residente lançou sua música “This is not America” e em março seu videoclipe, que alcançou 18 milhões de visualizações. A música, assim como o clipe, é uma crítica social as Américas, como se a mesma fosse dirigida aos Estados Unidos, com conteúdos gráficos e dolorosos o artista acompanha suas palavras.

O vídeo, dirigido pelo diretor francês Gregory Ohrel, começa com uma referência a intervenção de Alfredo Jaar, que em 1987 escreveu “This is Not America” em um painel da Times Square. O intuito da exposição foi mostrar aos estado-unidenses que a América não é o seu país apenas e sim o continente.

Na seguinte cena vemos a Lolita Lebrón dando tiros ao alto, uma líder ativista porto-riquenha, que causou um ataque a Câmara dos Deputados nos EUA em 1954 com a intenção de ajudar a independência de Porto Rico. Residente acompanha com a seguinte frase “Estamos aqui, ouça. estamos aqui, olha para mim, estamos aqui”.

Representação de Lolita Lebrón

Em continuação o cantor menciona 2Tupac, recordando a todos que este nome provém do Tupac Amaru de Peru, um imperador indígena líder de uma rebelião contra os espanhóis. Assim como o Tupac Katari da Bolívia, que tem extrema importância na história e nas influências no dia de hoje.

O diretor bate e até mesmo cospe na cara dos Estados Unidos mostrando cenas deprimentes onde as famílias mexicanas sofrem a separação por causa do ICE e as leis absurdas contra os imigrantes ilegais.

Con La Valdivia Precolombina, desde hace tiempo este continente camina.

Pero ni con toda la marina, pueden sacar de la vitrina la peste campesina.

Esto va pa’l capataz de la empresa.

El machete no solo es pa’ cortar caña también es pa’ cortar cabezas.

Aproveitando o gancho dos Mexicanos, a cena seguinte é do Exército Zapatista de Libertação Nacional do México. Durante a revolução mexicana, estas camponesas, indígenas, se posicionaram junto ao exército de Emiliano Zapata para combater os exércitos oficiais e adquirir a liberdade.

Mulheres do exercito Zapatista

Também vemos os limpabotas da Bolívia, trabalhadores maltratados diariamente nas ruas. Eles limpam as botas dos senhores, assim como eles chamam, que passam pelas praças públicas, alguns até ficam na parte de fora de grandes empresas, do Palácio de La Justicia, centro, etc. Em sua maioria eles são indígenas e por isto sofrem um racismo imenso, já que por muitos anos os brancos tinham asco e até pouco tempo os indígenas eram expulsos de lugares privados, tais como faculdades, restaurantes e até mesmo supermercados.

Logo os falsos positivos, uma crise Colombiana onde os militares mataram civis inocentes no dia a dia para levantarem as estatísticas das mortes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Civís sendo assasinados para ser parte dos Falsos Positivos

O Brasil não é deixado de fora, o master desta obra referencia o presidente Jair Bolsonaro comendo um prato de carne da pecuária, responsável pela devastação Amazônica, ao seu detrás há uma criança indígena, simbolizando a perda de seu lar. Ao final de sua refeição, o próprio se limpa com a bandeira brasileira.

Bolsonaro se limpando com a bandeira nacional.

O clipe causou uma surpresa e tristeza no momento em que aparece o assassinato do músico Victor Jara pela ditadura Pinochet, no Chile, Residente faz referência em sua letra dirigida a Childish Gambino.

Más de cien años de tortura
La Nova Trova cantando en plena dictadura
Somos la sangre que sopla la presión atmosférica
Gambino, mi hermano, esto si es América

Victor Jara sendo assassinado por militar de ordem Pinochet
Videoclipe de Childish Gambino "This is America",

A desigualdade brasileira é mencionada novamente, onde uma imagem dividida ao meio mostra um homem negro segurando uma taça da Copa Mundial e a outra metade do mesmo segurando um fuzil na favela.

Imagem do videoclipe.

Durante o clipe vemos também um ataque a empresas escravocratas como Amazon, Starbucks, MacDonalds, Fast Fashion, onde o cantor faz que crianças indígenas estejam encima de suas mercadorias. Isto simboliza como o capitalismo absurdo está deixando os verdadeiros moradores de nossas terras sem uma moradia, onde dia após dia os "civilizados", como os Americanos chamam, consumem mais e mais dos lares indígenas e mesmo assim não se importam.

O músico não deixa de mencionar também o racismo e feminicídio do governo e policiais, mostra-se uma cena onde um homem negro é coberto pelos próprios porcos com uma bandeira colombiana e a outra de uma feminista sendo arrastada pelo pescoço e sendo descartada junto a mais mulheres

Em conclusão, Residente, como sempre, acerta no coração e dores de todos os latinos com suas canções. Muitos podem criticar o cantor por certas falas e ações, mas ninguém consegue discordar que ele é um gênio e seu nome de grande significância no rap hispânico. Ao ver o vídeo o mínimo que um pode sentir são arrepios, raiva e empatia. É bom ressaltar que o músico tem relações politicas de poder, isto demonstra como ele usa sua plataforma para cantar a verdade independente das consequências.

Gregory Ohre merece um premio pela direção do clipe, assim como a arte e fotografia, cenas tão certeiras e reais não haviam sido tão bem recriadas anteriormente. Sua audácia deve ser reconhecida pois entre tantos artistas muitos poucos deixam tão clara suas referencias.

Referência à Starbucks
Referência à Amazon
Referência à Mc Donald's
Referência à Racismo
Referência ao feminicídio

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