Todas as Canções de Amor (2016)

O significado da expressão “ eu te amo”

Marcos Kenji
Araetá
8 min readMay 9, 2020

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Por Marcos Kenji Asakura de Oliveira

A mixtape que intitula o filme

Logo nos créditos iniciais , a música de Vinicius de Moraes “Eu Sei Que Vou Te Amar” é tocada. Na versão de estúdio dessa música é, ao final, recitado uma das maiores obras primas da literatura brasileira, a qual é encaixada de maneira assertiva na introdução do filme:

Soneto de Fidelidade

Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

O filme se apropria do poema para introduzir seus principais temas e discussões, apresenta-nos aos personagens principais e ao ambiente, no qual a maior parte da história se passará; o poema permeia todos os aspectos da produção. De imediato, os temas progressivamente desenvolvidos por Vinícius confrontam o espectador e isso diz muito sobre a narrativa do filme. A “face do maior encanto” e a “solidão, fim de quem ama” são abordados simultaneamente, de maneira a convergir em um entendimento sintético complexo do amor: “que não seja imortal, posto que é chama/mas que seja infinito enquanto dure”.

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Chico (Bruno Gagliasso) e Ana (Marina Ruy Barbosa) se mudam para um novo apartamento, dentro de um armário Ana encontra uma velha vitrola com um toca fitas K7. Dentro desse toca fitas há uma mixtape intitulada “Todas as Canções de Amor”, essa fita foi gravada por Clarisse (Luiza Mariani) com a intenção de presentear seu marido Daniel (Julio Andrade). O conflito do filme gira entorno da fita e as repercussões no relacionamento dos casais, criando debates muito interessantes, com bons diálogos. Ao escutá-la, Ana nota que as músicas escolhidas são contraditórias, exprimem a mais ardente paixão e a repressão dessa chama. O interesse de Ana transforma-se na vontade de escrever um livro sobre a Clarisse e o Daniel. Ao introduzir esse elemento, o roteiro cria uma ambiguidade quanto à narrativa que assistimos. Assim, a história de Clarisse e Daniel se destaca e serve de conflito para relação de Ana e Chico.

Para a estruturação do atrito progressivo entre os personagens, os quatro roteiristas parecem muito cuidadosos na concepção dos diálogos, para torná-los o mais verossímil possível . Em conjunto com as músicas, os diálogos são os pilares do filme, são esses que legitimam os melhores momentos. Todas as conversas têm o propósito ou de enriquecer tematicamente ou intensificar o conflito ou movimentar a trama. Como quando os dois casais estão em um restaurante e o casal Chico e Ana discute sobre o futuro juntos e o tratamento que os casais recebem, como uma unidade. Um atrito é iniciado quando Chico assume que Ana queria comer uma salada, ela questiona este hábito masculino de “assumir” o que a mulher quer, de não entender as reais vontades delas. Deste modo, o conflito fica ainda mais acalorado entre os dois e ajuda a construir atritos posteriores.

“Mas que seja infinito enquanto dure”

Um exemplo de entrelaçamento das histórias, por meio da fotografia

As histórias se entrelaçam em diversos momentos e, com a condução do roteiro, a direção consegue demonstrar isso visualmente. Mesmo que as histórias estejam acontecendo em momentos diferentes, é transmitida a simultaneidade das histórias como se os casais estivessem no mesmo lugar. Acontece desde um travelling no Viaduto do Chá, no qual há a transição entre os casais e suas conversas, até o momento acima com um enquadramento que engloba os dois casais (a esquerda está Daniel). Entretanto, exemplo que mais me chamou a atenção é uma piscadela para quem está prestando atenção, em uma das primeiros cenas do filme Ana diz que quando criança ela sempre andava com roupa da Mulher Maravilha. Mais tarde, quando Daniel está correndo com o cachorro, ele passa do lado de um grupo de crianças, dentre elas há uma menina vestida de Mulher Maravilha.

O maior mérito do roteiro- e do longa-metragem, de uma maneira geral- é a sua simplicidade. Desde a escolha de poucas locações, até como é lidado com o “menos é mais”. Os entrelaçamentos da narrativa e os muitos diálogos favorecem a concepção de planos mais longos, por parte da direção de fotografia. Sem contar os belíssimos enquadramento criados, como o exemplo abaixo da silhueta de Clarisse e, também, os outros exemplos já mencionados. Sobre o minimalismo de algumas escolhas, Joana Mariani quando restringe o uso da expressão “eu te amo” acaba criando o momento mais poderoso do filme, ao questionar o seu significado diante do seu uso banalizado.

O mais belo enquadramento do filme

Marina Ruy Barbosa e Bruno Gagliasso são atores globais e, infelizmente, ainda são estigmatizados, há muito preconceito com atores de novelas. Neste caso, se esses atores não fossem competentes o filme não funcionaria, afinal é amplamente baseado em diálogos. O trabalho dele é competente. Marina Ruy Barbosa toma o holofote para si, dentre os dois, ao representar muito bem a relutância da personagem quanto à vida que escolheu, seu conflito interno sobre a própria independência é muito palpável. O destaque para mim, contudo, é a Luiza Mariani, a qual cria uma personagem extremamente contraditória, cheia de complexidades, e, inclusive, eclipsa completamente o ator contracenando com ela, Julio Andrade. Ou seja, como já deve ter sido percebido, as personagens femininas são o destaque do filme e são astronomicamente melhores que os masculinos.

Sobre a relação pessoal da diretora com o filme, ela declara o seguinte em uma entrevista no festival Fest Aruanda:

Ele é um filme autoral. Ele não é um filme autobiográfico: eu nunca fui casada com músico, eu nunca fui escritora pura e simplesmente, eu também nunca fui dona de restaurante, enfim… acho que a minha relação com o projeto é que o filme tem muito da maneira como eu olho pra relacionamentos… eu acho que ele teve muito a ver quando ele foi escrito, há oito anos, e eu acho que ele tem muito a ver com a maneira como eu vejo relacionamentos hoje. Acho que tanto a Clarice, quanto a Ana, quanto o Chico, quanto o Daniel… todos eles passam por opiniões que eu tenho em algum momento.

Todavia, para a criação desses personagens, houve a íntima colaboração das diferentes pessoas que trabalharam na concepção criativa, cada um com um repertório de subjetividades. Esse é um fator decisivo para a riqueza temática, principalmente em como as histórias são contadas. As diferentes visões dos diferentes repertórios são responsáveis pela a identificação do público, afinal alguma das ideias vai se assemelhar à sua experiência particular. Ao afirmar que o filme é autoral, a diretora entende seu envolvimento íntimo com o projeto, mesmo que não seja sobre ela. Isso explica muito da força da dramaturgia no filme.

O casal principal (Marina Ruy Barbosa e Bruno Gagliasso) com Gilberto Gil e a diretora Joana Mariani

Maria Gadú é a responsável pela direção musical do filme e ela é um dos maiores destaques do filmes. As escolhas musicais são simplesmente incríveis, são diversas e ecléticas, movimentam a trama ao desenvolver a Clarisse e, simultaneamente, criar uma personalidade para a Ana. A edição e mixagem das músicas também merece destaque por integrarem de maneira natural todas elas na trama. Tais escolhas influenciam não só os personagens, mas também nós, os espectadores. Eu mesmo descobri diversas músicas que não reconhecia e, de uma forma, satisfez uma necessidade minha de conhecer novas música brasileira. Sou um grande fã de Rock, então ver Cazuza foi um presente. Todavia, escutar Cartola, Vinicius de Moraes, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre muitos outros; foi um presente. As escolhas ecléticas provam como o tema do amor está em qualquer gênero musical, independentemente da qualidade ou de sua opinião pessoal.

É muito satisfatório conhecer um filme brasileiro com tamanho ufanismo e que abrace também as influências estrangeiras. Sinto-me completamente representado, maravilhado e orgulhoso de ver um filme com esta qualidade. Complexo dentro das suas limitações e simplicidades, sem ambicionar mais do que é capaz de entregar. Tudo isso me faz pensar se é mesmo necessário entender mesmo o amor para poder falar, parece que o filme está questionando toda a ideia de lugar de fala, questiona a necessidade da experiência para criar um obra genuína. Claro que não entender de um assunto torna-te mais suscetível para idealizações e generalizações, contudo, quando feito como aqui, o particular ideal da sua cabeça transforma-se em uma história belamente universal. Meu desejo é ver mais formas diferentes de compreender a expressão “eu te amo”, assim como Vinicius de Moraes demonstra em seu Soneto de Fidelidade.

Pôster do filme

Ficha Técnica

Nome: Todas as Canções de Amor

Ano de Lançamento: 2018

Duração: 92 min

Classificação Indicativa: +14

Diretora: Joana Mariani

Produção: Diane Maia e Joana Mariani

Roteiro: Juliana Araripe, Nina Crintzs, Vera Egito e Roberto Vitorino

Elenco: Marina Ruy Barbosa, Bruno Gagliasso, Luiza Mariani, Julio Andrade e Gilberto Gil

Direção Musical: Maria Gadú

Saiba mais!

Trilha Sonora do filme no Spotify:

Perfil da diretora no IMDB:

Um pouco mais sobre a diretora:

A entrevista com a diretora e outras críticas de sites especializados:

Onde Encontrar

Streaming: Telecine Play (https://www.telecineplay.com.br/filme/Todas_As_Can%C3%A7%C3%B5es_De_Amor_17211)- por onde eu assisti e minha recomendação pessoal.

Compra:

Para assistir quando e onde quiser! 😊Eu, Marcos Kenji, e uma foto CONCEITUAL haha

u, Marcos Kenji, e uma foto CONCEITUAL hahaha

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