Um Elefante Sentado Quieto

Alice Benvenuti

Alice Benvenuti
Araetá
5 min readMar 26, 2019

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“O mundo é um terreno baldio”. Essa é uma das primeiras falas ditas no filme de estreia do diretor Hu Bo, “Um Elefante Sentado Quieto”, e talvez a que melhor sumarize o sentimento que permeia a obra. O longa conta a história de quatro núcleos de personagens ao longo de um único dia em uma pequena cidade na China. Um jovem com problemas familiares que se envolve em uma briga na escola, o líder de uma gangue que não quer ser líder de uma gangue, uma estudante em uma relação amorosa com seu professor e um velho que está sendo expulso de casa pela filha e mandado para um asilo. À medida que as histórias se cruzam nesse um dia, eles ouvem falar da cidade vizinha de Manzhouli, onde haveria um elefante sentado, imóvel, por algum motivo misterioso.

O protagonista Wu Bo (Yuchang Peng) encontra dois membros da gangue

É inevitável falar desse filme sem passar por dois pontos principais. O primeiro é sua duração. O filme tem 230 minutos (3h50), o que pode ser um ponto que afastará muitas pessoas da sala de cinema. Ao meu ver a duração do filme é completamente justificável pela sua proposta. Além de contar a história de quatro núcleos diferentes, os longos momentos de contemplação em que, aparentemente, nada acontece, são fundamentais para complementar a atmosfera da história e tornar a mensagem ainda mais forte.

Os momentos em que apenas seguimos os personagens andando pela cidade cinza sozinhos não são vazios, eles agregam. E muito. É um momento de contemplação no qual o espectador tem a chance de absorver o mundo no qual os personagens estão inseridos e estabelecer uma conexão com eles através de emoções subjacentes. É importante que o filme seja tão longo para que o sentimento de desesperança, melancolia e apatia se manifeste. É necessário que o espectador fique imerso nesse mundo para compreender o significado por trás da motivação dos personagens e da necessidade que eles sentem em encontrar o elefante.

O segundo ponto é a respeito do diretor do filme. Hu Bo cometeu suicídio aos 29 anos logo após a finalização da pós-produção. É um caso no qual é impossível separar o artista de sua obra. Fica claro durante as quase quatro horas de duração que apenas uma pessoa que sentiu na pele os efeitos da depressão seria capaz de criar um filme desse. É um dos filmes mais humanos que eu já vi. É também um dos mais tristes e angustiantes. É praticamente um pedido de ajuda de Hu Bo.

Foto promocional. Da esquerda para direita os atores Wang Yu Wen, Congxi Li, Yu Zhang e Yuchang Peng

A direção também é uma das grandes responsáveis por não deixar o filme ser monótono. Hu Bo faz bom uso da sua duração ao não permitir que haja tempos mortos. Constituído majoritariamente por longos planos sequências, o uso de uma câmera ágil seguindo os personagens como se fosse um videogame ajuda a dar ritmo para narrativa, além de criar um belo senso de perspectiva. Apesar de alguns dos longos e ininterruptos planos mostrando diferentes situações dentro de um mesmo contexto serem impressionantes, talvez o maior mérito do filme, em termos de direção, esteja no cuidado com a composição das imagens. Priorizando o rosto expressivo dos atores em primeiro plano, a ação muitas vezes funciona como plano de fundo, deixando sempre em evidência o aspecto mais humano e sensível da história.

O filme não aborda as situações a partir de uma visão maniqueísta. Não há propriamente heróis e vilões e nem uma linha clara que divide o certo e o errado. É tudo muito tênue, as coisas não são necessariamente sempre pretas e brancas. Aqui é tudo cinza. São apenas pessoas tentando encontrar alguma motivação dentro de um mundo na qual elas se sentem cada vez mais impotentes. Seria, no entanto, injusto e redutivo visualizar o filme como uma carta de suicídio de Hu Bo. Apesar de autor e obra serem inextricáveis, “Um Elefante Sentado Quieto” se permite ser extremamente pessoal para quem assistir, ao abrir margem para cada um tomar da obra o que bem entender.

Wei Bu e Huang Ling no Parque dos Macacos

Apesar de toda a atmosfera melancólica e duração extensiva da obra, há um desejo de passar mais tempo com esses personagens. Parece que apesar de tudo ainda há um pingo de esperança, você quer que eles tenham mais tempo para encontrar algo novo. Para mim tem algo extremamente catártico a respeito desse filme e toda a obsessão pelo elefante em Manzhouli. Durante vários momentos da história a frase: “Novo lugar, novo sofrimento” é repetida. Mas isso não parece tirar força da motivação dos personagens. Eles têm consciência que o animal não irá fazer nenhum milagre ou provocar alguma mudança concreta em suas vidas. Mas isso não parece importar.

O elefante, na minha opinião, funciona como uma expressão máxima de um escapismo buscado desesperadamente pelos personagens. Eles estão tão imersos nesse contexto apático, nessa prisão à céu aberto que são suas vidas naquela pequena cidade, que uma atração de um animal que fica sentado sem fazer absolutamente nada é capaz de se tornar um propósito. E pra mim a parte mais poderosa desse propósito é o fato de ele ser algo imediato. Eles não estão pensando no futuro e planejando como serão suas vidas quando consideram visitar Manzhouli. Eles só precisam ver algo novo, precisam de alguma mudança, por menor e mais inusitada que seja, e o elefante acaba sendo a melhor opção.

Assim que o filme acaba há um sentimento de ambiguidade que prevalece. Não sabemos se após tudo que aconteceu eles tentarão buscar novos lugares e, consequentemente, novos sofrimentos com os quais eles talvez sejam melhor em lidar, ou se seus futuros serão ainda mais trágicos. Independente disso, o momento em que os créditos começam a rolar é extremamente catártico. Funciona como um respiro de alívio merecido para a experiência sufocante que foi assistir ao filme. Infelizmente, é triste pensar que o próprio diretor não foi capaz de encontrar esse respiro.

No seu primeiro e único longa, Hu Bo se arrisca e cria um filme raro e sensível. Um filme cinza e silencioso mas que causa um grande impacto e tem muito a dizer. Simples, mas realizado com maestria, composto por pequenos detalhes que tornam tudo muito próximo da realidade, tornando a experiência ainda mais intensa.

Pôster do filme

DADOS DO FILME

TÍTULO: Um Elefante Sentado Quieto (大象席地而坐)

ANO: 2018

DIREÇÃO E ROTEIRO: Hu Bo

LANÇAMENTO NO BRASIL: 28 de fevereiro de 2019

DURAÇÃO: 230 minutos

PAÍS DE ORIGEM: China

CLASSIFICAÇÃO: 14 anos

ONDE ASSISTIR: Instituto Moreira Salles

QUANTO: RS$ 13,00 (meia) e RS$ 26,00 (inteira)

QUANDO: Terça-feira às 18h00

ATÉ QUANDO: Indisponível

LINK RELACIONADO: Trilha sonora do filme disponível no Spotfy:
https://open.spotify.com/album/0m9977Xhx53ElLWusD0rJb

Eu e meu cachorro Nicolas

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