Veneno

A vida e morte de Cristina Ortiz é adaptada numa tocante e bela série da HBO Max

Vinicius Roman
Araetá
5 min readMay 18, 2022

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Daniela Santiago caracterizada como La Veneno. (Astramedia/HBO Max)

Por Vinícius Roman Gabriel Sousa

Veneno (2020) é uma série espanhola de oito episódios da HBO Max criada por Javier Ambrossi e Javier Calvo, baseada na biografia da vida da prostituta, cantora e personalidade da televisão Cristina Ortiz, ¡Digo! Ni puta ni santa. Las memorias de La Veneno (2016) de Valeria Vegas. Ela narra a vida e experiências do ícone LGBTQIA+ desde sua juventude, na década de 1960, até os dias atuais.

Sua adolescência conturbada, quando era conhecida como Joselito (Marcos Sotkovszki), e suas três fases respectivas como La Veneno (Jedet Sánchez, Daniela Santiago e Isabel Torres) são mostradas um amor e sensatez vibrantes ao longo dos oito episódios do drama. Os momentos chave de sua vida, desde sua expulsão de casa com 17 anos, sua transformação, no final da década de 1990, em uma figura proeminente na televisão espanhola, até seu infeliz período numa prisão masculina são dados o tempo e atenção necessários para construir não só um personagem complexo e tocante, mas também um retrato evocativo de sua vida e comunidade.

Jedet Sánchez, Daniela Santiago e Isabel Torres caracterizando Cristina Ortiz em diferentes fases de sua vida. (Astramedia/HBO Max)

Cada episódio explora alguns desses momentos marcantes de sua vida. Joselito ganha um fenomenal episódio destaque, de forma a retratar a rejeição familiar e social a qual foi sujeita na adolescência. La Veneno jovem adulta, em Madrid, e sua transição e integração na comunidade também ganham espaço.

Guille Márquez como Joselito criança (Astramedia/HBO Max)

Entretanto, a ascensão de Cristina, interpretada por Daniela Santiago, à personalidade midiática e o inevitável fim do programa de televisão que a tornou conhecida são o ponto alto da série. A atuação fenomenal da atriz, combinado com um episódio que consegue ser simultaneamente divertido, fantasioso, cru, amável e trágico, criam uma narrativa que toca qualquer um.

O declínio de La Veneno, depois que sofre seus piores traumas numa prisão masculina, é, sem dúvida, o mais triste momento da série. A interpretação de Isabel Torres mostra, da forma mais difícil de se ver possível, como as violências sofridas por uma minoria social podem, com o tempo, à levar a indiferença sentimental completa. Noi pior ponto de seu período encarcerada, ela não tem reação a qualquer abuso sofrido.

Na fase atual, como consequência, Cristina, que mora com sua melhor amiga Paca La Piraña (interpretada por ela mesma), é uma figura conturbada emocionalmente. Ela transita entre ser uma figura amável e fantasiosa à uma pessoa difícil de se conviver por machucar, sem freios, quem lhe ama emocionalmente.

O passado de La Veneno, como é conhecida, é alternado com a história de Valeria (Lola Rodríguez), uma estudante de jornalismo que, tendo Cristina como inspiração e modelo da sua experiência como mulher trans, a conhece e decide escrever um livro sobre sua trajetória. A relação das duas mulheres, com personalidades extremamente contrastantes, e nascidas em épocas diferentes, que se unem e causam impactos imensuráveis na vida uma da outra, é uma síntese do aparente apelo da série.

Lola Rodríguez e Isabel Torres como Valeria e Cristina (Astramedia/HBO Max)

A representatividade da narrativa, recebida positivamente pela crítica e pelo público, não é afetada negativamente pelo fato de Cristina ser uma figura controversa de outra geração. Pelo contrário; o cuidado cirúrgico do roteiro em desenvolver uma personagem tridimensional e complexa, a partir de diferentes momentos de sua vida, é o motivo da série ser bem recebida. Seus momentos bons e ruins, traumas, qualidades e defeitos são expostos de maneira à criar um retrato crível e completamente distante de caricaturas ofensivas historicamente associadas à mulheres trans.

A série honra, com cuidado, fatos objetivos e as memórias de Cristina. A fantasia, presente nas suas lembranças, que são, na maioria das vezes, falseáveis e extravagantes, carrega uma honestidade que é tão valorizada quanto as verdades concretas.

A cinematografia, por vezes com atmosfera fantasiosa, com cores quentes e saturadas, e em outros momentos crua e sem artifícios, sustenta as nuances da história. Ela também torna a narrativa confortante, no jeito em que cenas de boates neon, fofocas em estacionamentos desertos de madrugada, e momentos de simples conversa entre amigas são filmadas. A intimidade e a alegria trazidas desses momentos de comunidade trazem alegria e quentura infinitas ao telespectador.

Minha ressalva pessoal com a série, no entanto, é com seu episódio final. A morte e os funerais de Cristina, mesmo que retratados de forma emocionante e justa à sua personagem, na minha opinião, foram executadas com o objetivo principal de ser confortante e positiva e não um final com o melhor tom para a série. O resultado é uma conclusão justa, mas que deixa um gosto agridoce quando comparada com os melhores momentos da série, focados principalmente na adolescência e ascensão dela à fama.

Isabel Torres (Cristina), Lola Rodriguez (Valeria) e Paca La Piraña (como ela mesma). (Astramedia/HBO Max)

Mesmo com esse problema, Veneno não deixa de ser um incrível, belo, íntimo e justo retrato de uma figura marcante da comunidade trans espanhola. Ele promete à cada episódio, inconscientemente, que, apesar dos traumas que passamos, ainda haverá pessoas que te abraçarão por ser quem é.

DEGUSTE O VENENO!

Onde? No Serviço de streaming HBO Max.

Quanto? Dependendo do plano escolhido, a mensalidade varia entre R$14,16 e R$29,90.

Quando? No serviço de streaming, é possível assistir a série quando e onde quiser.

Saiba mais! Assista ao trailer aqui.

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