Visages, Villages

Luísa Guarnieri
Araetá
Published in
5 min readMar 7, 2018

por Luísa Prado Betti Guarnieri

JR e Agnes Varda posam para o poster do filme “Visages, Villages”.

No último domingo, 4 de março, ocorreu a tradicional premiação do Oscar. Em sua 90ª edição, o evento chamou a atenção ao apresentar avanços na questão da representatividade feminina na indústria cinematográfica. Desde a inédita presença de uma diretora de fotografia entre os nomeados até o emocionante discurso da atriz Frances McDormand enaltecendo suas colegas mulheres, a representatividade e valorização das mulheres no cinema foi destaque. Dentre estes importantes momentos, destacou-se a presença de Agnès Varda, cineasta da nouvelle-vague, indicada pela primeira vez pelo seu documentário artístico “Visages, Villages” (2017, FRA), uma codireção com o fotógrafo e artista urbano JR.

Agnes e JR a bordo do inusitado caminhão.

O documentário convida o espectador a embarcar com Agnes e JR em uma viagem por vilarejos franceses, a bordo de um caminhão adaptado para imprimir fotos em tamanho gigante. Em suas diversas paradas, a dupla conversa com os habitantes, descobrindo histórias, memórias e particularidades, sintetizando as entrevistas com fotografias feitas no caminhão. Os retratos são então impressos em tamanho gigante e colados nas fachadas ou outros suportes significativos dos vilarejos, construindo impactantes intervenções urbanas, trazendo a humanidade dos habitantes para o concreto em que habitam.

O resultado dessa inusitada premissa é um delicioso filme, recheado de sensibilidade e humor e que é, essencialmente, uma celebração das imagens - do cinema e da fotografia. Celebração esta que se torna mais especial e única a partir da escolha de pessoas comuns como protagonistas. Em entrevista para a Variety, JR afirmou que eles sempre enxergaram heróis em pessoas anônimas e que é possível parar qualquer um na rua e obter uma história maravilhosa. Esse olhar fica evidente no filme a partir do tratamento cuidadoso e espirituoso dos carismáticos diretores-protagonistas, transformando de forma primorosa o cotidiano, o particular, em verdadeiras obras de arte. Tal escolha torna o filme extremamente humano, próximo do espectador.

Uma das personagens posa em frente à intervenção em sua homenagem.

Ao celebrar imagens, o filme também celebra o tempo e sua passagem, o efêmero e o instantâneo, registrados pelo cinema e pela fotografia. Em todas as intervenções, está sempre em discussão a relação entre passado, presente e memória: a preservação de instantes que se vão. Em uma delas, a que mais me tocou, a dupla visita uma praia onde, há meio século, Agnès havia feito fotos de Guy Bourdin, um grande amigo já falecido. A fotografia em tamanho gigante cabe perfeitamente em uma das rochas da praia, resultando em uma intervenção primorosa, rememorando o passado e celebrando a memória de um amigo querido, emocionando Varda (e o espectador). No dia seguinte, porém, as ondas acabam levando o painel embora. Não é preciso dizer nada, o filme diz por si só. São poesias visuais sensivelmente construídas como esta que fazem do filme tão único e tão encantador.

Still do filme, mostrando a intervenção na praia a partir do retrato de Guy Bourdin.

A relação passado e presente não está somente nas intervenções: ela é o ponto central da dinâmica da própria dupla, a partir da distância geracional existente entre Agnès e JR — ela é quase 60 anos mais velha! O filme acaba sendo um registro do crescimento desta parceria e amizade, celebrando a simbiose entre o passado e o presente. Com suas diferentes e interessantes bagagens, os dois acabam se complementando, criando uma relação interessantíssima e que funciona muito bem na tela, fazendo com que os espectadores sintam vontade de fazer dessa dupla um trio.

JR e Agnes posam com uma intervenção feita a partir de uma imagem dos próprios.

“Visages, Villages” é um ótimo e emocionante documentário, como não via há tempos, capaz de misturar o registro da realidade, típico do gênero, com doses intensas de poesia e sensibilidade, com o trunfo de poder agradar a todos os gostos. E, se o filme celebra imagens, memória e passado, ele se torna, em síntese, uma celebração da carreira de própria Agnès Varda, reafirmando sua potência e sensibilidade, sintetizando sua importância como uma das pioneiras da representatividade feminina no cinema.

Agnès, no presente, brinca com a impressão gigante de um retrato seu, no passado: um resumo visual de tudo que Visages, Villages representa.

Visages Villages, de Agnès Varda e JR

Onde? CineSesc, Centro Cultural São Paulo, Espaço Itaú de Cinema Augusta e Spcine (informações checadas até o dia 07/03.) Também disponível em streaming pelo serviço Net Now.

Quanto? Na faixa dos 10 a 30 reais no cinema e por R$14,90 no streaming.

Quando? No cinema todos os dias da semana, em horários que variam das 15h até as 18h30

Até quando? Disponível até meados de março. Indefinido no streaming.

Links interessantes:

http://www.jr-art.net/ — site oficial do fotografo JR, com artigos e imagens sobre as suas intervenções artísticas.

https://www.tiff.net/the-review/agnes-varda-goes-from-film-buff-to-filmmaker/ — entrevista com Agnés Varda. Nela, dá para saber um pouco mais sobre o pioneirismo de Agnes em relação à representatividade feminina no cinema, bem como sobre sua visão sobre o assunto. (Em Inglês)

http://www.vulture.com/2017/10/agnes-varda-and-jr-interview-faces-places.html — entrevista com Agnés Varda e JR, onde eles contam como foi o encontro deles e dissertam sobre a distância geracional que os separa. (Em Inglês)

http://variety.com/2017/film/global/agnes-varda-street-artist-jr-on-cannes-documentary-visages-villages-1202438632/ — entrevista da dupla para a Variety, mencionada no texto.

https://www.youtube.com/watch?v=oaq9IMouPIs — trailer do filme.

Eu mesma e o ingresso do filme.

--

--