Você chegou ao seu destino

Pedro Tortamano
Araetá
Published in
5 min readNov 11, 2017
Aquele que vos fala de frente para a galeria onde a exposição está acontecendo.

O novo trabalho do artista plástico Felipe Cama (que, por sinal, é formado na FAAP) consiste em uma pequena série de cerca de 10 pinturas abstratas dispostas no primeiro andar da Zipper Galeria. Cada obra é um “mosaico cartográfico”, e consiste de vários óleo sobre telas de formatos diferentes que se juntam para formar um todo abstrato.

Se você não conseguiu imaginar a partir da minha descrição meia-sola aqui estão algumas das obras fotografadas:

O tamanho das obras expostas varia de meio metro de largura por meio metro de altura (as duas do centro), a mais ou menos 1,5x1,5 (a da direita) e bem mais de 2 metros de comprimento (a da esquerda).

A exposição fez parte do Art Weekend São Paulo, evento que ocorreu durante o fim de semana dos dias 11 e 12 de novembro. Ao longo desses dois dias, 41 galerias de arte pela cidade sediaram palestras, visitas guiadas e aberturas de exposições (como no caso da Zipper, que além de “Você chegou ao seu destino” também abriu a exposição “Zona de remanso: exercícios de permanência”, de Filipe Acácio).

A essa altura você já deve estar pensando “Para de enrolar! Qual é o lance dessa exposição?”. Bom, o fato de as obras serem óleo sobre telas com formatos irregulares já seria um “lance”. Mas é claro que tem um motivo para as telas serem assim. Sempre tem…

O artista Felipe Cama (de costas, no meio) conversa com dois visitantes da exposição.

No caso há duas reflexões sendo feitas aqui. Na primeira, o artista quis discutir o fenômeno do mapeamento digital na era dos smartphones conectados à internet e a GPSs 24 horas por dia, traçando todos os nossos movimentos durante o dia-a-dia.

Nas palavras do próprio Cama:

“Grande empresas de tecnologias monitoram nosso cotidiano, onde vamos, o que vemos, o que consumimos, e oferecem os dados para que outras empresas formulem suas estratégias comerciais. Os trabalhos refletem sobre privacidade e liberdade”

Foi pensando nessa problemática que Felipe passou anos monitorando seus próprios trajetos diários através de aplicativos de posicionamento geográfico, e registrando os traçados que iam se formando a partir dessas andanças. Desses traçados surgiram os contornos das telas que formam os diferentes quadros que agora preenchem as paredes da Zipper.

Uma das obras está exposta na área de convivência da galeria. Os tons pasteis tanto da mobília quanto da obra criam uma combinação agradável.

Essa reflexão específica à qual se propõe as obras… deixa a desejar. A última coisa que eu penso quando vejo os traçados aparentemente aleatórios que formam as obras de Felipe Cama é sobre os bancos de dados que as grandes empresas de comunicação estão formando sobre minha pessoa em uma tentativa de tornar sua publicidade mais apelativa.

Eu consigo ver ruas. Consigo ver bairros e os contornos gerais de uma cidade. Mas sem pontos de referência específicos esses traçados se tornam um ponto imaginário que eu nunca visitei e não poderia estar mais distante de mim.

À esquerda, minha obra favorita da exposição (aproximadamente 0,5X0,5) pura e simplesmente porque ela tem a mesma combinação de cores do EVA Unit-01, de Neon Genesis Evangelion (à direita).

Agora, a outra reflexão à qual se propõe “Você chegou a seu destino” é muito mais interessante e efetiva. Como eu disse anteriormente, os traços aparentemente aleatórios dos quadros de Cama podem ser ruas, limites de bairros ou até fronteiras municipais. Mas ao mesmo tempo não deixam de ser traços aleatórios, certo?

O que são mapas além de traços aleatórios, resultados da própria formação geológica da Terra ou de decisões completamente arbitrárias realizadas por nós, humanos? E, mesmo assim, quando nos mostram um mapa do Brasil sabemos que aqueles traços aleatórios estão atrelados a um número gigantesco de conceitos e ideias que formam o que nós entendemos por “Brasil”. O mesmo vale para qualquer mapa de qualquer lugar do mundo com o qual tenhamos o mínimo de familiaridade.

As obras variavam bastante de tamanho e contorno, mas mantinham uma consistência estética principalmente em relação ao uso de cores (sempre tons pasteis).

Felipe Cama se propõe a estabelecer um diálogo entre a arte figurativa e abstrata, e a cartografia é a disciplina perfeita para realizar tal aproximação. Suas obras são abstração pura e, mesmo assim, nos passam uma certa familiaridade, como se quase pudéssemos determinar quais as ruas por onde o artista andou.

Os quadros nos levam a questionar a fronteira entre o figurativo e o abstrato, concluindo que toda a nossa realidade não passa do processo de classificação e organização de uma realidade amorfa, regida por coincidências e aleatoriedades. Caos puro. Todas as nossas certezas são convenções e concordâncias estabelecidos por pessoas das quais nunca ouvimos falar e que viveram muito antes de alguém sequer sonhar conosco.

Mas aceitamos o que esses ilustres desconhecidos nos determinaram, basicamente porque daria muito trabalho inventar novos nomes para todas as coisinhas que existem no mundo.

Visitantes e artista (primeiro à direita) apreciam a exposição em seu dia de abertura.

VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO

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