Wednesday ou Wandinha?

O foco da nova série da Netflix é a personalidade da filha da Família Addams

isabela vogliotti limonte
Araetá
7 min readDec 7, 2022

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Por Isabela Vogliotti Limonte

Wednesday Addams, ou Wandinha na tradução brasileira (Jenna Ortega).

Wednesday (Wandinha, na tradução brasileira) é a nova série da Netflix lançada no dia 23 de novembro desse ano, 2022. Trata-se da adaptação de Tim Burton da Família Addams, história em quadrinhos criada por Charles Addams (cartunista). Já houveram diversas adaptações dessa família em filmes, séries e animações, mas, dessa vez, o foco é apenas na filha da família, Wednesday/Wandinha (Jenna Ortega) e em como ela se adapta e se relaciona com outros jovens em uma nova escola tão atípica quanto ela: a Academia Nevermore, onde seus pais, Morticia (Catherine Zeta-Jones) e Gomez (Luis Guzmán), haviam estudado quando jovens também.

Academia Nevermore

Mais conhecida pelos filmes dos anos 90, a Família Addams é caracterizada por membros mórbidos e excêntricos, em uma visão satírica da família tradicional burguesa estadunidense. Com um humor irônico e macabro, os membros dessa família possuem interesses e hobbies fora do comum, dentre os quais métodos de tortura e serial killers. Entretanto, entre eles há amor e carinhos mútuos.

Membros da família Addams no filme “A Família Addams 2” (“Addams Family Values”, título original), de 1993.

Na série de Tim Burton, a família é caracterizada de forma bastante semelhante às outras adaptações. Apenas o pai, Gomez, é mais parecido com as HQs originais — mais gordo e com o cabelo dividido no meio — do que, por exemplo, com os filmes dos anos 90. No mais, Wandinha tem agora quinze anos, sendo, assim, um pouco mais velha do que nas outras vezes. Ela e o irmão Feioso (Isaac Ordonez) continuam tendo a mesma interação de provocações e cumplicidade e seus pais continuam extremamente apaixonados e melosos um com o outro. Aqui, entretanto, há um desenvolvimento maior da relação entre mãe e filha, entre Mortícia e Wandinha: Wandinha não quer, de modo algum, ser comparada ou seguir os passos da mãe. Reluta em ir para a Academia Nevermore, inclusive, por conta disso. Sabia que a mãe tinha grande apreço pela escola e que havia conquistado vários feitos ali, assim, não aceitava ter que reviver o passado de Mortícia. O que acontece, claramente, é o contrário: no decorrer da série, Wandinha percebe o quanto é realmente parecida com a mãe e passa a aceitar melhor esse fato.

A família Addams da série da Netflix. Da esquerda para a direita: Mortícia (Catherine Zeta-Jones), Wandinha (Jenna Ortega), Gomez (Luis Guzmán) e Feioso (Isaac Ordonez).

A série conta com uma lista de referências às adaptações dessa família fúnebre. Logo em uma das primeiras cenas do episódio piloto, Feioso é encontrado amarrado com uma maça na boca dentro do armário do colégio. No filme de 1991, isso também acontece, mas, lá, quem tinha amarrado o garoto havia sido Wandinha, em uma brincadeira de arco e flecha. Aliás, esta é outra referência: a aptidão de Wandinha por arco e flecha. Há também referências ao ódio da personagem pelos peregrinos, como já mostrado no filme de 1993. E, claro, o gosto de Wandinha pela dança, mesmo que esquisita a sua maneira, que já havia aparecido tanto na sitcom de 1964, quanto no filme de 1991. Além disso, temos a presença de dois outros membros da família: a Mãozinha (Victor Dorobantu) e o tio Fester (Fred Armisen). Mãozinha é literalmente uma mão, um dos grandes mistérios da família, como explica a própria Wandinha. É enviada pelos pais da garota para vigiá-la, mas é descoberta pela mesma logo no início e promete cumplicidade a ela. É, de longe, um dos maiores e mais carismáticos destaques da série. Funciona, assim como a colega de quarto da filha da família Addams, Enid (Emma Myers), como um contraponto à personalidade de Wandinha. Não é à toa que Enid e Mãozinha constroem uma grande amizade também. Tio Fester, no entanto, só aparece em um episódio (episódio 7) como um fan service, mas consegue trazer consigo o espírito descontraído e caloroso do irmão de Gomez. Outra grande referência, também, é o estalar de dedos característico da música tema da Família Addams. Em “Wednesday”, aparece como um código a partir de uma obra de Edgar Allan Poe para abrir uma entrada secreta. Finalmente, uma das maiores referências e homenagens da série é com certeza a participação da atriz Christina Ricci, a Wandinha dos anos 90, no elenco como uma das professoras de Nevermore.

Na imagem da esquerda, Mãozinha (Victor Dorobantu) no terceiro episódio da série. Na imagem da direita, a atriz Christina Ricci interpretando Marilyn Thornhill no episódio piloto.

Dando enfim ênfase à trama, ao chegar na Academia Nevermore, Wandinha imediatamente se encontra dentro de um mistério: por algum motivo, ela estaria envolvida em um grande acontecimento da escola logo menos, e, além disso, havia um monstro à solta causando inúmeros assassinatos. Extremamente inteligente e calculista, a protagonista não perde por esperar e logo inicia suas investigações. Dentre elas, há também sombras do passado de seus pais por toda a escola e cidade. Assim, Wandinha impõe como seu único objetivo desvendar tudo isso.

Muitas críticas foram feitas em relação à fidelidade da personalidade de Wandinha em relação a sua reação com os assassinatos que acontecem. Apesar de Wandinha ser a favor da tortura e fã de serial killers, quando atentados do tipo acontecem contra ela, sua família e — mesmo sem admitir — amigos, a causa se torna pessoal. Logo no início do primeiro episódio, a personagem fala exatamente isso aos garotos que humilharam seu irmão: “A única pessoa que pode torturar meu irmão sou eu.”. Desse modo, não são incongruentes as ações de Wandinha para solucionar o caso. Além disso, mesmo nos filmes dos anos 90, é possível perceber uma admiração da família pelos vilões das histórias, mesmo enfrentando eles. Acontece o mesmo na série da Netflix: em determinados momentos, a protagonista se surpreende com aqueles que enfrenta, contudo, precisa combate-los para proteger os seus e a si mesma, além de ter, também, princípios bastante justos quando se trata das desigualdades do mundo. Sendo assim, a trama segue bem amarrada nesse sentido.

A tradução brasileira de “Wednesday” para “Wandinha” também tem sido alvo de julgamentos. É explicado por Morticia que o nome de sua filha foi inspirado em um poema estadunidense bastante conhecido, que descreve a criança nascida em cada dia da semana. Apesar de ter nascido em uma sexta-feira 13, a garota se encaixava perfeitamente com a criança de quarta-feira, que é “cheia de angústia”. Entretanto, esse poema faz parte exclusivamente da cultura dos EUA, não fazendo sentido algum em países como o Brasil. Desse modo, adaptou-se de Wednesday para Wandinha lá nos anos 60, na primeira adaptação da família Addams. Por questão de memória afetiva e também de uma excelente adaptação, já que pegou muito bem, foi mantida assim até a história mais atual da família.

O foco da série de Tim Burton é, portanto, a personalidade de Wandinha (ou Wednesday). A personagem tem um jeito muito peculiar de lidar com tudo e todos a sua volta, não consegue sentir direito suas emoções e utiliza isso como uma armadura e como uma espada. Não vê problemas em atravessar o que e quem for para conseguir o que quer, mesmo que sejam pessoas próximas (ou que, pelo menos, tenham se tornado contra sua vontade). Jenna Ortega conseguiu trazer com grandeza esse desenvolvimento da personagem, de desvendar não apenas mistérios, mas também si mesma. Como Ying e Yang, percebe que não adianta relutar aos opostos — como sua colega de quarto e, em pouco tempo, amiga Enid. Enquanto Wandinha precisa aprender a lidar melhor com suas emoções, a se expressar melhor e a ter mais empatia, Enid precisa desenvolver segurança, amor próprio e aceitação. Essa troca faz com que ambas construam uma relação unicamente inacreditável.

Enid (Emma Myers) e Wandinha (Jenna Ortega), no primeiro episódio da série.

“Wednesday” se desenvolve de maneira muito fluida nos quatro primeiros episódios dirigidos por Tim Burton. Nos quatro últimos, dirigidos por Gandja Monteiro e James Marshall — respectivamente –, há um grande número de informações e detalhes que passam de forma muito corrida na tela. A costura desses últimos episódios não é tão bem trabalhada quanto nos primeiros. Entretanto, a trama continua prendendo o interesse dos espectadores até o momento final. A série da Netflix consegue, pois, entregar o que propõe: uma série adolescente bem desenvolvida, que chama a atenção de um público mais velho e também saudoso pela família Addams, com um humor fúnebre e um estilo peculiar ideal para grandes repercussões na internet — tais como a dança de Wandinha, no baile da escola do quarto episódio, que viralizou no TikTok. Trata-se, portanto, de uma fórmula tradicional de séries teen que aqui funciona de forma mais sutil e um tanto quanto esquisita, abraçando e exaltando o diferente.

Wandinha (Jenna Ortega) dançando no baile da Academia Nevermore, no quarto episódio da série.
Autora do texto crítico, Isabela Vogliotti Limonte.

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isabela vogliotti limonte
Araetá
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graduada em letras português/inglês pela unesp e estudante de cinema na faap. redatora e revisora de textos, com experiência e aspiração também em fotografia.