Como o design thinking tira as empresas da zona de conforto — O caso da Shimano

Francisco Albuquerque
arcohub
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5 min readJun 3, 2020

Em 2004, a Shimano, fabricante japonesa líder de componentes de bicicleta, estava vivenciando um crescimento estagnado em seus segmentos tradicionais de mountain bikes e bicicletas de corrida de alta performance nos Estados Unidos. A empresa sempre se baseou em novas tecnologias para orientar seu crescimento. Ela investiu substancialmente na tentativa de se adiantar à próxima inovação. Diante do mercado em evolução, parecia prudente tentar algo novo, de forma que a Shimano convidou a IDEO para colaborar.

O que se seguiu foi um exercício de relações entre designer e cliente que assumiu um tom muito diferente do que teria sido feito algumas décadas ou até memo alguns anos atrás. A Shimano não nos passou uma lista de especificações técnicas e uma pasta cheia de pesquisas de mercado e nos mandou de volta a nosso escritório para projetar um monte de peças. Em vez disso, unimos forças e exploramos juntos o cenário em evolução do mercado do ciclismo.

Durante a fase inicial, reunimos uma equipe interdisciplinar de designers, cientistas comportamentais, profissionais de marketing e engenheiros cuja tarefa era identificar restrições apropriadas para o projeto. A equipe teve como ponto de partida um palpite de que não deveria se concentrar no segmento superior do mercado. Em vez disso, eles saíram a campo para descobrir por que 90% dos adultos americanos não andam de bicicleta — embora 90% deles andassem quando eram crianças! Procurando novas formas de pensar sobre o problema, eles conversaram com todos os tipos de consumidores. E descobriram que quase todas as pessoas tinham memórias felizes de andar de bicicleta na infância, mas muitas se sentem dissuadidas do ciclismo — pela experiência de varejo (incluindo os intimidantes atletas vestidos em roupas de lycra que atuam como vendedores na maioria das lojas de ciclismo independentes); pela enorme complexidade e custo excessivo das bicicletas, acessórios e roupas especializadas; pelo perigo de andar de bicicleta em estradas e ruas não projetadas para isso; e pelas exigências de manutenção de uma máquina sofisticada que provavelmente só será usada nos fins de semana. Eles observaram que todos os entrevistados pareciam ter uma bicicleta na garagem com um pneu vazio ou a corrente quebrada.

Essa exploração centrada no ser humano — que procurava saber a opinião de fanáticos por ciclismo, mas também, e o mais importante, de pessoas que não pertenciam à base de clientes essencial da Shimano — levou à descoberta de que uma categoria totalmente nova de ciclismo poderia reconectar os consumidores americanos às suas experiências de infância. Um enorme mercado inexplorado começou a tomar forma diante de seus olhos.

A equipe de design, inspirada nas antigas bicicletas Schwinn, da qual todos pareciam se lembrar, se saiu com o conceito do "coasting" — o simples prazer de passear de bicicleta. O coasting atrairia ciclistas não praticantes de volta a uma atividade simples, direta, saudável e divertida.

Bicicleta Schwinn — Modelo americano
Bicicleta Schwinn — Modelo Americano

As coasting bikes, construídas mais para o prazer do que para o esporte, não teriam controles no guidão, nenhum cabo passando pela estrutura, nenhum sistema de marchas para serem limpas, ajustadas, consertadas ou substituídas.

Coasting bike — Trek + Shimano

Como as bicicletas de antigamente, os freios seriam acionados pedalando para trás. As coasting bikes apresentariam selins estofados confortáveis, guidão vertical e pneus resistentes a perfuração e praticamente não precisariam de manutenção. Mas não estamos falando apenas de uma bicicleta retrô: ela incorpora uma engenharia sofisticada com transmissão automática que troca de marcha à medida que a bicicleta acelera ou desacelera.

Três grandes fabricantes — a Trek, a Raleigh e a Giant — começaram a desenvolver novas bicicletas incorporando os componentes inovadores da Shimano, mas a equipe não parou por aí. Os designers poderiam ter concluído o projeto com a bicicleta, mas, como design thinkers holísticos, seguiram em frente. Eles criaram estratégias de varejo nos pontos de venda para comerciantes independentes de bicicletas, em parte para reduzir o desconforto que os principiantes sentiam em ambientes de varejo criados para atender aos entusiastas do ciclismo. A equipe desenvolveu uma marca que identicava o coasting como uma maneira de apreciar a vida ("Relaxe. Explore. Vá sem pressa. Vagueie sem destino. Quem chegar primeiro é a mulher do padre!"). Em colaboração com autoridades locais e organizações de ciclismo, a empresa criou uma campanha de relações públicas, incluindo um website que identificava lugares seguros para andar de bicicleta.

Muitas outras pessoas e organizações se envolveram no projeto à medida que ele passava da inspiração à idealização e depois à fase de implementação. De forma interessante, o primeiro problema que os designers teriam esperado solucionar — a aparência das bicicletas — foi adiado para o último estágio do processo de desenvolvimento, quando a equipe criou um "design de referência" para mostrar o que era possível e inspirar as equipes de design dos fabricantes de bicicletas. Um ano após o sucesso do lançamento da bicicleta, sete outros fabricantes haviam se candidatado a produzir as coasting bikes. Um exercício de design se tornou um exercício de design thinking.

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Francisco Albuquerque
arcohub

Designer Estratégico, professor da pós de design e inovação do IED-SP, co-fundador da Arco Hub www.arco.cc, discute inovação em negócios e cidades do futuro.