Negócios do futuro, aprendizagem e design

Diego Dalmaso
arcohub
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5 min readMar 10, 2020

A cena faz parte do nosso imaginário desde os tempos de Charlie Chaplin: trabalhadores enfileirados apertando parafusos em uma esteira de produção que não pára. Cada um responsável por um pequeno pedaço na construção de um bem de consumo, à moda fordista. Substitua algumas dessas pessoas por robôs e temos um retrato do que entendemos como indústria hoje.

Nesse cenário, quem cria novas soluções (como engenheiros e designers) estão isolados do sistema produtivo (os operários).

Agora vamos fazer um paralelo com o que entendemos como o grande modelo de negócio do nosso tempo: empresas de tecnologia, das startups às big techs. Negócios que lidam com uma grande demanda por novas soluções, principalmente novos serviços. Aqui, a entrega final é realizada por um time de alta qualificação com profissionais de tecnologia, design e negócios.

Se olhamos para um grande escritório à la Google, com mesas e mais mesas de squads trabalhando no desenvolvimento de incrementos e novos serviços, me pergunto se não estamos na verdade olhando para um novo tipo de linha de produção. Substituímos os operários por criadores de serviços digitais? Já recriamos o jeito de trabalhar ou estamos replicando os modelos estabelecidos? A verdade é que fica o questionamento pra debate. Meu objetivo é trazer à tona esse cenário para falar de educação.

Empresas do futuro como espaço de aprendizagem

Vale lembrar que o jeito de pensar do fordismo não ficou isolado às fábricas. Nossas escolas e universidades, por exemplo, funcionam até hoje nesse sistema de linha de produção. E o tempo que você passa nessa linha de produção pode até definir o seu papel na indústria posteriormente.

Essa visão de educação como indústria ainda tem outra consequência: os espaços de aprendizagem e de aplicação prática são separados. Primeiro você vai à escola para aprender, depois ao trabalho para aplicar. Se quer aprender mais, volta para o lugar de aluno. No modelo industrial existe uma divisão clara entre o que é estudo e o que é trabalho.

A maior parte dessas reflexões não é minha. Estou escrevendo esse texto baseado em um escrito do filósofo Vilém Flusser chamado "A Fábrica" (1991). No texto, ele explica como podemos olhar para a o Homo sapiens como um Homo fabris, ou seja, um ser que é definido pela sua capacidade de fabricar coisas.

E aqui vem uma visão interessante de um pensador que não viveu pra ver o advento do mundo digital: o Homo fabris estava até aquele momento atuando como uma peça mecânica em um processo de fabricação, mas o seu real potencial é o de ver o espaço de trabalho como espaço de aprendizagem.

O que importa é que a fábrica do futuro deverá ser o lugar em que o Homo faber se converterá em Homo sapiens sapiens, porque reconhecerá que fabricar significa o mesmo que aprender, isto é, adquirir informações, produzi-las e divulgá-las.

E agora eu pego essa reflexão emprestada para aplicar em qualquer empresa, indústria ou não (entendendo que o mesmo modelo se aplica às startups e big techs). A empresa do futuro é aquela capaz de quebrar a fronteira entre o espaço de aprendizagem e o espaço de trabalho. Um ambiente que tenha o conhecimento como um bem produzido, compartilhado e aplicado. E eu não estou falando das áreas de P&D.

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Muitas grandes empresas atuam com frentes de treinamento ou universidades corporativas. Já é um belo começo, mas o desafio que temos é o de deslocar essas oportunidades de aprendizado para dentro do trabalho, para que aprender seja uma atividade percebida como entrega tanto quanto um planejamento, um relatório, uma reunião, etc. Para isso é preciso criar um contexto propício à pesquisa, estudo, compartilhamento e, principalmente, mudar a forma de trabalho isolado e operacionalizado entre pessoas e departamentos que temos hoje nas empresas mais tradionais. Existem diversos movimentos nessa direção e torço muito para que eles ganhem força no cenário de negócios atual.

O papel do designer na empresa do futuro

Vamos partir desse princípio de Flusser, que defende a fábrica do futuro como um espaço de produção de conhecimento. Se eu produzi algo novo, um aprendizado novo no meu negócio, como um designer poderia me ajudar? Em um primeiro momento, podemos entender o designer como o profissional que pode traduzir conceitos visualmente (por meio de infográficos, por exemplo) para ajudar a comunicação com públicos diversos.

Essa visão é a mesma que eu me deparo todas as vezes que me apresento como designer. É uma percepção comum: o designer faz banners, faz interfaces de aplicativos, faz objetos, desenha roupas, etc. Nesse olhar, a percepção do trabalho do designer está ligada ao que ele entrega, não ao que ele faz. O que o designer faz de melhor é projetar.

E se projetamos modelos ao invés de coisas?

De novo, uma proposição nada original, mas que pode ser incomum para um olhar estrangeiro. O designer é um projetista e seu olhar, técnicas e ferramentas podem ser aplicados a diversos contextos não limitados a produtos, gráfico e moda. Designers são profissionais capazes de fazer conexões, traduzir conceitos e tangibilizar em um projeto; seja um produto ou serviço, seja uma estratégia de negócio. Ok, defesa feita. E o que temos a ver com aprendizagem?

Ora, se criamos um infográfico para compartilhar um conhecimento, estamos criando comunicação e entregando resultado. Mas esse é um trabalho limitado em escala (preciso de um designer para compartilhar um conhecimento) e em capacidade de entrega (o designer não produz conhecimento, apenas facilita seu entendimento).

O que estou propondo é que o designer projete jeitos de produzir e compartilhar conhecimento. Sua entrega pode ser um metaprojeto. Palavrinha difícil pra dizer que o projeto pode ser um modelo a ser aplicado e replicado por qualquer pessoa, sem depender de um designer fazendo infográficos. O desafio é identificar um modelo de caiba para cada negócio, entender o comportamento dos colaboradores, garimpar trocas que já acontecem informalmente, criar soluções envolvendo os atores, testar e consolidar como um direcionador do negócio.

Na empresa do futuro, o designer que antes dava forma aos objetos agora têm o papel de dar forma a processos e interfaces de aprendizagem, potencializando a capacidade de todos os colaboradores na produção de conhecimento.

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Diego Dalmaso
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Acredito que o design, a inovação, a tecnologia e a arte podem mudar o mundo. Atualmente sou designer de serviço na ioasys.