A Idiotização da Webz

O Legal > Chato pode ser o motivo de cada vez mais conteúdo ser imbecil

Gabriel Gastaldo
Arddhu
6 min readDec 1, 2015

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Recentemente fiz a tradução de um artigo de um bloger Iraniano, no qual ele fala sobre A Morte do Hyperlink, um fenômeno recente que aos poucos tem minado a web como ela foi concebida, um local descentralizado onde todos tinham espaço.

O artigo foi traduzido após um amigo ter feito a recomendação do mesmo, li e senti que ele expressava boa parte do que eu pensava sobre a o assunto, embora no caso desse autor, em específico, fosse uma situação bem mais complexa envolvendo a sua prisão pelos direitos da livre expressão.

Hoje, algumas semanas após essa tradução, sinto a necessidade de por para fora as minhas próprias palavras sobre o assunto, expor um pouco do que chamo de “Idiotização da Web” que demonstra bem como eu concordo com o autor em alguns pontos.

Sou da época de BBS, onde não existia internet acessível para pessoas comuns e acessávamos servidores pagos mensalmente via conexão discada. Cada servidor era uma ilha completamente isolada das outras, basicamente o que fazia cada BBS eram seus usuários e o que eles enviavam para essas redes

Não era raro nessa época a troca de informações que eventualmente levavam a formas de acessar outras BBS de outros países, muitas vezes com esquemas de ligação a cobrar ou através de linha de orelhão (mas acreditem, não tinha nada daquele glamour de hacker de filmes com notebook no meio da rua).

A migração para a internet surgiu com 1h/dia, 30h/mês e cada hora dessas valia ouro, se você não é dessa época, não entende o que é ter que preparar todos os seus programas e tarefas para sugarem tudo que fosse possível em um curto espaço de tempo e ter pouquíssimo tempo para navegar.

Esse histórico todo é necessário para explicar que a Internet, ou a Web, essa camada de páginas acessadas pelo navegador via http não foi sempre regra, que ela foi aos poucos sendo erguida para construir um ambiente global de diversidade, em que todas as vozes tem vez e todas as ideias podem receber atenção.

Entre mitos de empresas surgindo em garagens em Silicon Valey e grandes fortunas sendo feitas por jovens estudantes sem qualquer contato com outras grandes fortunas, o espaço da web foi em sua maior parte democrático. Você sempre teve o poder de ir para onde quisesse e sair quando bem entendesse.

Essa época se caracterizava pela diferenciação entre Internet e TV, uma era feita por todos e se movia de forma orgânica e não controlada, a outra era uma máquina de vendas com um padrão totalmente estudado e parametrizado com uma agenda a ser cumprida.

Com a popularização da Internet, aos poucos cada forma de usá-la foi sendo simplificada, para alcançar mais pessoas, muito disso em um esforço para ampliar o alcance mundial dessa teia (world wide web, teia de alcance mundial) e permitir que todos esses pontos isolados pudessem trocar informações e experiências.

Mas como disse Trimegistos, tudo que está acima é como o que está abaixo. Toda situação gera benefícios e malefícios. Conforme a facilidade foi se estabilizando, mentes inquietas desejosas de recuperar seu antigo poder de alienação se moveram, levaram para essa nova mídia suas agendas mesquinhas e antigas, com o propósito certo de servir a seus senhores e a continuar o plano de alienação da massa em prol do lucro cada vez maior.

Se no Brasil temos números tristes quanto ao hábito de leitura da população especialmente pela cultura que durante tanto tempo foi centralizada na TV, a Internet não modificou isso a longo prazo. As mesmas mentes apenas adaptaram o que já existia ao novo meio, reativando aquela preguiça latente nas pessoas, o conformismo absurdo através das fórmulas de intoxicação dos sentidos.

Aos poucos as páginas e blogs que chegaram a “bombar absurdamente”deixaram de conquistar atenção e caíram no esquecimento, o que antes era uma forma de contornar limitações técnicas e que conseguia fazer pessoas desenvolverem novos hábitos e transformarem suas práticas, caiu por terra já com três punhados da mesma em suas costas.

Não mais limitava-se a mensagem a texto e a algumas poucas imagens (exaustivamente trabalhadas para que consumissem o mínimo de banda possível) os vídeos passaram a dominar como conteúdo mais consumido e que mais ganhava atenção.

Tivemos o grande levante do Youtube e dos Youtubers, que, aos poucos, se tornaram novos especialistas em mastigar tudo que sua atenção alcançava e transformar em uma papa pronta para ser ingerida sem o menor trabalho. Não importando o assunto.

Textos bem escritos passaram a ser chamar “textões” e com isso o reino do legal vs chato se consolidou na web de forma majoritária fazendo com que apenas manchetes fossem importantes. Por que diabos as pessoas iriam se expor ao que não lhes interessa, ao que não está em conformidade com o que elas já tem de visão do mundo?

Passo a passo, o mesmo fenômeno que comandou por décadas a TV, se espalhou pela internet, nulificando aos poucos quem procurava criar conteúdo e elevando quem apenas o pasteurizava e colocava em uma caixinha colorida e irreverente, muitas vezes, sem nem mesmo saber que agia sob a agenda de alguém com muito planejamento.

Ler? Não, melhor assistir a um vídeo. Pesquisar? Não, melhor googlar e pegar os resultados da primeira página. Discutir? Não, melhor brigar ou proliferar a mentira, deixando que aos poucos ela se torne verdade por simplesmente passar a fazer parte do imaginário popular.

Percebe o que tudo isso acima tem em comum? É o processo da idiotização da web, no qual um campo imenso que poderia servir para trabalhar novas ideias e explorar limites aos poucos foi transformado em um parque de diversões dominado por anúncios, onde o dono da bola quer que se jogue apenas o jogo que ele gosta. E se você resistir, a bola é tirada de você.

O Facebook não é de todo ruim, com ele é possível manter contato com pessoas distantes e compartilhar o que se encontra por aí. Mas o que acontece quando o “por aí” vira única e exclusivamente o próprio Facebook?

Tendo contato com as mais diversas pessoas pude perceber que para muitos a internet era sinônimo de Facebook. Um movimento de resistência foi um tal de Whatsapp, mas rapidamente assimilado por essa máquina gigantesca.

Com o controle do principal meio de informação na Internet, o Facebook não demorou muito para perceber que pode disponibilizar tudo, ao mesmo tempo, no mesmo lugar e pra ontem. Claro, priorizando o que lhe interessa e segue a sua agenda.

Embora algumas empresas venham a dizer que não gostam disso, pois perdem controle de seu conteúdo, a maioria na verdade gostaria de dizer que simplesmente gostaria de ter conseguido executar essa ideia primeiro.

Lembra quando falei das BBS ou do começo da Internet? Exatamente nessas épocas o mesmo acontecia. Mas não era apenas uma empresa cada vez maior controlando tudo isso.

Se é possível dizer isso, creio que seja realidade: Aos poucos o Facebook conquista para si o monopólio da informação; Aos poucos o Facebook se transforma em sinônimo de Internet para toda uma geração; Aos poucos o Facebook se transforma em uma linha de montagem de produtos que idiotizam ideias e bestificam usuários.

Mas o Youtube não é tão diferente disso. Canais que procuram informar, ensinar o questionamento e a estimular o intelecto, cada vez mais perdem espaço para os que apenas levam ideias já concebidas adiante, que dão a elas um aspecto mais palatável.

Um questionamento a tudo isso é que, esses canais não tão interessados em simplesmente reforçar o que já se acredita, ainda existem. Mas quantos você visitou na última semana?

No Facebook você pode contornar a alienação e a redução cada vez maior de alcance das páginas que trazem conteúdo de qualidade para você e não apenas memes e “coisinhas engraçadas”, mas quantas dessas você se deu ao trabalho de clicar na política de notificações e depois selecionar para que as publicações dela apareçam “primeiro”?

Nesse mar de imbecilidade forçada, existem formas de se combater, de se resistir… mas me parece que o problema é que as pessoas estão tão anestesiadas em sua forma de lidar com isso tudo, que o mínimo esforço parece demasiadamente trabalhoso.

Como a imagem que usei nesse artigo, produzir conteúdo cada vez mais é paradoxalmente complicado e descomplicado, pois se por um lado basta seguir formas idiotas para conquistar atenção, pelo outro isso apenas agrava o problema. É como digitar em algemas cada vez mais justas, que não prendem apenas as mãos, mas o pensar e o questionar.

Por sorte você que chegou até esse parágrafo do texto não está anestesiado dessa forma, afinal, conseguiu ler um “textão” e, por mais que possa considerá-lo ruim, poderá expressar sua opinião, extrair dele algo de útil, nem que a única coisa realmente útil para você tenha sido a total discordância.

Você, que conseguiu isso, tem minha admiração. Provavelmente você é um dos, não tão poucos, que ainda consegue resistir a isso e acha que tem algo de errado.Permita-me então findar essa verborragia com uma pergunta: O que podemos fazer para mudar isso?

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Gabriel Gastaldo
Arddhu
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.(R)egular guy in (P)resent time.(C)lose this world open the n(EXT).