O Buraco do Diabo

Samuel De Carvalho Hernandez
ARKHI
Published in
6 min readNov 19, 2022

Texto por: Gustavo Pinheiro
Arte por: Samuel Hernandez (IA Hypotenuse)

Foi melhor que achei. Acho que quando voltar pra Cidade Velada vou ter história pra contar. O velho Alfar vai morder a língua. Vai ter de retirar o que ele disse, ah ele vai:

“Sem um Yeldra e mais cinco ou seis guardas, você não sobrevive um dia no deserto, Calango. Melhor manter sua cabeça nos ombros e usar sua força pra carregar e descarregar as caravanas. Ir na frente e ver se não tem nenhum perigo fácil de enxergar no caminho. Pra isso que tu serve. Calango, aventureiro…faz me rir, moleque!”

Há! Se ele soubesse o que eu vi! O que ajudei a derrotar! O que consegui! Quase não volto pra contar a história, mas Zenitar nos guiou, mostrou as trilhas que devíamos seguir.

Eu estava com medo, quando ficamos do lado de fora da Cidade Velada. Sabia que não podia voltar. Não sabia o.que esperar. Comigo, alguns companheiros: Fahir , o guerreiro e Rupert o Pequenino me lembro de nome, e um terceiro. Estávamos na iminência de um segundo ataque Arkhimancista, não podíamos perder tempo.

Observando os caminhos por entre as dunas, escolhemos a direção nordeste, para estarmos bem longe da direção do ataque anterior dos arcanos. Encontramos uma firme, fácil de escalar. De lá, pudemos ter uma visão alta das terras ao redor, quando enxergamos aquilo:

Vermelho, chamando atenção nas areais brancas. Bem entre o vale entre a duna em que estávamos, e a seguinte. Todos queriam ir lá, mas ninguém sabia se valia a pena se arriscar ali.

Foi quando apareceram criaturas, bem no nosso caminho: uns bichinhos esquisitos, umas bolinhas peludas. Pareciam uma caravana, com os Yeldras em fila, um atrás do outro.

O grupo resolveu atacar as criaturas, pra ver o que ia acontecer. Eu tenho a mira horrível, então nem quis tentar. Os outros tentaram, e todos erraram. Com o susto, os peludos se enterraram na areia. Pra fugir? Pra se preparar pra emboscar a gente? Não tinha como saber.

E a coisa vermelha na distância provocando a gente…chamando.

Discutimos e decidimos que o melhor a fazer era descer, e ir na sombra da outra duna. O sol e o calor já aumentavam, e ninguém queria se arriscar a usar os poucos suprimentos de água tão cedo. E também a gente podia ficar de olho nos peludos. Essa Duna era de areia negra e fina.

Num vento, ficamos cheios dela, e o calor aumentavam mais ainda. Também descobrimos uma trilha recente, de pessoas passando por ali. Elas aparentemente iam para o objeto vermelho, assim como nós.

Com cuidado, seguimos as pegadas, e algumas coisas chamaram nossa atenção: a trilha começava a subir duna acima…seria uma emboscada? Além disso, mais acima, vislumbramos sinais de luta. O grupo se dividiu: eu e Rupert queríamos investigar, e os outros tiveram receio de estar caminhando pra uma armadilha. O Pequenino também parecia ter visto alguma coisa…Eu e Rupert escalamos a duna, e realmente haviam sinais de luta.

Areia que ia escorrendo devagar para dentro de uma abertura. Eu já tinha visto isso antes: bocas da areia, vi um Yeldra ser puxado para dentro uma delas… e essa tava se abrindo devagar. Não era seguro.

Enquanto eu pensava e falava da minha experiência com esses buracos, o olho aguçado do pequeno avistou alguma coisa na areia. Era um item e ia escorrendo pra dentro devagar.

Ele teve a idéia de usar sua corda e gancho pra tentar puxar o tesouro pra cima. Eu não tinha ido me aventurar pra não levar nada de volta, então resolvi me arriscar. Joguei acorda, e ela prendeu em alguma coisa. Foi quando o mundo todo desabou.

Amigo, foi muito rápido. O buraco puxou a gente, o meu peso fez desmoronar a areia fina. Eu e o Rupert tomamos um tombão, não dava pra ver nada. Acendemos uma tocha e demos de cara com um pesadelo: um bicho branco, cheio de…cabelos…tentáculos…braços sem mãos saindo da cabeça…sei lá. Só sei que eu nem pensei.

Tava com um fêmur de um infeliz na mâo, e foi com ele mesmo que ataquei o monstro. Levantei o osso em cima da cabeça, e desci com toda força. Só que eu passei longe. O Rupert também atacou, acertando a criatura. E ela revidou, numa mordida e uma garrada que quase dividem o Pequenino ao meio.

Não tinha o que fazer. A gente ia morrer. Comecei a olhar em volta, desesperado por algo que pudesse nos salvar. Vi que a gente tava perto de um corredor, que corria quase junto do vale entre dunas. Tinha muita areia espalhada… e tinha um túnel bem baixo. Tinha de fazer alguma coisa. Não ia dar esse gosto ao Alfar.

Só tive tempo de gritar pro Rupert: “sai daí, vou derrubar tudo!”, antes de dar com o fêmur com toda a força em algumas pedras e areia solta no teto à frente. E mais uma vez o mundo desabou…mas na cabeça do bicho. Pra dair dali, duas opções: o corredor que podia ter a família do tentaculudo… e o desabamento. A parede que derrubei fazia a escalada ser fácil, quando mais uma vez os olhos de Rupert vislumbraram riquezas..

Um pequeno baú…de Prata. Sim, um baú feito de prata. Nunca tinha visto isso. Como sou mais forte, me arrisquei no corredor e peguei o baú. Quando começávamos a escalar de volta, uma pequena pedra de funda voa buraco abaixo, caindo a nossos pés. Nossos companheiros achavam que a gente tinha morrido, e estavam atacando? Era pior que isso…

Quando saímos do buraco, a coisa vermelha tinha sumido. Nossos companheiros estavam em cima da duna firme, do outro lado. Fomos até eles, e descobrimos a verdade: não era uma construção como pensamos, mas uma criatura, que anda por debaixo das areias. Como os peludinhos m as muito maior, muito mais perigoso.

Discutimos o que fazer, eo grupo se separou por um momento: Nossos companheiros de fora tinham visto uma nuvem de umidade passar pela duna de areia negra…um sinal de água à frente. Mas tinha um grande problema: eles observavam a criatura se movendo sob a terra até um certo ponto.

Eles não queriam dar a volta na duna de areias Negras por medo de serem vítimas de uma emboscada. Mas o baú me deixava pesado, e não ia arriscar uma escalada difícil…ou outro buraco e outra criatura. Preferi me arriscar a dar a volta.

No final, valeu a pena. A criatura já estava longe e passei sem muitos problemas. Fahrir levou um tombo na descida da duna que quase o mata. Mas, nessa hora, o peso do dia longo de viagem e o esforço feito por todos se fez presente entre nós: às bocas secas, o corpo dormente, a ameaça da sede drenando nossas forças.

E não tínhamos água. Mas tínhamos vinho, que iria molhar nossa boca mas nnão matar nossa sede…a não ser que o álcool saísse. E foi o que fizemos: com a ajuda de uma tocha, esquentamos a ânfora de vinho até que o álcool se evaporasse. Suco de uva quente é melhor que nada. E parecia que havia água à frente.

Com cuidado, avançamos até um dos lados temporários do deserto. Tudo tem de ser ligeiro: a água se evapora rápido, era encher os cantis antes que fosse tarde. Me deram uma corda, pra eu amarrar os cantis e arremessar no meio da água, não dá pra entrar lá com ela quase fervendo. Foi quando vimos uma criatura na água.

Ela estava de bruços, aparentemente morta. Quando nos aproximamos, ela se levantou para nos atacar. Eu tentei derrubá-la, mas foi Fahrir quem desferiu o golpe que desmontou o esqueleto. Eu consegui puxar ele pra margem pra podermos pilhar seus pertences.

A tarde já começava a avançar, e a hora da escuridão no por do sol. Precisávamos buscar abrigo, e um casebre de pedra foi o nosso refúgio por aquela noite. Eu consegui encaixar a porta arrancada, deixando nosso descanso o mais seguro possível no deserto. Lá, dividimos a comida e a camaradagem silenciosa de companheiros de armas após um dia de batalha bem sucedido.

É Alfar, eu sobrevivi. E consegui coisas ainda por cima: Rupert me presenteou com uma espada curta, de ferro, veja só…FERRO. Moedas de cobre e prata. Do esqueleto, consegui uma cota de malha. Preciso levar num ferreiro pra consertar, mas é uma proteção. E o baú. Ainda não consegui abrir, mas irei. E só os deuses sabem que tesouros ele guarda. E quanto ele vale.

Sim, foi um bom primeiro dia pra se contar.

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