Buraco negro de Interstellar

FC de Pedigree?

Interstellar: Ciência pela Arte e a Arte pela Arte

Luís Sôlha
Nexus: AOF
Published in
5 min readFeb 18, 2016

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Introdução

No cinema, assim como em outros meios da indústria cultural, existe uma hierarquia entre os seus produtos. Um filme mais apreciado pela crítica mas visto por poucas pessoas pode ganhar um status superior do que um grande sucesso de bilheteria com muitos fãs, por exemplo, Marcello Hassel e Érico Borgo, do site Omelete, apontam o filme Mad Max: Estrada da Furia como o candidato favorito deles ao oscar, mesmo Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força sendo a maior bilheteria do ano em que foi lançado. O motivo disso é a forma como o filme foi trabalhado, Mad Max, além de inovação, traz consigo toda uma bagagem cultural que nos remete mais a um filme feito para “apreciadores de cinema” do que pro “grande publico”, como, cenas silenciosas, poucos efeitos gráficos digitais, uma fotografia impecável, entre outras coisas.

Trazendo essa ideia para o filme que trabalharei neste texto, é possível perceber que, apesar de usar métodos bem diferentes, Interstellar também tenta trabalhar a Ficção Cientifica por um viés do “cinema arte” (usarei “cinema arte” quando me referir a um conjunto de obras e “filme arte” ao filme como produto isolado). A maior diferença entre Mad Max: Estrada da Fúria e Interstellar é que o primeiro tenta se tornar arte sendo fiel a uma estética que a franquia Mad Max ajudou a criar e, além disso, transcender nessa estética, tornando a paisagem estéril, ainda mais estéril, e o segundo tenta se tornar arte pela ciência e pela precisão científica.

Quando digo que o que Interstellar busca é se tornar arte pela ciência, não me refiro apenas ao uso de termos e jargões ligados ao universo das ciências exatas, mas também na tentativa de ser fiel graficamente (dada as devidas liberdades artísticas) ao que as teorias exemplificam matematicamente, além de, obviamente, usar de toda uma linguagem cinematográfica (diria até, teatral) ligada a um ideal de narrativa erudita, ou então, de arte.

Esta crítica explica um pouco sobre o lado artístico e a ciência no filme

A sinopse

Retirada do site Adoro Cinema:

“Após ver a Terra consumindo boa parte de suas reservas naturais, um grupo de astronautas recebe a missão de verificar possíveis planetas para receberem a população mundial, possibilitando a continuação da espécie. Cooper (Matthew McConaughey) é chamado para liderar o grupo e aceita a missão sabendo que pode nunca mais ver os filhos. Ao lado de Brand (Anne Hathaway), Jenkins (Marlon Sanders) e Doyle (Wes Bentley), ele seguirá em busca de uma nova casa. Com o passar dos anos, sua filha Murph (Mackenzie Foy e Jessica Chastain) investirá numa própria jornada para também tentar salvar a população do planeta.”

O filme enquanto técnica

Antes de falar da ciência no filme, devo ressaltar que a equipe de produção do filme utiliza uma linguagem cinematográfica próxima a dos chamados “filmes arte”, no que, eu creio, seja uma tentativa de afastar o filme de ficções cientificas das revistas pulp.

Quando eu me refiro aos “filmes arte”, ou ainda, ao “cinema arte”, me refiro aos filmes que a crítica especializada, votantes dos principais prêmios e as acadêmias de cinema do ocidente “elegeram” (não necessariamente houve uma votação) como superiores aos filmes medianos ou ruins (os que não são considerados como arte pelo grupo citado). A ideia de “cinema arte” é bem elitista, pois eleva certos filmes a um patamar de arte erudita, enquanto rebaixa outros a um patamar de filme para aqueles que não compreendem a verdadeira arte do cinema. Um exemplo desse elitismo na ideia de “cinema arte” é este texto da revista Bula, onde, antes da lista de 15 filmes que são “ diamantes para o cérebro”, o autor lamenta pelo “declínio da inteligência do público”, resultado de maus exemplos cinematográficos, a falta da leitura de certos teóricos do cinema, a ascensão dos blockbusters e queda da “pretensão artística” dos cineastas.

Quando me refiro que Interstellar tem a pretensão de se colocar como um “filme arte”, eu quero dizer que ele se utiliza de certas “chaves” (clichês, métodos técnicos, construções de cenas e de personagens e etc.) comuns ao “cinema arte”. Exemplos dessas chaves são: o sentimentalismo crú, sem medo de choros feios, despedidas bruscas, grosserias, como nas duas cenas destacadas abaixo, a trilha sonora com muita música clássica e também o uso do silêncio e de cenas tranquilas, com falas naturais (longe de falas exageradas e atuações exageradas) como exemplificado no terceiro vídeo abaixo.

Um aspecto comum às obras de ficção científica é o foco na criação e explicação do universo ficcional e na vivência em coletivo. Por isto, toda essa tentativa de se enquadrar dentro de um padrão de “filme arte”, acaba atrapalhando a construção da narrativa dentro do gênero ficção científica. Afinal, há um foco muito grande nos problemas de ordem pessoal dos personagens e a ameaça ao coletivo e a construção do universo ficam em segundo plano. Sendo que, a ameaça ao coletivo acaba se tornando praticamente macguffin (um recurso narrativo usado para fazer a história acontecer, que tem muita importância para o personagem, mas não tanto para o espectador).

Cena mais famosa do filme, que até mesmo se tornou um meme
Esta cena é uma das que o filme mais enfatiza, seja pela pausa dos acontecimentos ao redor para que ela aconteça, seja reprisando ela
Uma das cenas finais do filme. Ela começa em silêncio e gradualmente é tomada por uma conversa quase mundana entre um médico e seu paciente

A ciência no filme

A ciência em Interstellar, foi usada de forma a tonar essa obra um “filme arte”, pois, afasta este filme de obras pulp, que tinham uma certa ciência maluca, pouco crível e que quebra com uma certa verossimilhança esperada de um filme como esse. Neste caso me refiro a pulp pela definição do site Mundo Pulp:

“(…) sinônimo de dinamismo narrativo, personagens bem delineados, heróis e vilões, ação e drama, aventura e exotismo.”

Esse termo é algo que remete também (no caso da ficção científica) a uma ciência maluca, algo tão próximo da fantasia que se torna muito difícil de chamar de ciência. Logo, essa ciência maluca (ou criativa), acaba ficando associada com produtos de baixa qualidade, ou seja, produtos mal vistos por uma “elite de cineastas” (a mesma elite citada no segundo parágrafo do tópico anterior e no vídeo abaixo). Por isso que, para estabelecer Interstellar como um “filme arte”, ter um grande embasamento científico somado a técnicas consagradas se faz tão necessário, pois, ajuda a obra a se afastar de todo um grande grupo de estórias, que, mesmo sendo do mesmo gênero de obras consagradas como o último filme da franquia Mad Max, 2001: Uma Odisseia no Espaço e o próprio filme Interstellar, são consideradas inferiores ao que se chama de “Narrativa Erudita”.

Além de trazer uma ideia de erudição e rebuscamento para a obra, essa linguagem cientifica rebuscada (tanto verbal quanto visual) serve também para que o filme consiga se sustentar enquanto uma ficção científica, afinal, o filme quebra funções presentes em ficções científicas (como a já citada construção de mundo), além de servir para traçar os objetivos dos personagens e obviamente, em se tratando de um ficção científica, servir como regra para aquele universo ficcional.

Este vídeo fala um pouco sobre como a Acadêmia de Cinema nos Estados Unidos funciona, sendo a “Acadêmia” parte dessa elite cinematográfica a que me refiro.

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