Equilibrium e o Homem-Máquina

Uma Narrativa baseada na Mecanização da Sociedade

Raphaela Azevedo
Nexus: AOF
7 min readFeb 14, 2016

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“You know, there’s a number of films Fahrenheit 451, Logan’s Run, Gattaca, Brave New World, THX II38, The Matrix, Alphaville, Clockwork Orange, Handmaiden’s Tale, Judge Dredd even Triumph of the Will…these were…all of these were films I was accused of unapologetically ripping off to make this film. And you know, it’s true. I like all of these stories and I actually like some of those films and certainly I did draw inspiration from them for making my own dystopic universe. Although I certainly wasn’t trying to pull the wool over anyone’s eyes because at the end of the day I believe that this film is actually about something different then those films were about.”

Comentário do diretor Kurt Wimmer no DVD do filme.

Equilibirum é um filme de ficção científica/ação lançado em 2002, escrito e dirigido por Kurt Wimmer e estrelado por Christian Bale (John Preston) e Taye Diggs (Brandt). A história se passa num futuro distópico, em uma sociedade devastada após a III Guerra Mundial. Ambientado na cidade ficcional chamada de Líbria, estado totalitário que adotou a repressão de emoções dos cidadãos através do uso obrigatório de um medicamento injetável chamado Prozium, que neutraliza qualquer tipo de sentimento, e da abolição de qualquer forma de manifestação emocional: pinturas, livros, música, decoração; como forma de evitar conflitos e uma possível IV Guerra.

Pistola contendo as cápsulas de Prozium

Governado pelo Tetragrammaton cujo líder é chamado de “Pai” e seus servos, os “clérigos”, que são responsáveis por fazer buscas e apreensão dos objetos ilegais e prisão dos chamados “infratores de sentimento”: indivíduos que rejeitam o Prozium e a ideologia criada pelo governo do “Pai”, continuam a sentir e fazer uso dos objetos considerados ilegais.

A resistência se abriga nas chamadas “partes baixas”, localizadas em volta do muro que envolve a Líbria e no “submundo”, lugar ainda não identificado pelo governo, mas que acreditam abrigar a maior parte dos rebeldes e objetos.

Bandeira da Líbria, com o símbolo do Tetragrammaton

Tendo como protagonista John Preston, um “clérigo” sênior, considerado o melhor em descobrir se o infrator esta “sentindo”, apesar de não ter descoberto a esposa, condenada e executada anos antes pelo crime de sentir.

Seguindo o legado de ficções científicas soft como Matrix (1999), Equilibrium inspira-se também em obras clássicas da literatura de ficção científica, que também foram adaptadas para o cinema como 1984 de George Orwell, e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, como dito na citação do diretor, sendo Fahrenheit a obra com que mais se assemelha em questões de enredo e narrativa.

A homogeneização da sociedade é um tema muito abordado em obras da ficção científica, tanto através do controle psicológico dado diretamente por governos autoritários através da política do medo quanto indiretamente por ferramentas midiáticas ou de consumo; ou do biológico, através do uso de drogas ou outros avanços da medicina que prometem melhorias qualitativas em relação aos indivíduos.

O filme, em sua história, faz a junção dos dois tipos de controle: instala a política do medo, baseada num evento anterior, para justificar o uso compulsório do bloqueador de emoções.

Medo Real

O atentado de 11/09 em Nova Iorque, o começo da uma “guerra ao terror” e o conflito entre EUA e Oriente Médio é temporalmente muito próximo ao lançamento do filme, que tem como estopim de seu enredo o acontecimento de uma Guerra Mundial, tema muito temido pelas pessoas na época. A maior potência mundial antes considerada imbatível e modelo da sociedade capitalista recebe ataque e ameaças de um novo inimigo. Substituindo o medo comunista que dominava o discurso da Guerra Fria, agora temos organizações religiosas e rebeldes com seus homens-bomba.

Entretanto, o filme não trata dessa questão, mas sim o que seria possível para evitá-la: a abolição de qualquer tipo de sentimento, uma vez que sem raiva, ódio ou rancor, o ser humano não teria justificativa para entrar em guerra.

Captura do início do filme, onde são mostradas imagens da destruição causada pela III Guerra Mundial

Inspirações

Equilibrium se baseia em diversas narrativas anteriores da ficção científica para sua criação: a imagem do “Pai” que é veiculada em grandes telões pela cidade e também nas casas é semelhante a do “Grande Irmão” do livro 1984 de George Orwell, que foi adaptado para o cinema em duas versões: em 1956, por Michael Anderson e em 1984 por Michael Radford.

Imagens do “Pai” do filme Equilibrium
O “Grande Irmão” do filme 1984, na versão lançada em 1984.

A proibição das manifestações emocionais se estende não só para os livros, como em Fahrenheit, mas também para as outras diversas formas de reprodução de sentimento e relações interpessoais, como a ausência de animais domésticos e relacionamento familiar distante onde as crianças chamam os pais pelo nome e casais dormem em camas separadas.

O trabalho dos “clérigos” se assemelha ao dos “bombeiros” da obra de Ray Bradbury, que são a forma de repressão do estado, perseguindo os rebeldes, e apreendendo e destruindo os artigos ilegais

Os clérigos Partridge (à esquerda) e Jon Preston, protagonista do filme (à direita)
Os “bombeiros” da adaptação do livro Fahrenheit 451, lançada em 1966 e dirigida por François Truffaut.

A figura do herói que a partir de uma posição de repressão, como o protagonista Montag nos “bombeiros” em Fahrenheit e a de Preston como “clérigo” em Equilibrium, os fazem refletir, através de diferentes inspirações, sendo a de Preston “por acaso”, ao deixar quebrar sua dose de Prozium no dia seguinte em que executou o parceiro Partridge pelo crime de sentir.

A partir do momento em que não está mais sob o efeito da droga, Preston começa a descobrir novas sensações e também a questionar seu próprio papel como “clérigo” e começa a identificar-se com aqueles que antes prendia e exterminava.

Outra inspiração para o filme, de figurino e para as cenas de ação, é o filme Matrix (1999) dirigido pelos Irmãos Wachowski, onde Neo, o personagem principal, usa roupas pretas e sobretudo, assim como o protagonista John Preston de Equilibrium. Além da riqueza de artes marciais e cenas de violência e tiros, essas características estéticas pós apocalípticas e de questionamento interior do indivíduo estão atreladas ao movimento cyberpunk.

John Preston de Equilibrium (2002)
Neo, Matrix (1999)

Particularidades

O filme de Kurt Wimmer também possui suas próprias características, não é um retalho de clássicos de ficção científica. Diferentemente do que é visto como sua maior inspiração, Fahrenheit 451, o filme explora diretamente como um estado fascista utiliza a política do medo para controlar e convencer seus habitantes a tornarem-se equivalentes a robôs, pois sob o efeito do Prozium os cidadãos não questionam seus deveres, nem suas posições, tornando a sociedade perfeita para ser controlada.

A descoberta de sentimentos do protagonista é desenvolvida na narrativa de forma crescente desde o primeiro sonho, logo após a suspensão das doses do remédio, passando pela descoberta da empatia, raiva e o crescimento de uma paixão por uma “infratora dos sentidos”, Mary, que foi presa por ele e seu novo parceiro, Brandt, ao ser pega com diversos itens proibidos e por “sentir”.

Preston espelha a esposa morta em Mary. Ambas presas pelos “clérigos” por recusarem-se a abdicar dos sentimentos. O herói da história experimenta a sensação de arrependimento ao lembrar-se de ter deixado a esposa ser executada pela própria organização do qual faz parte. Na época, por estar sob efeito do Prozium, não tinha sentimentos em relação ao acontecimento, porém ao ficar livre do controle do medicamento, o personagem se culpa e tenta reverter a situação de Mary, para que não tenha o mesmo fim da esposa.

A “infratora de sentidos” Mary, interpretada por Emily Watson

A execução de Mary é o estopim para que Preston decida investigar mais profundamente os “infratores de sentido”, localizar o “submundo”, e aliar-se a eles para planejar matar o “Pai” e destruir o Tetragrammaton. Diferente de Fahrenheit 451 e 1984, o herói na obra de Kurt Wimmer consegue alcançar o objetivo de matar o líder autoritário, suspender a produção do Prozium e com isso dar início a uma tentativa de retomada do poder por parte dos “infratores de sentido”.

Ficha Técnica

Gênero: Ação, Drama, Ficção Científica
Direção: Kurt Wimmer
Roteiro: Kurt Wimmer
Elenco: Christian Bale, Sean Bean, Taye Diggs, Emily Watson,
Duração: 1h47min

Fontes

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