Minority Report

Sociedade do futuro ou do presente?

Iara Noronha
Nexus: AOF

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Já estamos no futuro? É uma pergunta que muitos se fazem quando veem as tecnologias atuais e as então predições que fazia-se anos atrás, tanto no âmbito tecnocientífico quanto na ficção. Precisamente na ficção, um gênero se destaca ao criar realidades diferentes, com mundos e seres desconhecidos, alterados do tempo e espaço presentes: a ficção científica. Algumas das muitas tecnologias criadas no mundo da FC foram adaptadas nos dias de hoje e grandes questões sociais são abordadas juntamente a este imaginário tecnológico. Farei, por meio deste texto, uma análise breve nesse âmbito utilizando como objeto o longa-metragem “Minority Report: A Nova Lei”, do diretor Steven Spielberg e baseado no conto de Philip K. Dick.

Templo: lugar dentro da divisão pré-crimes onde ficam os precogs.

Minority Report: A Nova Lei é um longa metragem de 2002, do aclamado diretor de diversas outras obras de ficção científica, Steven Spilberg. No enredo, que se passa no ano de 2054, temos John Anderton (Tom Cruise), chefe da Divisão Pré-Crime, onde três humanos, chamados então de precogs, anteveem os crimes antes mesmo deles acontecerem e estes são impedidos. A partir desta premissa, somos apresentados à cidade de Washington DC e as tecnologias utilizadas neste futuro.

A dinâmica do conhecido e desconhecido não fica apenas na aura quase inumana dos precogs e em suas habilidades; ela jaz também no jogo entre as tecnologias contidas no filme e as tecnologias de hoje. A interface de computador que utiliza movimentos das mãos e sensores na tela, detecção de identidade via íris nas ‘aranhas’ de reconhecimento, publicidades personalizadas… Tudo isso não te lembra outras coisas?

g-speak, plataforma criada pela Oblong

O movimento dos dedos nas touch screens, aparelhos como o Kinect da Microsoft, sistemas de segurança baseados nas fotos em alta definição da íris, drones de reconhecimento, personalização de ofertas online e mesmo bancos de dados pré-crimes. Tudo isso porque antes de projetar Washington DC daqui a 50 anos, Spielberg reuniu especialistas de diversas áreas para idealizar tais tecnologias (clique aqui para ver a notícia no MIT e aqui para ver sobre a empresa de John Underkoffler, a Oblong, quem criou a interface do computador representada na primeira imagem do texto).

A indefinição das fronteiras entre real e artificial se estende à publicidade. Diversas marcas atuais como a irlandesa Guinness, as americanas GAP e Pepsi e também a italiana Bulgari têm seus produtos e propagandas inseridas naturalmente na narrativa e se misturam a teasers explicativos sobre o sistema Pré-Crime, numa estética realista que se aproxima muito das propagandas já existentes. A evolução na personalização destas propagandas é visível, pois através da tecnologia — no caso, a leitura da retina do provável consumidor — os anúncios, em posters interativos, são direcionados estritamente à pessoa, chamando-a pelo nome e relembrando o que já foi consumido naquela loja. Seria, portanto, a evolução do retargeting, estes anúncios online que nos oferecem algo que já tenhamos visto e/ou comprado.

A obra traz uma crítica da relação entre homem e tecnologia, com discurso semelhante àquele presente na utopia crítica — definição de Lyman Tower Sargent — muito utilizada para criar as fábulas atuais na FC.

A utopia para Sargent é uma sociedade inexistente descrita em detalhes precisos e localizada no tempo e espaço, onde o leitor contemporâneo à obra considera-a melhor que a sociedade em que vive. Utopia crítica, especificamente, é quando a sociedade é melhor que a contemporânea mas com problemas que a sociedade descrita pode ou não estar hábil a resolver.

Inteligência artificial Shodan, do game “System Shock”.

Esta crítica se estende ao big brother da atualidade, desenvolvido pelo avanço tecnológico irrefreável, onde reduzimos nossas liberdades individuais em prol de uma falsa noção de segurança. O reconhecimento em uma mera publicidade, aproxima a realidade do longa à realidade existente, por exemplo, mostra que as projeções feitas inicialmente foram certeiras e relativizam as obras atuais da FC, onde as críticas são à nossa sociedade na maioria das vezes.

A questão fica, portanto, na reflexão da vida contemporânea: o homem pode superar a si mesmo ou se transformar em um instrumento da própria técnica? A ficção e a realidade estão assim tão próximas que uma narrativa futurista torna-se um futuro plausível?

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