The Maze Runner e a Distopia

Até onde iríamos para salvar a humanidade?

Luiza Carvalho
Nexus: AOF

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The Maze Runner é uma saga distópica escrita por James Dashner e publicada entre os anos de 2009 e 2014. A saga é dividida em 5 livros, sendo 3 deles a história principal: Correr ou Morrer, Prova de Fogo e A Cura Mortal, um prequel: A Ordem de Extermínio e The Maze Runner: Arquivos, um livro de arquivos “deletados” da história narrada na trilogia.

A série trata de um futuro não especificado por datas, mas presumimos não ser algo tão distante de agora — talvez uns 50 anos à frente — devido à organização da sociedade e aos avanços tecnológicos descritos na história. Poderia ser descrita como uma narrativa imersiva, pois não é didática, não explica o que acontece e tudo é descrito naturalmente. O foco narrativo é em terceira pessoa - um narrador observador - e essa narração acompanha o personagem principal, Thomas. Sabemos o que ele sabe, e vamos aprendendo junto com ele o que se passa nesse mundo no qual ele se encontra.

A história começa com Thomas acordando em um elevador escuro em movimento, sem memória alguma além de seu nome e completamente assustado. No momento em que este elevador para e as portas são abertas, ele se vê cercado por um grupo de aproximadamente 40 garotos, todos adolescentes como ele, estabelecidos em um local chamado “A Clareira”, e cercados por um labirinto que muda todos os dias. Nesta clareira os garotos vivem em uma espécie de sociedade alternativa, na qual todos têm tarefas que vão desde limpeza e organização do espaço até a segurança dos outros e a busca por uma saída dali.

Parte da Clareira. É um grande espaço aberto com árvores e algumas construções rústicas próximas às arvores, que servem de abrigo para os garotos.

Como toda forma de sociedade, A Clareira possui seus líderes: Alby e Newt, os primeiros a chegar ali e consequentemente, os mais velhos do grupo — ambos estão entre 18 e 20 anos. Ao ser recebido por eles, Thomas descobre que o elevador que o trouxe, chamado de “a caixa”, vem à superfície uma vez por mês, trazendo equipamentos, ferramentas, em algumas vezes comida e até armas, e sempre com um novo garoto desmemoriado, assim como ele. Thomas descobre também que a Clareira é cercada por muros altíssimos que ao final do dia se fecham e abrem apenas na manhã seguinte, e que além desses muros fica um labirinto imenso e aparentemente sem saída, repleto de criaturas que eles chamam de “Verdugos” — seres animalescos tecnologicamente modificados — que atacam e matam qualquer um que entre em seu caminho.

Os verdugos possuem corpos “biológicos” com apêndices móveis mecânicos, equipados com agulhas e serras

Thomas começa a aprender mais sobre a vida dos Clareanos (os habitantes da Clareira), mas apenas poucos dias após sua chegada, o elevador aparece novamente, porém dessa vez trazendo uma garota, Teresa, o que causa enorme impacto em todos ali já que nenhuma garota havia aparecido na caixa antes. Ela chega desmemoriada como todos os outros, porém ainda desmaiada e com um bilhete na mão: “ela é a última”.

A partir da chegada dela a rotina dos garotos muda. As portas do labirinto não se fecham à noite e eles ficam à mercê dos verdugos. Todo o primeiro livro — Correr ou Morrer — é focado na busca desesperada dos clareanos pela saída do labirinto usando as informações que eles adquiriram durante seu tempo ali e o conhecimento de Thomas e Teresa - que possuem memórias turvas sobre a vida fora do labirinto - antes que sejam todos atacados pelas criaturas. Ao final dessa narrativa, eles conseguem sair e descobrem que o labirinto na verdade era apenas um teste administrado por uma organização chamada “Catástrofe e Ruína Universal: Experimento Letal”, mais conhecido pela sigla CRUEL, para verificar as reações cerebrais dos garotos em determinadas situações. Nesse ponto, surgem diversos questionamentos da parte dos personagens. O que é essa organização e por que eles foram os escolhidos para esse teste tão impiedoso? Por não terem nenhuma memória anterior ao labirinto, eles não reconhecem uma vida fora dali, uma vida “real”. Então, o que esperar agora que eles escaparam?

Com o decorrer da história nos outros livros, descobrimos que a Terra não é mais a mesma. Tempestades solares fortíssimas assolaram grande parte do planeta, causando devastação e incontáveis mortes. Após as tempestades, um vírus se espalhou pela humanidade causando o Fulgor, uma doença degenerativa cerebral e física na qual à medida que a contaminação avança, as pessoas vão perdendo sua sanidade e a noção de quem são até se tornarem uma espécie de zumbis completamente ensandecidos, os chamados “Cranks”.

Um crank em seu nível máximo de deterioração física e mental

A CRUEL surgiu durante o caos e sua missão é a busca pela cura para o fulgor, para que possa haver paz para a humanidade mais uma vez, como era antes de toda a catástrofe. Em meio aos vários experimentos realizados por eles estão os labirintos — no segundo livro, Prova de Fogo, Thomas e seus amigos descobrem que seu labirinto não era o único existente — que se mostraram os mais promissores testes até o momento, por isso eles dão seguimento aos experimentos mesmo após os clareanos conseguirem fugir de lá, pois sua prioridade é achar a cura, custe o custar.

Analisando o que temos da história até o momento conseguimos traçar conexões com o que alguns autores nos dizem sobre elementos da ficção científica. Em “Nós, ciborgues”, Fátima Régis aborda a questão da biotecnologia e do impacto que ela exerce em nossas vidas. Ela afirma que ao entrar em contato com essa engenharia genética com a criação de seres híbridos, o homem atua sobre nosso patrimônio genético, algo que era até então, fora do alcance da ciência. Em Maze Runner a questão da ciência é frequentemente abordada não só pelas menções aos seres criados por eles. Além dos verdugos, outras criaturas aparecem ao longo da história, e ouso dizer que essas criaturas vão um passo adiante nessa abordagem científica, já que além de geneticamente modificadas, elas também são uma mistura entre o biológico e o tecnológico, possuindo partes mecânicas fundidas aos corpos orgânicos criando verdadeiros monstros híbridos. Temos uma ciência avançada capaz de criar essas coisas fantásticas e monstruosas, mas não sabemos se ela é o suficiente para descobrir a cura para essa doença tão implacável, o que gera o conflito e a constante necessidade dos cientistas da história de realizar testes cada vez mais intensos com os jovens. Existe a constante necessidade de se provar que o conhecimento científico é capaz não apenas de criar seres destrutivos, mas também é capaz de salvar e reconstruir.

Ao acompanharmos a saga de Thomas e dos clareanos restantes descobrimos que na verdade todos eles eram membros da CRUEL. Grande parte deles era imune ao vírus e ainda crianças, foram levados para as sedes da organização e cresceram ali, sempre buscando auxiliarem nas pesquisas e experimentos, até que chegasse a hora de terem suas memórias apagadas para entrarem no labirinto (parte do teste para a busca da cura era o monitoramento da atividade cerebral diante de situações adversas, e os cientistas acharam que o conhecimento de que aquilo era um teste poderia interferir nos resultados, por isso apagavam as memórias).

Theresa e Thomas monitorando um experimento na sede da CRUEL

Thomas e Teresa eram figuras importantes dentro da organização e totalmente comprometidos com o objetivo. Até que Thomas começou a se questionar se tudo que eles faziam era realmente o certo. A partir do momento em que suas memórias são apagadas e ele é enviado ao labirinto, a percepção de Thomas muda e ele começa a lutar contra a CRUEL para libertar-se deles e salvar seus amigos.

Algo que chama a atenção em Maze Runner, é a questão de tratar-se de uma sociedade na qual as poucas centenas de pessoas que não estão infectadas com o fulgor estarem em cidades isoladas umas das outras e protegidas por muros altos, vivendo suas vidas com o constante medo de contraírem a doença e perderem sua sanidade, acreditando que a CRUEL conseguirá uma cura e tudo voltará a ser normal. Ou seja, é uma sociedade distópica com a esperança de uma utopia, de um lugar melhor no qual não há o constante medo e desespero vivido ali. Em “Utopia”, Phillip E. Wegner cita opiniões de outros autores sobre a visão que se tem de Utopia, e Darko Suvin nos diz que:

“Qualquer visão individual de utopia parece como “mais perfeita” apenas em comparação com a sociedade em seu momento histórico, e enfrentamos grande dificuldade em nossa leitura se nos esquecermos desse contexto e avaliarmos essas visões de acordo com os valores e práticas de nosso momento cultural e social.”

CRUEL na versão original em inglês é chamada de WICKED (World In Catastrophe: Killzone Experiment Department)

Ou seja, a utopia, o lugar perfeito e ideal para aquela sociedade devastada pela catástrofe e pela doença, é o lugar no qual eles podem viver bem novamente. E para nós pode não parecer nada demais pois o que eles vivem ali é algo que não vivenciamos. Se tentamos analisar as ações dos personagens em busca dessa utopia com a visão que temos baseada em nossa sociedade atual, encontraremos dificuldades. Uma das grandes frases que é repetida frequentemente durante a história é “CRUEL é bom”, que é uma espécie de “lema” usado por eles para justificar todas as suas ações, e à medida em que os personagens se questionam se CRUEL é realmente algo bom, você se vê fazendo esse questionamento junto deles, mesmo sabendo de todas as barbaridades cometidas pela organização. Isso nos faz pensar na máxima de que “os fins justificam os meios” e de até que ponto chegaríamos se a raça humana estivesse em perigo de extinção. A vida de alguns poucos seria mais importante do que a chance de salvar o restante da humanidade? Não sabemos, porque em nosso momento isso não é algo no qual precisamos pensar.

Ao final da saga, Thomas e o restante dos imunes conseguem fugir para um local seguro, a CRUEL é destruída e descobrimos que a Organização não foi criada após a disseminação do vírus do Fulgor, mas sim logo após as grandes tempestades solares, e que na verdade ela é a responsável pela contaminação das pessoas com o vírus. Essa é a história narrada no prequel, “A Ordem de Extermínio”. Depois de toda a destruição que as ondas de calor causaram, a Terra estava com habitantes demais para os recursos que restaram e os governos se uniram para criar uma organização que pudesse resolver o problema da superpopulação do planeta. Esse vírus foi criado com a intenção de ser lançado em alguns locais com muitas pessoas para que a doença matasse algumas dezenas, mas a infecção saiu de controle e dominou o planeta. Só então descobrimos que a obsessão da CRUEL em achar a cura não é apenas para ajudar as pessoas, mas sim uma tentativa de reparar o erro terrível que eles cometeram.

Em conclusão, é interessante observarmos que esse universo distópico descrito não é algo tão surreal de imaginarmos, como vemos em grande parte dos filmes, livros e demais formas narrativas sobre distopias. Frequentemente somos testemunhas de catástrofes naturais que não podemos controlar ou evitar. E se uma delas fosse grande demais para suportarmos e os governos precisassem tomar alguma “medida de contenção” para salvar a humanidade (ou pelo menos uma parte dela, privilegiada por quaisquer motivos) de um destino pior? Não faltam teorias de conspiração sobre esses assuntos, mas é interessante imaginar: se nós tivéssemos o poder de decisão, como será que salvaríamos o mundo?

Referências:

http://sobresagas.com/conheca-a-saga-maze-runner/
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Maze_Runner_(series)
REGIS, Fátima. “Nós, ciborgues: Tecnologias da informação e subjetividades homem máquina.”
WEGNER, Phillip E. “Utopia”

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