Uma Noite de Crimes

Distopia e Catarse

Náthaly Menezes
Nexus: AOF
5 min readFeb 27, 2016

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Em um EUA distópico, quatro graves recessões econômicas seguidas de quebra de mercado, desencadearam pobreza e violência extrema. O governo sancionou um período de 12 horas anuais em que toda e qualquer atividade criminosa, incluindo assassinato, é legal. É nesse cenário que se passa Uma Noite de Crime (The Purge), lançado em 2013, escrito e dirigido por James Demonaco. Embora a história ocorra no futuro, a crítica é direcionada à atualidade, nesta narrativa de ficção científica que aborda questões sobre armamento, segurança, políticas conservadoras e liberalismo econômico.

O filme ocorre no ano de 2022, que após anos da lei sancionada, apresenta a taxa de desemprego de 1%. Crime e violência são praticamente inexistentes, e a economia nunca esteve melhor. Tem como núcleo central a rotina de uma família de classe média alta no dia do Expurgo Anual, onde toda atividade criminosa é liberada por 12 horas. James Sandin (Ethan Hawke) foi uma das pessoas beneficiadas com a lei, que através da venda de sistemas de segurança, conseguiu ascender economicamente em pouco tempo.

É abordada uma realidade idealizada do ponto de vista conservador. Em tempos de crise política e econômica, a saída mais fácil é vista como aquela primitiva, que possui soluções simplistas e de resultado imediato, e que principalmente fora usada em regimes totalitários. No inicio do filme podemos ouvir em off notícias de TV e rádio explicando e justificando o Dia do Expurgo: por um lado, elogios aos mínimos índices de violência e pobreza durante todo o ano; por outro lado o porquê desses índices positivos, que no caso trata o expurgo anual como ferramenta para eliminar o pobre, o carente e o incapacitado de se defender. Seria então a erradicação dos membros não contribuintes da sociedade na diegese do filme.

Como o filme ocorre em uma sociedade capitalista, a ideia do lucro e individualismo está presente na narrativa. Com isso, números e estatísticas valem mais do que o bem estar social. Em prol do desenvolvimento econômico, é permitido uma catarse de violência sem qualquer preocupação na interferência dos direitos de cada indivíduo. É a lógica do cada um por si. Ao mesmo tempo, cidadãos brancos se orgulham do direito ao porte de armas e a ideia de justiça com as próprias mãos, afinal, eles fazem parte da classe dominante, não são afetados diretamente. A questão racial é bem clara no filme, visto que, em sua maioria, os mais afetados são os negros e pobres. De fato, isso é uma crítica à segregação racial nos EUA, que ainda é um assunto atual.

Através do exemplo do personagem principal, James Sandin (Ethan Hawke), é possível ter uma ideia de quem não é afetado pelo expurgo anual. Ele mora em um condomínio de luxo fechado, todas as casas possuem sistemas modernos de segurança, trazendo bem-estar e conforto àqueles que podem pagar por suas vidas. Além disso, eles também possuem capital necessário para a compra de armas.

No decorrer do filme, podemos ver que o expurgo não afeta a rotina dos Sandins, pois após serem ativados os sistemas de segurança, cada membro da família volta aos seus afazeres diários. No entanto há um momento crucial para o desenvolvimento da narrativa: o momento em que o filho, Charlie Sandin (Max Burkholder), salva um morador de rua que tentava escapar da morte. Através das câmeras de segurança, ele vê o homem ensanguentado pedindo por socorro e destrava o sistema que protegia a sua casa para socorrê-lo. É nesse momento que um personagem subverte a regra vigente, a da violência como direito.

Distopia e Catarse de Violência

Phillip E. Wegner destaca a distopia do final do século XIX como possuindo duas vertentes, dentre elas a naturalista, que mostra uma imagem generalizada tanto do presente quanto da humanidade. Uma noite de crime possui forte teor naturalista, que pode ser verificado no momento em que Mary Sandin (Lena Headey) assiste uma entrevista na TV. Nela um médico afirma que o ser humano é uma espécie ontologicamente violenta e que uma catarse nacional criaria uma estabilidade nacional. Se o ser humano por natureza era violento, como afirma o entrevistado, então porque não liberar os instintos anualmente por 12h?

Temos então uma apresentação da natureza humana ligada diretamente a instintos primitivos, o que inclui auto preservação, paixão incontrolável, violência e cobiça por poder, todos presentes na narrativa do filme. Na paixão incontrolável, vemos o namorado de Zoey Sandin (Adelaide Kane) tentar matar o sogro, por este proibir o namoro. Na auto-preservação vemos James Sandin (Ethan Hawke) tentar capturar o homem ensanguentado para entregá-lo ao grupo de jovens ricos do qual ele fugiu, e que no momento ameaçavam matar a família caso não o entregasse. Na cobiça por poder vemos os vizinhos tentarem matar a família por inveja da ascendência econômica dos Sandins. E por último vemos o ser humano ser comparado literalmente a um animal irracional, através do diálogo dos jovens ricos comparando o homem ensanguentado, que é morador de rua, a um porco.

Portanto, o filme apresenta uma sociedade que aceita a condição humana como violenta por natureza, e que possui seus instintos mais primitivos ativos. O individualismo está presente na sua mais pura essência. A distopia não precisa estar ligada diretamente ao fim do mundo ou ao fim de um governo, o que fica claro na narrativa, pois o caos é instalado pelo próprio governo conservador e de forma racional. Ele se baseia na ideia de desesperança no ser humano, para com isso, usá-lo como ferramenta de poder e para entretenimento dos ricos. Sem esquecer, é claro, do seu papel para a perpetuação do lucro nas empresas de sistemas de segurança e a indústria armamentista, ambos que se alimentam do caos.

Ficha Técnica:

Uma Noite de Crime(The Purge) — EUA, França, 2013

Direção: James DeMonaco

Roteiro: James DeMonaco

Elenco: Ethan Hawke, Lena Headey, Max Burkholder, Adelaide Kane, Edwin Hodge, Rhys Wakefield, Tony Oller, Arija Bareikis, Tom Yi, Cris Mulkey, Tisha French, Dana Bunch

Duração: 85 minutos

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