“O objetivo é político: derrotar a Venezuela bolivariana, um jogador-chave no sistema mundial”

Vanessa Hauser
Arquivo 11
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5 min readOct 16, 2018

Por Mariana Machado, Lucas Costa, Diego Silveira e Wellington Marques.

Para entender alguns aspectos econômicos e políticos sobre a Venezuela conversamos com Lazaro Camilo Recompensa Joseph, professor do quadro do Centro de Ciências Sociais e Humanas no Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Maria. Joseph Possui graduação em Licenciatura em Economia pela Universidade Central de Villa Clara (1983) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Teoria Economia, Economia Internacional e Economia da Inovação.

Como podemos entender o atual momento econômico e político da Venezuela?

Não é possível entender atual crise da Venezuela e tampouco o regime chavista sem se compreender como era esse país antes da “revolução bolivariana” e qual o seu significado geopolítico para os EUA.

A Venezuela está sentada na maior reserva provada de petróleo do mundo. São 300,9 bilhões de barris, o que representa 17,5% de todo o petróleo do mundo.

Este petróleo está a apenas 4 ou 5 dias de navio das grandes refinarias de Texas. Em comparação, o petróleo do Oriente Médio está entre 35 a 40 dias de navio dos EUA, maior consumidor de óleo do planeta.

Nos dias de hoje essas imensas reservas de petróleo medidas através do Índice Reserva / Produção* nos exprime que, em relação o seguinte:

- O mundo dispõe, hoje, de 1.706,7 bilhões de petróleo, equivalente ao consumo de aproximadamente 50 anos.

- Venezuela possui reservas de petróleo para 340 anos, sendo um dos menores consumidores mundiais.

- Líbia e Síria dispõem de petróleo para mais de 200 anos cada um respectivamente.

- Iran, Iraque e Sudão detém reservas para mais de 80 anos, cada um.

Sendo que EUA dispõe de reservas para 10 anos.

Nos anos 50 do século passado, a Venezuela já havia se convertido no segundo produtor e no primeiro exportador mundial de petróleo. No entanto, essa notável afluência econômica, obtida numa relação de estreita dependência com os EUA, não se refletia na diminuição de suas graves desigualdades sociais, na diversificação de sua estrutura produtiva e na implantação de um regime democrático estável. Tampouco numa política externa que combatesse seu alto grau de dependência.

Na realidade, essa profunda dependência trouxe três grandes consequências que têm de ser levadas em consideração em qualquer análise séria sobre a Venezuela:

- Um sistema político formalmente democrático, porém, profundamente oligárquico.

- Uma política externa avessa à integração regional e a uma articulação com outros países periféricos.

- Uma estrutura social marcada pela desigualdade e a pobreza.

O que representou a eleição de Hugo Cháves para a Venezuela

A eleição de Hugo Chávez, em 1998, se insere justamente no colapso do Pacto de Punto Fijo: para uma população desprovida de sistemas públicos includentes (saúde, educação, moradia, etc.), a plataforma política de Chávez surgiu como proposta sem precedentes na história do país, o que explica, em grande parte, a sua popularidade nas camadas historicamente excluídas do povo venezuelano.

Qual o papel do petróleo na crise venezuelana?

Embora o chavismo não tenha alterado, de forma significativa, a estrutura produtiva da Venezuela, que permaneceu estreitamente dependente das exportações do petróleo, Chávez implodiu as arcaicas estruturas sociais e políticas da Venezuela, bem como a política externa de alinhamento automático aos EUA.

Ou seja, para poder entender a complexidade atual (pôs Chavez) é necessário entender a questão petroleira e sua influência na conformação da sociedade venezuelana e da cultura rentista aderida.

Segundo Rodriguez Araque (presidente honorário da PDVSA) devido à renda petroleira gerou-se uma luta de classes pelo poder, uma luta pela distribuição da renda uma vez que se tomava o poder político.

Sendo assim, teríamos duas visões do mesmo problema:

- A primeira uma visão capitalista na qual toda a renda será capitalizada beneficiando a um reduzido setor da população (as elites oligárquicas). Modelo que predomino durante toda a história da quarta república.

- Uma outra em que tratar-se-ia o petróleo como um bem nacional que deveria servir nas melhoras das condições do povo. Essa foi a visão escolhida por Hugo Chávez, a justa distribuição da renda petroleira.

Entenda-se bem: O problema na Venezuela não é se existe democracia ou não, o conflito interno é causado pela distribuição de renda, e principalmente pela renda do petróleo. O presidente Chávez reverteu a distribuição de renda entre o trabalho e o capital que existia na 4ª república: antes do seu mandato, a remuneração destinada ao capital era cada vez maior e remuneração do fator trabalho cada vez menor.

Existe alguma relação da atual crise da Venezuela com os embargos econômicos impostos pelos Estados Unidos e outros países?

A história dessa luta de classes pela captura da renda petroleira, que no nível internacional reflete-se nos dias de hoje no pulso entre os EUA (e seus comparsas) e Nicolas Maduro (os chavistas) ajuda a compreender alguns dos mistérios da crise venezuelana:

O conflito de quarta geração contra a Revolução Bolivariana tem várias frentes e inclui, de forma simultânea e continuada, quatro guerras:

- A guerra econômica e financeira com acúmulo e falta de alimentos e medicamentos, manipulação da taxa de câmbio da moeda por escritórios ilegais, inflação induzida, bloqueio bancário e distorção do risco país.

- Uma guerra insurrecional (nomeada de “golpe brando”) projetada por especialistas em subversão, sabotagem e psicologia de massa, com o uso de mercenários, explosão cíclica de “guarimbas” criminosas e ataques terroristas contra quartéis militares e infraestruturas globais (rede elétrica, refinarias, distribuição de água, etc.);

- Uma guerra midiática, com a imprensa, rádio, televisão e redes sociais convertidas em novos exércitos de conquista através do uso planejado de propaganda visando domesticar mentes e seduzir os corações;

- A guerra diplomática com assédio em alguns fóruns internacionais, em particular na OEA, e os ataques dos países do chamado “grupo de Lima”, aos quais somam-se os Estados Unidos, o Canadá e a União Europeia.

Recentemente Lawrence Eagleburger, ex-secretário de Estado do presidente George W. Bush, reconheceu abertamente, em entrevista à Fox News, que a guerra econômica contra a Venezuela tinha sido projetada desde Washington: “Devemos usar as ferramentas econômicas”, para piorar a economia venezuelana, de tal forma que afunde a influência do Chavismo no país e na região (…) Tudo o que pudermos fazer para que a economia venezuelana se afunde em uma situação difícil, estará bem feito”.

O atual secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, confirmou oficialmente que as novas sanções visam “estrangular a Venezuela”.

Por que a imagem da Venezuela é tão negativa no cenário internacional?

Devemos ressaltar mais uma vez que a estratégia da oposição nacional e da elite internacional é a destruição da imagem de Nicolás Maduro.

Aqui entram as campanhas mundiais de propaganda dirigidas pelas grandes corporações de comunicação. Sem esquecer a guerra digital permanente na internet através das múltiplas plataformas na Web, e redes sociais como Facebook, Twitter, WhatsApp, YouTube, Instagram, etc.

Todas essas armas de manipulação em massa tentam degradar a figura do presidente e manipular a realidade venezuelana.

Procuram esconder o nível de apoio real dos amplos setores da população em relação ao presidente Nicolás Maduro e ocultar a violência da oposição. O objetivo é político: derrotar a Venezuela bolivariana, um jogador-chave no sistema mundial, não só por sua considerável riqueza, mas principalmente por seu modelo revolucionário e social. E, obviamente, por sua importância geopolítica como poder anti-imperialista de influência regional.

Em relação ao Brasil, existe algum risco de aprofundar a crise e se tornar parecido com a Venezuela?

Não, porque no caso de Brasil a elite que domina o país tem controle do poder político, econômico e midiático. A diferença da elite venezuelana é que perderam o poder político 18 anos atrás, ou seja, de aproximadamente 22 processos eleitorais ganharam somente dois e hoje em dia estão totalment

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Vanessa Hauser
Arquivo 11

Brazilian journalist living in Barcelona. Rebuilding a life style and trying to come back to writing as a real passion.