Ódio antigo e sua manifestação contemporânea: A tortura de lésbicas — parte II

Arquivista Radical
Felinismo Radical
Published in
14 min readApr 21, 2018

Por Susan Hawthorne
Tradução Monalisa

III. PORNOGRAFIA E TORTURA

Em uma sociedades onde grupos particulares são ”objetos de ódio”, o ódio é estendido a imagens que rebaixam as pessoas desse grupo. É o que a pornografia faz para as mulheres e lésbicas; A pornografia é violência sexualizada ou uma expressão de poder para a gratificação dos violadores. A pornografia depende da erotização das diferenças de poder, diferenças sistemáticas entre mulheres e homens ou entre classes de pessoas (Kappeler 1986), ou que são ”contidas” pelas pessoas em uma relação baseada na dominação e submissão. Como De Clarke observa, há uma ligação entre as imagens de tortura em Abu Ghraib e a pornografia. Ela escreve:

O que ninguém quer admitir — na América, de qualquer maneira — é que essas imagens não são apenas pornografia. Elas são pornografia, a essência crua da pornografia: tirando fotos como troféus de pessoas sendo despidas, sexualmente humilhadas, estupradas — então você pode se vangloriar disso depois. (Clarke 2004, 205)

Eu argumento que o Manual Lésbico de S/M Seguro (1988) é um manual de auto-aniquilação, na exterminação da cultura lésbica, ao exibir a pornografia como liberdade, semelhantes aos regimes de política repressiva que falavam de libertação quando queriam dizer morte. Para reforçar isso, me deixem citar outro extrato de Califa:

[Humilhação]. . . é o rebaixamento deliberado da passiva a uma erotizada, e ainda estigmatizada, identidade. Isso pode incluir torná-la em: (1) um objeto ou máquina, (2) um animal, (3) uma criança ou bebê, (4) um membro do sexo oposto, (5) um objeto sexual ou genitália, (6) um servente ou escravo. A humilhação pode também envolver trata-la como um membro de um grupo racial ou étnico, orientação sexual ou classe socioeconômica que o superior simula {22} ressentir, opor-se, etc. (Califia 1988, 52)

Sadomasoquismo é uma forma de consumismo da experiência. De um modo similar ao que a cultura ocidental apropriou-se das culturas de indígenas e povos não-ocidentais, os praticantes de S/M estão se apropriando da experiência de povos oprimidos que foram torturados por governos ditatoriais ou que foram escravos em regimes racistas ou às lésbicas que foram torturadas por fundamentalistas e regimes militarizados. Como Brennan (2003) indicou, a única coisa que todos os fundamentalistas concordam é a importância da repressão da sexualidade das mulheres e da punição a qualquer quebra do código heterossexual. {23} Os praticantes de S/M tornaram uma experiência incontrolável de tortura em um jogo que pode ser parado (mas pessoas passando por tortura real não têm a opção de dizer não). {24} A ”experiência de quase morte” de S/M pode ser vista como apenas outro jogo consumista. O consumismo de bens materiais alcançou seus limites, mas os praticantes de S/M não atentaram em simular a morte na busca de mais uma emoção. S/M é um jogo de luxúria. É expropriação da experiência. Afinal, é cheio de desprezo pelos outros.

Em uma sociedade onde a tortura pode ser descrita como ”performativa” ou como ”comunicação direta com prisioneiros iraquianos” {25} e BSDM pode ser apresentado como uma série de categorias aos interessados em ”se curarem” {26} ou simplesmente interessados na experiência de poder, estas são questões centrais da saúde social. Dado
que são as marginalizadas, lésbicas inclusas, que são mais propensas a serem torturadas, a questão da saúde social é um indicador importante do nível de justiça social em uma sociedade.

Quando atos de tortura e atos de ‘’consentimento não consensual’’, como BDSM é descrito por Weiss (2005), são colocados contra a realidade da tortura de lésbicas, que afirmação é feita sobre a cultura contemporânea? Pornografia é um modo de ganhar dinheiro com tortura, e é apropriação. Isso é apropriação das lésbicas que foram torturadas porque eram lésbicas; de lésbicas que foram empurradas de edifícios no Iraque, caindo para a morte, porque elas eram lésbicas; de lésbicas que foram espancadas e estupradas porque eram lésbicas; de lésbicas que são açoitadas, têm as mãos amputadas, que são forçadas a casamentos que não querem porque são lésbicas; e de lésbicas na maioria dos países que são silenciadas porque são lésbicas. (Hawthorne 2004a; Hawthorne 2004b). {27}

Além disso, se Weiss (2005) pode argumentar (e a audiência dela pode se sentir confortável aplaudindo seus argumentos) que atos idênticos à tortura — humilhação, penetração violência com objetos, corte de roupas, bondage — são aceitáveis em uma cena BDSM, e são considerados filosoficamente aceitáveis, onde o incerto desliza a um começo e fim? Estas são questões complexas de moralidade. Eles se preocupam com assuntos ao redor do consentimento, poder e falta de poder, justiça, e uma descrença na justiça como central. O efeito da aceitação de atos de tortura é uma desmoralização da cultura. Uma pessoa desmoralizada é uma que não pode se defender, que foi chutada muitas vezes. O efeito não resulta da natureza de qualquer chute, mas do efeito acumulado de múltiplos chutes, ‘’mil pequenos cortes’’ que levam a pessoa muito desanimada a tomar uma posição. A desmoralização de uma vítima de tortura é acumulativa e resultado de muitas humilhações, experiências dolorosas, isolação e atos desumanos. Tal como na sociedade em que vivemos. Mesmo aquelas de nós que não estão conscientes diariamente dos milhares de cortes são afetadas mesmo assim. Aquelas que ignoram e recusam a dignidade lésbica são eventualmente afetadas também. Entre feministas é argumentado que atos de racismo atormentam o tecido social, criando a violência racial (seja contra diásporas e nativos da África, Ásia e do Oriente Médio, ou contra povos indígenas do mundo colonizado). Por essa perspectiva, a violência sexualizada contra mulheres — incluindo lésbicas — também dilacera o tecido social.

A cada dia eles tiram os pontos de uma parte nova de mim. Há uma batida implacável. As lembranças da arma. Meu cérebro estala a cada momento que penso nisso. A marca da violência deles está aumentando. Uma voz aveludada me visita aleatoriamente. Quando eu ouço os passos dele, o medo vem como vômito. Hoje me colocaram esticada no chão. O rosto para baixo. Urinaram enchendo minhas narinas. Ele passeou diminuindo em forma de espiral. Rindo do peso da espiral. Eu vou mostrar a você para que é a espiral, ele disse. E pisou na minha mão esquerda. Livre-se da mão esquerda, ele disse. Eu conheço você como jogos e linguagem. Irmã sinistra. Ele pisou na minha mão direita. Rosie, abaixo os dedos, sua puta. Ele pisou e torceu seu pé pesadamente nos meus dedos. Sem mais fingersmithing [pisar de dedos?] para você. Ele pisou e torceu. Passeou e pisou e torceu de novo. Os ossos quebraram. Os dedos chatos e inúteis, como ele queria. Ele sempre me deixava com dor. Ele sempre me deixava e eu estava sacudindo em soluços. O horror pelo que ele fez. Meus dedos esmagados como galhos quebrados. Minhas mãos como tocos apodrecidos. No Irã, eu me lembro, eles amputaram as mãos das lésbicas. (Hawthorne 2004d, 48)

IV. FUGINDO DA TORTURA: LÉSBICAS REFUGIADAS [28].

Na 8ª Conferência Internacional Interdisciplinar das Mulheres do Mundo em Kampala, 2002, eu estava falando sobre questões lésbicas em uma sessão no final da conferência. Uma mulher se aproximou de mim e disse que existiam muitos problemas para as lésbicas em Uganda e que conseguir reconhecimento como refugiadas era particularmente difícil para elas. Esse parece ser o caso tantas vezes, que alguns autores sugerem que há não evidência documentada de lésbicas (McGhee 2003; Magardie 2003).
Isso apesar do bem documentado caso das duas lésbicas já mencionadas — Christine e Norah — que foram torturadas em 1999. Elas estavam com tanto medo pela sua segurança, que fugiram para um país vizinho. Lá também a existência lésbica era criminalizada e então elas não puderam pedir asilo. Elas “foram forçadas a passar vários meses escondidas enquanto tentavam arrumar uma forma de conseguir proteção como refugiadas” (Crimes de Ódio 2001, 5). Coisas desse tipo são o que diferem refugiadas lésbicas de outros grupos perseguidos por razões políticas, religiosas ou étnicas. “Tratamento” e “cura” retiram o elemento político. Parece, então, que a evidência existe, mas não é vista. [29]

Alla Pitcherskaia da Rússia, que foi para os EUA depois de receber ameaças a sua liberdade, devido a sua suposta “vadiagem” e seu ativismo, apresentou um pedido de asilo. Inicialmente ele foi rejeitado por que “eles alegaram que o motivo de institucionalização forçada era o desejo de “tratar” ou “curar” e não punir, logo não era “perseguição” (Crimes de Ódio 2001, 19)

Monika Reinfelder nota que em 1990 o governo alemão deu asilo a uma lésbica iraniana “que seria levada à pena de morte se fosse obrigada a voltar para o Irã” (1996, 18).

Há um problema na invisibilidade de lésbicas como refugiadas. Os casos não são numerosos, mas eles existem e precisam ser feitos visíveis. Como Reinfelder comenta, “O ódio a lésbicas na maioria dos países tem prevenido muitas lésbicas perseguidas de pedirem o status de refugiadas por motivos se sua orientação sexual” (1996, 18). Muitas lésbicas, então, pedem asilo por motivos de perseguição política. Mas isso pode resultar numa impossibilidade de provar seus status de refugiadas, já que os piores abusos ocorreram a elas por serem lésbicas. Se essas circunstâncias não podem ser reveladas, o caso é enfraquecido. [30]

A ONU tem um objetivo declarado de proteger aquelas/es prejudicadas/os pela discriminação, mas a realidade é de que quando orientação sexual vai a voto, alianças prejudiciais são feitas entre Arábia Saudita, Irã, EUA e o Vaticano, apenas para observar alguns países que já votaram juntos na ONU. A ONU tem uma série de disposições que cobrem a discriminação na base de orientação sexual. Elas incluem o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Direitos (PIDCP), a Organização Internacional da Discriminação no Trabalho (emprego e ocupação) Convenção de 1958
(“111 da OIT”), e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). A proteção, no entanto, não é garantida se o governo de um país não tiver assinado os acordos, e muitos não assinaram. Não há disposições que especificamente cubram a discriminação contra lésbicas, que geralmente sofrem pelo menos uma dupla penalização, de sexualidade e de gênero, além da de classe, casta, etnia, discriminações culturais, religiosas ou raciais.

Claire, uma lésbica refugiada de uma família poderosa na Uganda, agora vivendo no Reino Unido, teme diariamente pela segurança de sua namorada que a ajudou a escapar e depois a seguiu para o exílio. Claire não sabe o paradeiro de sua namorada e teme que ela esteja morta ou que tenha sido empurrada para prostituição para pagar suas dividas (Townley 2005).

Na época em que esse artigo estava para ser publicado, eu tinha acabado de ver em Melbourne um novo filme, Unveiled (Fremde Haut), feito por Angelina Maccarone. É um filme sobre uma lésbica iraniana procurando asilo na Alemanha. A personagem principal, Fariba Tabrizi (interpretada por Jasmine Tabatabai), havia tido um relacionamento no Irã com uma mulher casada que foi descoberta e deixada pelo marido. Quando ela é entrevistada pelo policial alemão no aeroporto, ela não pode falar sobre o que aconteceu com ela e apresentar suas verdadeiras razões para procurar asilo, em parte pela presença de um tradutor iraniano. O filme mostra as dificuldades extraordinárias encontradas por lésbicas e o que elas precisam fazer para sobreviver.

V. TORTURA, ESCRAVIDÃO, MULHERES, E A VERDADE.

Um “curioso dispositivo [foi]… moldado como uma pêra, feito de madeira, mas com partes de metal e madeira pontiagudas fixadas nele. A legenda dizia que o torturador colocou ele dentro da vagina de uma mulher e gradualmente enfiou dentro do corpo dela até que quebrou” (du Bois 1991, 3).

Um artefato da história europeia, esse objeto é um lembrete do quão longo é o ódio contra as mulheres e como as práticas acerca desse ódio, especialmente o ódio a lésbicas, [31] têm persistido.

Na antiga Atenas e na Florença renascentista — dois períodos marcantes da história ocidental de aparente florescimento da “liberdade” — tortura foi usada como meio de conseguir evidência (du Bois 1991; Lapierre 2001). Tortura era colocada como a melhor forma de extrair a verdade de testemunhas. Eu menciono esses exemplos, pois é importante reconhecer como a violência contra a mulher e a tortura de mulheres estão estruturadas na história da cultura ocidental, até mesmo — ou talvez especialmente — nos seus supostos altos momentos de civilização. Na Inglaterra e França dos séculos dezesseis e dezessete — outro aparente momento alto de civilização — mandados de tortura foram emitidos. [32] Isso nos lembra que tortura não é algo que alguém lá fora, diferente de “nós”, faz contra lésbicas. É um lembrete de que tortura aconteceu — e continua a acontecer agora — ao redor do mundo em supostamente civilizados países. É um lembrete de que aparentemente civilizados países são os treinadores dos torturadores de países mergulhados em conflito, guerra e desassossego civil. É um lembrete que mulheres — e logo, lésbicas — que pisam fora dos modos comportamentais patriarcais e heterossexuais serão punidas. Lésbicas são a epitome do “outro” na tradição filosófica ocidental, e o corpo lésbico é evidentemente um mundo de “alteridade”. Como tenho discutido em outros lugares (Hawthorne 2003), a não-existência e o apagamento de lésbicas no discurso heterossexual é central para estrutura normativa de nossa sociedade. Lésbicas compartilham com a tortura a negação de sua existência.

Não é atribuída muita importância à negação, mas qualquer pessoa que já tenho sido ostracizada ou que tenha a experiência ser membra de um grupo desprezado, irá testemunhar sobre a dor que acompanha tal negação de existência, ou negação de experiência. A tortura aniquila a vítima. A prisioneira não pode determinar quando a tortura vai parar, mesmo fornecendo respostas honestas e verdadeiras às perguntas feitas a ela.

VI. O CORPO FORA DO CONTROLE.

“O corpo lembra de novo e de novo… e de novo… O corpo lembra e a dor se torna parte dos nossos sonhos e dos nossos pesadelos, por que nós não temos uma válvula para liberar eles de nenhuma outra forma. O corpo deseja ser um corpo de novo, ter uma mente… o corpo deseja uma alma” (Rivera-Fuentes e Birke 2001, 657; itálico e pontos do original).

Entre as dificuldades experienciadas por qualquer pessoa sujeitada à tortura, está a de como transmitir a experiência de dor dentro do corpo. Elaine Scarry, em O Corpo com Dor: O Fazer e Desfazer do Mundo (1985), defende que a dor em si mesma “é linguagem destruindo” (1985, 19). Para uma lésbica isso é duplamente difícil, pois o discurso heteronormativo da sociedade não está aberto para os enunciados de lésbicas. É difícil o suficiente conseguir que as pessoas empatizem com e entendam uma pessoa de outra cultura, outro regime político, um país desconhecido. Adicione a esse prospecto a existência lésbica e a cultura lésbica, e a dificuldade da tarefa é ainda maior. Aqui eu estou intencionalmente falando como se o/a leitor/a fosse heterossexual. Para a leitora lésbica a experiência é provavelmente muito diferente.

Dentro do discurso heterossexual, a lésbica é a epitome do corpo desimpedido. O corpo lésbico é o corpo fora do controle em um sentido heteropatriarcal; isto é, não é governado pelas regras heteropatriarcais. Para o torturador, o corpo da prisioneira também se torna um corpo fora do controle, e essa falta de controle é mostrada a cada vez que dor é infligida.

“… toda onda após onda de eletricidade, nenhum controle… Eu estou perdendo controle de mim mesma… Eu não posso parar a merda, o mijo, as lágrimas, os babacas, os gritos.” (Rivera-Fuentes e Birke 2001, 665; itálico e pontos no original)

Elaine Scarry escreve sobre a falta de controle da prisioneira, e a forma pela qual responsabilidade sobre isso é jogada de volta na prisioneira, para que a confissão “seja entendida por outros, é um ato de auto traição.” (1985, 47)

Há um elemento aqui de se perguntar por que é que orientação sexual foi considerada externa ao âmbito de Direitos Humanos da ONU, e por que lésbicas refugiadas precisam lutar tanto para serem reconhecidas, ouvidas, e aceitas como refugiadas “genuínas”. É sobre a auto traição do corpo. Se a existência lésbica é uma escolha, então segue o argumento, então a lésbica pode facilmente escolher não ser lésbica. [33] O problema é que o corpo dela a trai. O discurso dela como lésbica é tomando como uma auto traição.
A situação é lida dessa forma, ao invés de ser lida como um problema do patriarcado e da opressão. É uma instância do que Mary Daly nomeia “reversão”, na qual a vitima é percebida como sendo a errada, e não o perpetrador.

O torturador, ao longo desse processo, dispensa toda a culpa, toda a responsabilidade pela dor infligida na pessoa torturada. Sua consciência está limpa. É tudo culpa dela. Se ela ao menos fizesse o que é melhor para ela, ela não teria que sofrer. De fato, ele a ajudará estuprando ela, mostrando para ela o que um homem de verdade pode fazer para ela, como o que ela precisa é “uma boa foda, de um homem de verdade” (Rivera-Fuentes e Birke 2001, 656). Essa postura psicológica, sugiro, é a fonte da proliferação da fantasia sexual masculina sobre a tortura de lésbicas.

Resumindo meu argumento: A prisioneira da tortura é considerada fora de controle; a lésbica é considerada fora de controle. A lésbica torturada está, então, duplamente fora de controle ( e numa sociedade na qual lésbicas são definidas como doentes mentais, triplamente fora de controle). Já que ela está tão evidentemente fora de controle, qualquer coisa que aconteça a ela é sua culpa, pois se ela escolhesse se comportar diferentemente, ela não seria torturada. O torturador/ homem que fantasia/ pornografo é, logo, capaz de abandonar qualquer senso de responsabilidade pelas suas ações e pelas suas crenças acerca de lésbicas. Está no interesse dela que ele a torture, a estupre, mostre a ela como é bom. Ou, como Elaine Scarry escreve, “Toda arma têm dois fins. Ao converter a dor de outra pessoa em um poder seu, o torturador experiencia todo o ocorrido exclusivamente do lado não-vulnerável da arma” (1985, 59).

VII. SE LÉSBICAS NÃO SÃO MULHERES, AS LÉSBICAS PODEM REIVINDICAR OS DIREITOS HUMANOS?

Monique Wittig, em seu extraordinário ensaio ”Não se Nasce Mulher,” {34} escreve:

A lésbica é o único conceito que eu conheço que está além das categorias de sexo (mulher e homem), porque o assunto designado (lésbica) não é uma mulher, nem economicamente, politicamente ou ideologicamente. Pelo qual se faz uma mulher em uma específica relação social para um homem, uma relação que nós previamente chamamos servidão, uma relação que implica compromisso pessoal e físico, assim como compromisso econômico (”residência forçada,” trabalho doméstico, deveres conjugais, produção de crianças ilimitada, etc.), uma relação que as lésbicas escapam ao recusar se tornarem ou continuarem heterossexuais. (Wittig 1992, 20)

Esse desafio confrontando o ”naturalismo” patriarcal é uma pista para a razão por trás das lésbicas terem sido fortemente punidas no patriarcado. A própria existência de lésbicas é um desafio aos direitos de propriedade dos homens como um grupo. Isso desafia a suposição de que há algo natural sobre as categorias de mulheres e homens, e isso sugere que há uma alternativa para essas categorias naturalizadas. Isso desafia o domínio proprietorial da categoria das mulheres, de um modo que recorda o desafio representado pelo Direito à Terra Nativa dos povos indígenas. Para as pessoas indígenas a terra não é propriedade, ela é mantida por atividades responsáveis, muitas delas são consideradas sagradas. A manutenção coletiva da terra não tira os povos indígenas dos direitos humanos. De modo similar, lésbicas que querem viver vidas livres da servidão heterossexual, livres da violência e da gentileza alternada pelo grupo dominante, não abandonam seus direitos humanos, não desistem de um direito de serem respeitadas. De
fato, essas lésbicas que usam isso como um modelo para suas vidas podem fornecer um modelo de liberdade para todas as pessoas. Com isso eu quero dizer, a capacidade de se mover livremente, amar quem quiser, rir e andar de modo que denote alegria.

Como FannyAnn Eddy, lésbica ativista assassinada em Sierra Leone, disse menos de um ano antes de sua morte:

Silêncio cria vulnerabilidade. Vocês, membros da Comissão dos Direitos Humanos, podem quebrar o silêncio. Vocês podem reconhecer que nós existimos, em toda a África e em cada continente, e que as violações dos direitos humanos baseadas na orientação sexual ou identidade de gênero são cometidas todos os dias. Vocês podem nos ajudar a combater essas violações e alcançar nossos direitos e liberdades completas, em todas as sociedades, incluindo minha amada Sierra Leone. (Eddy 2004).

--

--