‘As Duas Fridas’, 1939. A obra é uma representação das emoções da artista depois da separação de Diego Rivera. Foto: Museu de Arte Moderna (México)

A genialidade da tristeza

Quando tragédias pessoais do artista se tornam fonte de inspiração

Amanda Marcolini
ARTE e DESIGN
Published in
5 min readOct 7, 2021

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Por Amanda Marcolini e Mafe_amaral

Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón, mundialmente conhecida como Frida Kahlo foi uma das mais importantes pintoras mexicanas do século XX, e destacou-se por ser uma artista singular. Com uma produção bastante autobiográfica, Frida retratava temas e angústias pessoais. A artista plástica nasceu em 6 de julho de 1907, no interior de sua própria casa, a famosa Casa Azul, onde atualmente existe um museu próprio da artista, no pequeno município de Coyoacán, localizado nas proximidades da Cidade do México. Sua trajetória artística não se iniciou logo cedo, apesar de seu pai ter a pintura como um hobbie. A garota não demonstrava preferência alguma pela arte como profissão.

Ela cursou, entre os anos de 1922 e 1925, a Escola Nacional Preparatória do Distrito Federal do México, dedicando-se ao aprendizado do desenho e da modelagem. Ao completar 18 anos, a futura artista desenvolveu noções de gravura com o professor Fernando Fernandez. Fez história para a representação feminina em outras áreas, seja na moda, nos filmes ou, até mesmo, escrevendo. Seja pelas condições físicas que não lhe permitiam ser como as moças da época, ou pelos fortes traços de seu rosto, o fato é que nunca quis se dedicar a uma objetificação corporal. Apesar de nunca ter se intitulado como feminista, ou até mesmo pintado obras com esse cunho explícito, durante toda sua vida necessitou se impor frente ao patriarcado velado de sua posição social isso faz com hoje a artista seja vista como uma ativista e símbolo do feminismo moderno contribuindo para questões de gênero, padrões de beleza femininos e sexualidade já que a pintora não escondia seus relacionamentos com mulheres. Suas pinturas Durante toda sua vida, o trabalho de Frida foi reconhecido mundialmente e expôs sua obra em alguns museus: Julien Levy Gallery, em Nova York (1938); Galerie Renou et Colle, em París (1939); Galería de Arte Mexicano de Inés Amor, na Cidade do México (1940); Galería de Arte Contemporáneo de Lola Álvarez Bravo(1953). Frida foi a primeira pintora mexicana a ter um de seus quadros expostos no Museu do Louvre, mas foi apenas em 1953, um ano antes de sua morte, que ela consegue realizar uma exposição de suas obras na Cidade do México. A obra retratada neste trabalho se chama: As duas Fridas de Frida Kahlo, atualmente exposta no Museu de Arte Moderno da Cidade do México, a seguir uma análise sobre o movimento artístico o qual ela é encaixada.

Apesar da artista negar o título de surrealista com a famosa frase: “Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade.” Muitos consideram suas obras frutos do Surrealismo assim como suas técnicas de pintura. O surrealismo foi um movimento artístico, um dos últimos das vanguardas artísticas do século XX, e teve expressões na literatura, nas artes visuais, no cinema, no teatro e na filosofia. Iniciou-se em 1924, com a publicação do Manifesto Surrealista, escrito por André Breton, que propunha uma nova proposta estética que rompesse com a primazia da compreensão racional, sem diferenciação entre sonho e realidade ou entre lucidez e delírio, por exemplo.

A arte surrealista rompe com a busca pelo sentido nas representações. É o surreal: aquilo que está para além do real, que é mais que o real porque transcende a compreensão racional e relaciona-se com a mente inconsciente, com o imaginário e o absurdo. Diante de um mundo transformado pelo desenvolvimento tecnológico (a popularização da luz elétrica, da fotografia, do rádio, entre diversas outras mudanças dos primeiros anos do século XX) e de novas relações sociais e políticas, cabia à arte também uma ruptura com a tradição, com o que era considerado arte até então.

O RETRATO E A TESOURA

Para falar sobre a obra, primeiro temos que situar o espectador para a cena que Frida Kahlo montou: a Frida da direita é a versão europeia, representada pelo vestido de renda branco, no estilo vitoriano. Essa é a Frida que Diego Rivera deixou. A Frida da esquerda é a mexicana nativa, vestindo um traje tihuana; a Frida que foi amada por Diego. Após essa primeira análise, percebemos que ambas estão conectadas, tanto por suas mãos entrelaçadas como pelas artérias que saem de seus corações. Ao seguir a linha da artéria, partindo das mãos da Frida da esquerda, podemos ver que ela segura o retrato de Diego Rivera, de quando era criança. A linha faz o caminho de seu braço, passa pelos dois corações, até chegar às mãos da Frida europeia, que segura uma tesoura.

O símbolo da tesoura é claro, como se a artista tivesse cortado seus sentimentos fora — tanto que até seu vestido está rasgado. Enquanto a Frida mexicana tem seu coração remendado, com a lembrança de como era seu amor antigamente. “Toda a sua inquietação espiritual acabou se fundindo”, como disse Danto. O fundo do quadro também remete a uma confusão de sentimentos, é cinza com tons mais escuros, representando um céu nublado.

Os detalhes também estão nas vestimentas que as duas usam. O vestido branco de renda tem manchas de sangue, enquanto as cores vivas do vestido tihuana relembram a autenticidade de sua terra natal.

Por mais que Frida não se dizia fazer parte do surrealismo, uma característica em comum entre a sua obra e o movimento é justamente a execução de uma pintura que tenta entender a dor do ser humano, fazendo uma viagem ao inconsciente.

Frida tem o poder de transformar a realidade em ficção, já que a maioria de suas obras fala sobre suas dores, ela quer contar uma história por meio de suas obras, com elementos claros. Ela também reafirma sua postura como mulher, ao pintar a Frida mexicana com as pernas levemente abertas.

Também há outra interpretação, a qual a Frida europeia segura uma pinça, representando todos os procedimentos cirúrgicos que a artista passou.

Após a reflexão acerca desse quadro, conseguimos pensar em outra definição para a arte, aquela de que é uma imersão dentro de você mesmo. O artista, ao reproduzir uma obra, vai exprimir seus sentimentos do momento, portanto uma obra pode ser diferente da outra. A dualidade que Frida coloca na obra retrata o olhar que a artista deu para dentro de si, para rever seus sentimentos e inseri-los na tela. Passa uma mensagem nostálgica e, ao mesmo tempo, uma novidade, que é a Frida europeia.

“As Duas Fridas” foi inspirado na pintura de Théodore Chassériau, nomeado “As Duas Irmãs”, de acordo com o amigo da artista, Fernando Gamboa. Théodore foi um pintor romântico francês, da época de 1840.

“As Duas Irmãs”, por Théodore Chassériau, óleo sob tela. (1843)

Bibliografia:

Tour virtual ao Museu de Arte Moderna, na Cidade do México, disponível em: https://inba.gob.mx/sitios/recorridos-virtuales/museo-de-arte-moderno/

Referências:

Frida Kahlo

Surrealismo: resumo, características, artistas e obras

Frida Kahlo: como mexicana se tornou uma das mulheres mais conhecidas do mundo?

frida kahlo — um ícone na arte e na vida

As Duas Fridas — Frida Kahlo

18 obras de Frida Kahlo para compreender a artista mexicana

As Duas Fridas

A última entrevista de Frida: “Fragmentos da vida de Frida Kahlo”

https://descomplica.com.br/artigo/frida-kahlo-e-o-feminismo-obras-e-curiosidades/66l/#:~:text=Frida%20nunca%20se%20importou%20com,velado%20de%20sua%20posi%C3%A7%C3%A3o%20social

https://fridakahlo.com.br/quem-foi-frida-kahlo/frida-kahlo-e-suas-principais-obras

Vídeos:

AI Colorized Home Movie Clips of Frida Kahlo

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