Da estética à política: uma introdução ao Construtivismo Russo

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Arte em Debate
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4 min readFeb 7, 2021

O século XX, como já sabemos, foi em seu começo um período marcado por guerras, crises, revoluções e movimentos sociais que não refletiram em um só continente, mas em todos os continentes e áreas de estudo. No mundo das artes, instigados por esse contexto de extrema mudança, os artistas se colocam a frente dessa batalha, nomeando esse posicionamento coletivo e originando o movimento Vanguarda, que, como seu nome já prediz — do francês “avant-garde” significa a “guarda avançada” — colocava os mesmos como pioneiros das artes completamente dispostos a ultrapassar os limites impostos pela arte renascentista e mimética.

“Pela primeira vez uma palavra nova no campo da arte — construtivismo — veio da Rússia, e não da França.”

[V. Maiakovski, 1923]

Contrariando o comum e nascendo em uma área distante da qual estava localizada a concentração das artes no século XX, essa vanguarda russa surge então inspirada no Futurismo Italiano, com as ideias de Marinetti, e também no Cubismo Francês. Assim, vindo desses movimentos e das ideias pregadas pelo novo sistema econômico emergente, o construtivismo tem como principais características:

Quanto à estética:

  • a forte presença das formas geométricas, geralmente direcionadas na diagonal passando a impressão de movimento;
  • o uso das cores primárias, principalmente vermelho e preto que estavam ligadas ao movimento socialista;
  • o uso de tipografia sem serifa;
  • o uso da fotomontagem para os museus;

Quanto ao pensamento e o processo de criação da obra:

  • a reflexão da arte como trabalho;
  • a proposta de um artista-engenheiro, liquidando uma camada social distinta e o mergulhando diretamente no espaço social;
  • o desprezo pela expressão lírica;
  • o pensamento da pintura e da escultura como construções, e não como representações;
  • a criação voltada para uma atividade teórico-analítica;
  • o emprego disseminado de elementos mecânicos na execução das experiências;
  • a utilização de materiais industriais como matéria prima, tanto em colagens quanto nas esculturas.
(Modelo do Monumento para Terceira Mostra Internacional, Vladimir Tatlin, 1919–20, reconstrução do estúdio Longépé, 1979, Centre Georges Pompidou, Paris.)

Através dessas características que se relacionam ao processo de criação, aos artistas e ao pensamento de base dessa revolução estética, vemos de forma intrínseca os ideais da Revolução de 1917 que, em seu triunfo, levou os artistas à uma onda eufórica, na qual, de acordo com Scharf (Construtivismo. In: STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna 2000, p. 143), a pintura e a escultura são pensadas como construções para criar uma arte do proletariado, participante das oportunidades oferecidas pela Revolução. Portanto, a arte deveria servir à sociedade, criando objetos úteis a vida do povo — como por exemplo, a Torre de Tatlin mostrada ao lado, que fora criada para ser utilizada como uma antena de transmissão radiofônica.

Seguindo esse pensamento socialista, os artistas tinham não só que trazer a arte para o público, mas tinham também o dever e a capacidade para informar, contribuindo para as necessidades físicas e intelectuais do povo, despertando, assim, a população para essa nova realidade e privilegiando temas associados ao marxismo e ao novo governo instaurado na Rússia. Por isso mesmo, vemos uma oposição ao individualismo quando observamos o trabalho dos construtivistas em festivais públicos e cartazes da propaganda socialista com o objetivo de conscientização, evidenciando o seu papel-político e social.

(fotomontagem usada para propaganda, com o retrato de Lilya Brik, Alexandr Rodchenko em 1924)

Dentre os vários “educadores da massa” que surgiram desse movimento e atuaram nas mais variadas áreas da arte russa — pintura, escultura, fotografia, cinema, arquitetura e literatura -, podemos destacar Vladimir Evgrafovič Tatlin (1885–1953); Aleksandr Rodchenko (1891–1956) que atuou tanto na fotografia, escultura e arte plástica; Lev Kuleshov (1899–1970) um dos maiores cineastas da Rússia; Sergei Eisenstein (1898–1948), também um grande cineasta do movimento. Através da obra desses artistas podemos sentir o espírito revolucionário que prevalecia entre os soviéticos e como essas artes inspiraram as massas a unirem-se em prol de uma causa comum e benéfica ao proletariado.

(cartaz feito por El Lissitzky, fala sobre a Revolução Russa em apoio à causa bolchevique e tem o nome de “Bata nos brancos com a cunha vermelha (1919)” )

O Construtivismo Russo não só influenciou seus contemporâneos, mas perpetua mesmo após o ato final da revolução. Podemos ainda ver fotomontagens, nas quais predominam as cores primárias, espalhadas pelas cidades brasileiras com o fim de afetar seu receptor a ser o agente de uma causa — mesmo que indefinida pela pós-modernidade — , no cinema e fotografia também podemos ver resquícios da vanguarda russa, assim como na arquitetura, música e literatura que desprezam o lirismo.

“O mar da história
É agitado.
As ameaças
E as guerras
Havemos de atravessá-las.”

1927
— Vladimir Maiakovski, o Poeta da Revolução.
Tradução de E. Carrera Guerra, 1987.

Referências bibliográficas:

  • CONSTRUTIVISMO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3780/construtivismo>. Acesso em: 03 de Fev. 2021. Verbete da Enciclopédia.
    ISBN: 978–85–7979–060–7
  • ALBERA, François. Einstein e o Construtivismo Russo. São Paulo. Cosac & Naify; 1ª edição (25 março 2002)
  • VITTA, Thaís de Angelis. Revolução e Revelação: ideologia e poética de composição na fotografia e no cinema do Construtivismo Russo. (download disponível em: http://www.fpa.art.br/ojs/index.php/teste/article/download/74/65/ )
  • IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Construtivismo Russo. História das Artes, 2021. Disponível em: https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-20/abstracionismo-geometrico/construtivismo-russo/ Acesso em 04 Feb 2021.
  • Viviane Marques, Construtivismo Russo. Material didático da aula de História da Arquitetura Moderna feito pela arquiteta e professora Viviane Marques Terence publicado em 5 de nov. de 2014 na plataforma Slideshare; disponível em Construtivismo russo (slideshare.net)

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