Glauber Rocha, Abertura

Breno Castro
Arte em Debate
Published in
4 min readMar 1, 2021

Nascido em 1939, na cidade de Vitória da Conquista, Bahia, Glauber Rocha é considerado um dos maiores, se não o maior, cineastas brasileiros. Sua carreira foi curta, 21 anos, pois faleceu em 1981, aos 42 anos, vítima de septicemia. Mesmo tendo uma breve carreira, ele foi um diretor produtivo, dirigindo 9 longas-metragens, alguns curtas-metragens e documentários.

GLAUBER NA REDAÇÃO DO CORREIO BRAZILIENSE, EM 1977. FOTO: ARQUIVO CB/DA PRESS

Glauber buscava uma arte que entendesse e representasse o Brasil real. Nesse sentido, ele era um artista na contramão da indústria cinematográfica brasileira, uma indústria guiada pela influência das super produções estadunidenses e europeias e pelas chanchadas. Percebendo um enorme potencial em novas correntes do cinema europeu, como o neorrealismo italiano e a nouvelle vague francesa, Glauber entendeu que para fazer cinema só eram necessários “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Assim, ele iniciou sua caminhada no mundo do cinema, nunca esquecendo que o papel de sua arte era mostrar a realidade do povo brasileiro. Junto com outros diretores brasileiros fez parte do movimento cinematográfico conhecido como Cinema Novo. Esse movimento carregava os ideais que Glauber acreditava fundamentais para a criação de um cinema latino-americano engajado.

CARTAZ DO FILME “DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL”

Mesmo sendo tão importante para a cultura brasileira, Glauber não era um sucesso de público, era um autor underground, o maior nome do cinema brasileiro e precisava lutar para obter o financiamento de seus filmes. 39 anos após sua morte e o cenário não mudou. É comum que artistas revolucionários para o seu tempo ganhem o merecido prestígio alguns anos após o fim de sua existência, mas esse ainda não é o caso de Glauber Rocha, ainda que continue influenciando o mundo do cinema até os dias atuais. Porém, Glauber nunca desistiu de sua conexão com o povo brasileiro. Prova disso é seu programa na Rede Tupi, o “Abertura”.

GLAUBER ROCHA EM UM DOS EPISÓDIOS DO PROGRAMA ABERTURA

O nome do programa é bem significativo. Ele foi exibido entre 1979 e 1980, ou seja, o Brasil ainda vivia sob uma ditadura militar. Portanto, o programa tinha a função de clamar pelo fim da censura, pela abertura de todas as manifestações, sejam elas artísticas, políticas, etc. Glauber “importou” algumas de suas características cinematográficas em seu programa, utilizando a máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” como lei absoluta. Dito isso, não é difícil imaginar a força desse programa. Ele era tudo que a televisão brasileira não era. Inteligente, provocador, e, principalmente, artístico. Glauber explorou os limites da linguagem da televisão brasileira e, ao fazer essa exploração, destruiu os pilares dessa linguagem e erigiu seus próprios pilares.

UM DOS PRIMEIROS EPISÓDIOS DO PROGRAMA ABERTURA

Em um primeiro contato com o programa Abertura, é comum achar que ele é desorganizado, caótico, algo amador, feito de qualquer jeito. Porém, conforme os episódios vão passando, você se vê preso em uma manifestação artística completamente inovadora. Glauber Rocha aproveitou o recente campo da videoarte, utilizou seu aspecto moderno, frenético, e, através do meio televisivo, trouxe sua mensagem para o público. Glauber não para, o programa não para. Um episódio ele começa criticando o cinema hollywoodiano, depois critica o cinema nacional, louva o povo sertanejo e termina falando para os pais não deixarem as crianças assistirem o filme do super homem. Percebe a conexão em um caos aparente? Glauber critica o imperialismo estadunidense e enquanto faz isso eleva a cultura nacional. Ele passa a riqueza brasileira para o povo brasileiro e essa mensagem é constante em vários episódios.

Glauber Rocha entrevista um psicanalista de um jeito nada convencional, enquanto o psicanalista fala ele interrompe e vai ajeitando a luz, o enquadramento, a própria postura do homem. Tudo isso com a câmera filmando. Ele entrevista políticos e não mede as palavras. Mostra livros censurados pela ditadura e pede o fim da censura porque são obras espetaculares. Faz propaganda de seus filmes e do seu romance “Riverão Sussuarana”, entrevista artistas, entrevista o povo. Dança com o povo, canta com ele. Glauber faz do seu programa uma arte, uma arte que abre o caminho para mostrar outras artes e desgraças do Brasil. É como se fosse um belo portão que existe para mostrar toda a verdade para um país controlado pela mentira.

Referências bibliográficas:

ALESSANDRO, Rafael. Glauber Rocha E A Sua Estética Da Fome. 2020. Disponível em: https://www.avmakers.com.br/blog/glauber-rocha-e-a-sua-estetica-da-fome/. Acesso em: 28 fev. 2021.

https://www.youtube.com/watch?v=eHZ5XKEbgGQ

MELLO, Christine. Vídeo no Brasil: experiências dos anos 1970 e 1980. 2007. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1rHoYjmxng1m8twGc6RZ2h1zoBpBk_5te/view. Acesso em: 28 fev. 2021.

SOCIALISTA MORENA (org.). 80 anos de Glauber Rocha, o cineasta genial que a ditadura queria matar: assista ao documentário Glauber o Filme, Labirinto do Brasil, lançado por Silvio Tendler em 2003. 2019. Disponível em: https://www.socialistamorena.com.br/80-anos-de-glauber-rocha-o-cineasta-genial-que-a-ditadura-queria-matar/. Acesso em: 28 fev. 2021.

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