Foto divulgação

Chocolate – um olhar semiótico

Priscila Pacheco
Artes & reflexões

--

O filme Chocolate do ano 2000, dirigido por Lasse Hallström, apresenta histórias que causam discussões relacionadas ao preconceito, ao papel da mulher e à influência da religião e do poder na sociedade, na cidade fictícia de Lansquenet-sous-Tannes. Entretanto, Chocolate também nos possibilita análises semióticas em cada cena.

Veja o trailer

A resenha a seguir concorda com estudos semióticos de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores da moderna semiótica geral, segundo Winfried Nöth, em o Panorama da Semiótica. Consideramos 3 níveis semióticos, o qualitativo-icônico, o singular-indicativo e o convencional-simbólico presentes na película.

No 1º nível, analisamos os aspectos qualitativos da cena, ou seja, aqueles responsáveis pela primeira impressão provocada no receptor, tais como cores, formas e textura das imagens. No 2º, a mensagem é vista como algo existente em espaço e tempo determinados, sendo analisada em seu contexto e finalidade, assim, há uma busca em se perceber possíveis indícios em tudo o que está sendo transmitido. O 3º examina o poder representativo do filme, levando em conta os significados e valores que possua. Aqui, portanto, faz-se a interpretação da mensagem como um todo.

Ícone

De acordo com os estudos Peirce é possível dizer que os objetos religiosos mostrados na igreja, a fotografia da esposa sobre a mesa do escritório e a estátua do pai do Conde Paul de Reynaud, os retratos que Luc Clairmont, filho de Caroline, desenha e a ânfora que Vianne Rocher guarda as cinzas da mãe são alguns dos exemplos de ícones. Entretanto, o maior ícone do filme fica por conta do chocolate, apresentado em vários momentos, de formas variadas, ora na panela com consistência cremosa, ora em barras, ora esculpido para a vitrine da chocolataria.

Índice

Destacamos alguns índices observados nas cenas: A chegada de Vianne Rocher e sua filha Annouk, ao vilarejo, vestidas com capuz vermelho é indício de que trazem “doces”, em referência direta ao conto dos irmãos Grimm, Chapeuzinho Vermelho. O grito desesperador de Vianne no deck do rio ao ver o barco incendiado indica que a protagonista imaginou que a filha estivesse morta, já que todos haviam adormecido nos barcos. Os sermões proferidos pelo padre, cujo texto e suas revisões são do Conde Reynaud, representam um discurso autoritário e controlador, entretanto, justificado pelo caráter sagrado. Por fim, a presença de estrangeiros no vilarejo ressalta a ideia de que algo na comunidade será alterado, inicialmente com a chegada de Vianne e cenas depois a sensação de instabilidade é detonada com a presença do músico e andarilho Roux.

Símbolo

Segundo Peirce o “símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota, em virtude, de uma lei, normalmente uma associação de ideias gerais”. Assim, o chocolate da loja de Vianne é a libertação, o estímulo para mudança de atitudes. O exemplo está na transformação que o chocolate causou na vida da personagem Josephine, ao perceber que seria capaz de sobreviver longe da dominação do marido. A religiosidade radical imposta pelo Conde Reynaud é a prisão, a alienadora de mentes. Isso transparece na imposição do luto da personagem Madame Audel. Seu marido havia falecido na Primeira Guerra Mundial e, no entanto, décadas depois, ainda lhe era exigido o luto. As cinzas que Vianne guardava de sua mãe representam o apego ao passado, e o ato de jogá-las ao vento é mais um símbolo de libertação, assim como, quando o Conde invade a loja e devora os chocolates após tentar destruí-los, se rendendo aos desejos, a ponto de adormecer, em clara entrega física e mental.

Aproveitando o clima ouça a música “Chocolate”, composta por Tim Maia.

Post escrito em parceria com Bruna Freesz.

--

--

Priscila Pacheco
Artes & reflexões

Journalist — I am an independent journalist and I am interested in human rights, social actions, culture and environment. Instagram: @pricspacheco