O “Áporo”, sonetilho denso
A Rosa do Povo foi escrita em uma época marcada pela Segunda Guerra Mundial e pelo Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. É uma das obras de maior expressão do lirismo drummondiano e modernista. Nela está presente um poema bem instigante, o “Áporo”.
ÁPORO
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
Áporo, palavra formada com os elementos gregos a-(prefixo negativo) e poros (“passagem”, “saída”), pode ter três significados: “uma espécie de inseto cavador”, “um termo usado para designar um problema sem solução, situação sem saída” e “ um certo tipo de orquídea”.
Analisando o contexto histórico que Drummond presenciou durante a década de 1930 e de 1940, e complementando com os significados da palavra áporo é possível verificar que o poema relata a história de um inseto cavador que, numa situação sem saída, se transforma numa orquídea. Mas o que há escondido neste jogo de palavras? Quem é o áporo inseto? O que é a orquídea? Quem é o eu-lírico?
Ao analisar cada “pedacinho” do sonetilho podemos chegar a diversas interpretações. Eu mesma cheguei a várias, mas a que mais me convenceu foi a seguinte:
O inseto está sufocado, angustiado e desejando fugir de um lugar que o aprisiona e, ele sabe que precisa tentar a fuga discretamente para que ninguém o impeça de encontrar a liberdade. Portanto, o eu-lírico pode ser o Áporo inseto, porque ele também está sufocado e angustiado, por isso ele cava a poesia. O eu-lírico procura libertação através do trabalho poético, pois, por meio dele, pode encontrar uma maneira de denunciar e fugir das atrocidades da época.
A maneira com que a linguagem é manipulada mostra a dificuldade da fuga.
“Um eu-lírico escreve
escreve sem alarme
perfurando a poesia
sem achar escape.”
A escrita é uma maneira de alguém gritar silenciosamente entre tanta repressão. Poderíamos comparar a complexidade da escrita com a complexidade do momento vivido pelo poeta.
E o Áporo orquídea? A orquídea pode ser o símbolo da esperança que desabrocha.