O “Áporo”, sonetilho denso

Priscila Pacheco
Artes & reflexões
Published in
2 min readJun 17, 2015
O sonetilho “Áporo” foi publicado no livro “A Rosa do Povo”

A Rosa do Povo foi escrita em uma época marcada pela Segunda Guerra Mundial e pelo Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. É uma das obras de maior expressão do lirismo drummondiano e modernista. Nela está presente um poema bem instigante, o “Áporo”.

ÁPORO

Um inseto cava

cava sem alarme

perfurando a terra

sem achar escape.

Que fazer, exausto,

em país bloqueado,

enlace de noite

raiz e minério?

Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se.

Áporo, palavra formada com os elementos gregos a-(prefixo negativo) e poros (“passagem”, “saída”), pode ter três significados: “uma espécie de inseto cavador”, “um termo usado para designar um problema sem solução, situação sem saída” e “ um certo tipo de orquídea”.

Analisando o contexto histórico que Drummond presenciou durante a década de 1930 e de 1940, e complementando com os significados da palavra áporo é possível verificar que o poema relata a história de um inseto cavador que, numa situação sem saída, se transforma numa orquídea. Mas o que há escondido neste jogo de palavras? Quem é o áporo inseto? O que é a orquídea? Quem é o eu-lírico?

Ao analisar cada “pedacinho” do sonetilho podemos chegar a diversas interpretações. Eu mesma cheguei a várias, mas a que mais me convenceu foi a seguinte:

O inseto está sufocado, angustiado e desejando fugir de um lugar que o aprisiona e, ele sabe que precisa tentar a fuga discretamente para que ninguém o impeça de encontrar a liberdade. Portanto, o eu-lírico pode ser o Áporo inseto, porque ele também está sufocado e angustiado, por isso ele cava a poesia. O eu-lírico procura libertação através do trabalho poético, pois, por meio dele, pode encontrar uma maneira de denunciar e fugir das atrocidades da época.

A maneira com que a linguagem é manipulada mostra a dificuldade da fuga.

“Um eu-lírico escreve

escreve sem alarme

perfurando a poesia

sem achar escape.”

A escrita é uma maneira de alguém gritar silenciosamente entre tanta repressão. Poderíamos comparar a complexidade da escrita com a complexidade do momento vivido pelo poeta.

E o Áporo orquídea? A orquídea pode ser o símbolo da esperança que desabrocha.

--

--

Priscila Pacheco
Artes & reflexões

Journalist — I am an independent journalist and I am interested in human rights, social actions, culture and environment. Instagram: @pricspacheco