É possível ocorrer uma centralização na mineração de bitcoins?

Ray Nasser
ARTHUR Mining
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7 min readApr 6, 2022

Dentro do universo de “criptomoedas”, a palavra ‘centralização’ é vista com antipatia. Quando o assunto se trata do Bitcoin, a centralização é vista de forma extremamente negativa por grande parte dos usuários. Afinal, o objetivo do bitcoin nunca foi ter alguém central por trás ou como mediador, seja uma empresa ou pessoa, por isso Satoshi Nakamoto saiu de cena e deixou que a rede seguir sem sua presença.

No entanto, há a necessidade entender sobre a centralização da mineração, pois as discussões sobre o tema são sempre muito ambíguas e, geralmente, não apontam todos os critérios em que devemos focar. Hoje a indústria envolvendo mineração de bitcoin tem diversas áreas e é um erro focar em apenas uma para considerar um cenário tão vasto. Algumas áreas podem ser mais centralizadas que outras, inevitavelmente e, não necessariamente, isso terá um impacto negativo para o bitcoin.

Principais áreas da indústria de mineração

Aqui vou citar as principais áreas da indústria de mineração que se correlacionam, mesmo que todas tenham diferenças entre si e particularidades.

Ecossistema de mineração atualmente. Fonte: Galaxy Digital.
  • Pools de mineração:

Nas pools de mineração, os mineradores independentes se reúnem para suavizar a receita de suas operações de mineração. Afinal, minerar sozinho levaria muito mais tempo para encontrar um bloco (embora não seja raro), pois as chances de encontrar um bloco é proporcional a taxa de hash (poder computacional) na rede. Sendo assim, vários mineradores trabalham em conjunto nas pools e dividem a recompensa de maneira justa.

  • Equipamentos de mineração:

Desde que a mineração deixou de ser feita com CPUs, GPUs e FPGAs e avançou para as ASICs, os equipamentos ficaram mais caros e toda a estrutura para montar uma operação viável encareceu, por isso hoje é muito difícil encontrar um minerador independente. Logo, analisar o tamanho das propriedades de equipamentos de mineração pode nos dar uma noção do qual centralizado ou não pode ser essa área.

  • Distribuição geográfica:

Essa área é uma das mais importantes, pois é extremamente necessário discutir a distribuição da mineração, analisar onde os equipamentos estão mais concentrados. Com isso, podemos ter a noção de qual legislação é mais amigável, onde as empresas estão se concentrando, qual o lugar com maior taxa de hash, onde há maios concentração financeira decorrente da mineração e qual região de maior liquidez.

  • Fabricantes de hardware:

Os fabricantes de equipamento de mineração são decisivos no mercado como um todo, pois quanto mais empresas houver, mais competitivo será o preço e isso pode afetar a distribuição de hardware. Além disso, hoje, muitas mineradoras ficam à mercê de fornecedores, por usarem tecnologias e métodos de fabricação muito específicos.

  • Produção de energia:

A distribuição energética é a principal área de importância na mineração, pois é a partir daqui que os mineradores se distribuem geograficamente. Logo, a análise da distribuição da capacidade de geração de energia é essencial para se considerar onde pode haver maior centralização.

Caráter centralizador das Pools de mineração

Minerar bitcoin foi exigindo cada vez mais investimento, pois os equipamentos ficaram mais sofisticados, necessitando não somente de ASICs, mas de refrigeradores, local para operação de larga escala, autorizações legislativas e, principalmente, custos substanciais em energia.

Sendo assim, se associar a uma pool se tornou a maneira mais eficiente de atingir o ROI (sigla em inglês para Retorno Sobre Investimento), afinal, minerar precisa ser lucrativo. Esse se tornou um ponto crítico de centralização para mineradores, pois as pools se tornaram o ponto de coordenação de todos os operadores de hardware e são responsáveis por selecionar as transações que serão colocadas no bloco em que todos estão trabalhando.

As pools também são as que recebem e guardam todas as recompensas dos blocos minerados, até que o minerador retire. Elas que selecionam quais transações irão ser adicionadas em um bloco e também podem até congelar transações, exigir KYC (apresentação de dados pessoais) de seus mineradores ou impedir que mineradores de certas jurisdições participem de sua pool.

Ranking das Pools atualmente por bloc minerado. Fonte: Mempool.space.

Com isso, as pools de mineração podem concentrar poder sobre seus operadores de hardware (mineradores) e esta é uma das formas de percebermos centralização dentro da mineração de bitcoin. Os mineradores podem, obviamente, escolher migrar para outra pool, no entanto, não são processos simples de serem realizados. Além disso, as pools possuem mecanismos importantes e indispensáveis para os minerados, como servidor de software, infraestrutura adequada e segurança.

Equipamentos de mineração

Uma outra área desta indústria que podemos observar, é em relação aos equipamentos de mineração. Anteriormente, logo no início da mineração, era mais fácil para mineradores independentes possuírem uma operação individual, pois eram utilizados computadores simples, que as pessoas tinham em casa, mas os equipamentos foram avançando (e ficando mais caros também). Já falamos mais especificamente sobre esse assunto aqui.

Sendo assim, os equipamentos hoje ficam concentrados nas mãos de quem possui a capacidade de montar uma operação a nível industrial, para conseguir reduzir os gastos com equipamento, energia e obter lucros substanciais, que fazem valer a pena a atividade.

Além disso, pode ser realizada pelos próprios produtores de hardware, ou pessoas mais próximas ligadas a eles, pois após meses do lançamento, algumas máquinas podem inviabilizar o retorno do investimento. Alguns equipamentos podem se tornar “obsoletos” em menos de 18 meses, pois a mineração é um negócio complexo, de investimento intensivo, margens comprimidas e quem tiver acesso privilegiado se favorece.

A mineração também fica mais complicada a cada halving e à medida que novas máquinas e tecnologias entram no mercado. Sendo assim, os mineradores menos eficientes computacionalmente tendem a ser superados pelos maiores do mercado.

Mineração ao redor do mundo

Uma outra área necessária nesta discussão sobre centralização da mineração é entender como ela está distribuída geograficamente. Isso diz muito sobre o estado atual da mineração, pois sabemos que um êxodo massivo de mineradores ocorreu devido ao banimento chinês.

Embora a proibição da China tenha sido, no fim das contas, positiva para descentralizar o hash (que, naquele momento, se concentrava em cerca de 70% no país asiático), nada impede que outro país, cidade ou qualquer região do mundo centralize novamente o poder computacional da rede ou imponha sanções que são de caráter centralizador.

Atualmente os EUA são o epicentro de mineração, seguido de Cazaquistão e Rússia. No entanto, Rússia já cogitou proibir a mineração de criptomoedas no país e o Cazaquistão apreendeu cerca de $200 milhões em equipamentos de mineradores que não eram ‘legalizados’. Os mineradores tendem a ir para regiões mais amigáveis e com leis que sejam favoráveis, além de, certamente, mercado que possua liquidez para tornar atrativa a instalação de uma indústria na região.

Distribuição do hashrate por país. Fonte: Cambridge University (CBECI).

A influência dos fabricantes de hardware no mercado

Atualmente o mercado relacionado aos fabricantes de hardware para mineração, no caso, ASICs está crescendo, mas ainda possui algumas empresas como as principais desenvolvedoras e provedoras de equipamentos, como a Bitmain, que é a maior fabricante hoje.

Apesar do aumento da concorrência, a certa escassez de empresas do setor faz com que elas tenham um grande poder. Por serem centralizadas internamente, elas podem decidir para quem querem vender ou não. Além disso, os compradores ficam à mercê dos contratos feitos com a empresa e suas operações também dependem da fabricante, já que muitas peças e outras estruturas de mineração são exclusivas.

Os provedores de hardware podem ditar a forma como o mercado se posiciona e até fazer com que os governos se associem a eles para exercer seu poder. Portanto, o número de empresas e onde elas se concentram é importante para definir quão centralizada essa área pode se tornar.

Como a produção de energia pode centralizar a mineração

Embora muitos mineradores hoje busquem instalar seus próprios sistemas de energia, Off Grid, ou seja, desconectados da rede de distribuição pública, muitos ainda são ligados a rede pública ou empresas.

Com isso, a produção de energia pode impor regras e sanções para os mineradores que, muitas vezes, são obrigados a seguir restrições. Atualmente, com as narrativas energéticas acerca da mineração, pautas ESG e anseio global para redução de emissão de carbono, governos, países e diversas outras regiões do mundo podem se tornar mais taxativas quanto a mineração de bitcoin.

Sendo assim, os mineradores podem enfrentar proibições, regulações ou, até mesmo, se concentrar em regiões que sejam mais atrativas energeticamente. Montar o próprio sistema pode ser uma solução atrativa e até mais lucrativa, mas é inevitável que tenham mineradores conectados aos sistemas públicos.

Sendo assim, o que esperar da mineração?

Fica claro, portanto, que a mineração de bitcoin tem várias áreas que fomentam centralização, em maior ou menor grau. Isso, por outro lado, não quer dizer que o bitcoin em si será prejudicado. Muitas dessas questões são inevitáveis de acontecer e muitas podem ter soluções a curto ou médio prazo.

Além disso, o protocolo do Bitcoin fomenta um cenário onde os agentes, ao menos internos, não sejam corruptos, pois isso prejudicaria o mesmo e poderia afetar toda a rede. Logo, os mineradores são influenciados a agir com honestidade. De outro modo, a indústria do Bitcoin está crescendo, com diversas empresas importantes no meio e tentar criar um cenário de ataque ao Bitcoin seria prejudicial para os grandes players que estão envolvidos no setor.

Portanto, a centralização de algumas áreas da mineração é inevitável. O importante é que há vários computadores checando o hash e nodes espalhados pelo mundo que também mantem a segurança da rede.

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Ray Nasser
ARTHUR Mining

Economist from Babson College, USA, with more than 15 years of experience in the financial market as F.O. manager. Arthur CEO.