A culpa não é do Felipão, mas sim de quem defende o seu futebol

Bruno Guedes
Articulista
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6 min readSep 3, 2019

Felipão foi campeão do mundo, em 2002, jogando com 3 zagueiros e 2 volantes. Um time sólido defensivamente e que jogava a bola no seu trio de ataque para que fizessem o resultado. E fizeram. Não jogava bonito, mas jogava o suficiente. Mesmo contra tudo que um dia encantou o mundo e foi símbolo de Brasil, foi campeão. Estamos falando de 17 anos atrás, mas o mesmo técnico insiste nesse futebol após mais de 5 mudanças táticas cruciais nesse período. É o que sabe fazer. Porém imprensa e torcedores continuam apontando para aquele estilo de jogo como referência de “vencedor”.

O futebol brasileiro parou no tempo. Porém muitos ainda refutam essa ideia. Principalmente comentaristas que viveram uma época em que o Brasil era referência no esporte. Era. No passado. Agora somos arcaicos e atrasados para o mundo. E é difícil para muitos aceitarem essa nova fase. Por isto ainda estamos diante de tantas opiniões sobre “vencedor” a um estilo que não é mais.

Não é raro ver a cada novo nome que surge ou estrangeiro que chega ao país ser alvo de formadores de opinião. Quase sempre ex-jogadores ou profissionais de imprensa com uma rede ampla de amizade no círculo do futebol. Apoiar a novidade, técnicos mais atualizados e dizer que tudo o que seus amigos ou viveram está superado é algo difícil. Praticamente impossível. Então apela-se para o que um dia foi “vencedor”. No passado.

Quando Felipão assumiu o Palmeiras e, mesmo eliminado de tudo que disputou porém campeão brasileiro praticando um futebol ruim, não havia críticas. Os que percebiam que aquilo não era de qualidade e mostraram o quanto raso e arcaico era, logo foram jogados aos leões e perseguidos pelas patrulhas virtuais. Menos os que nunca aceitaram que ficamos para trás. Para estes, o futebol “estilo Luis Felipe Scolari” ainda era “vencedor”. Era.

Há quatro Copas do Mundo o Brasil é derrotado por times da Europa. Sempre superado por equipes mais ofensivas, modernas e com práticas atualizadas. A punhalada no coração veio no 7 a 1, quando o futebol de 2002 foi colocado contra a Alemanha de 2014 com o que de mais moderno existia, misturando conceitos de várias escolas de sucesso como Guardiola e a própria alemã. Menos de cinco anos depois, cá estamos. Com Felipão, comandante do maior vexame da história, ainda sendo taxado de solução. A muleta? Ele era “vencedor”.

Como então chama de vencedor um estilo que não vence? O estilo retranqueiro, feio, que visa apenas o resultado a todo custo. Os últimos times brasileiros campeões de algo fora do país praticavam justamente o inverso: Grêmio na Libertadores 2017 e Athletico-PR na Sul-Americana 2018. E os chamados “vencedores”? Os únicos títulos foram dentro deste círculo arcaico nacional e os muitos elogios não merecidos de imprensa e torcida.

Reais culpados e audiência enganada: apenas um dos muitos problemas do futebol brasileiro

Percebeu quantas vezes usei o ERA para situar o grande Luis Felipe Scolari como vencedor? De fato, seu currículo já foi carimbado pelo rótulo da vitória. Mas isso ficou para trás. O técnico nunca apresentou um futebol perto do que os brasileiros se acostumaram a admirar. Porém que vencia, um dia foi eficiente.

E no Brasil sempre foi assim, basta vencer que tá bom. Não importa como. Vença e será taxado de referência. Caso você perca, meu amigo, aí é uma desgraça e tudo está fora de órbita. Barbosa, uma das lendas do Vasco da Gama, que o diga.

O “estilo Felipão” não é eficiente há mais de uma década. Foi assim que, com práticas arcaicas e treinos obsoletos, foi alvo até de chacotas no Chelsea. Mas no Brasil se vendeu a ideia — novamente via imprensa que vive no pachequismo sem fim — de que ele foi derrubado por Drogba e afins.

Não foi. Tanto não foi que nunca mais voltou a trabalhar na Europa. Terminou na China! Mas não sem antes ser goleado pela Alemanha, que trataram um dia como “algo quase próximo do futebol” em terras tupiniquins.

E por que as portas estão fechadas para os brasileiros? Porque na Europa todos observam e veem jogos, estão no cotidiano as novas práticas, mais atualizadas e que refletem a realidade do futebol atual. Por mais despreparado que seja o dirigente, ele não vai querer que seu time jogue um estilo arcaico como do Scolari. Para ele não basta, isso é coisa do passado. Não é mais vencedor.

Menos no Brasil. Aliás, para alguns da imprensa e torcida. Ou bastava. Não é o estilo de jogo e a sua mentalidade que são contratadas pelos clubes por aqui, mas sim o seu passado. Este sim vencedor, no pretérito. Treinadores escudos para calarem as milícias virtuais e torcidas organizadas, mas que depois de seis meses são novamente demitidos. E quem virá? Outro medalhão com nome. Com apoio e lobby de parte da imprensa e amigos.

Os mais novos, que buscam espaços, vivem às sombras da perseguição. Durante sua passagem pelo Flamengo, Zé Ricardo foi alvo de duras e injustas críticas em muitas transmissões. Na imprensa virtual era uma pancada diariamente, mesmo vencendo. “Estagiário”, diziam. Isso depois do Muricy Ramalho, vencedor no passado, ser eliminado da Copa do Brasil pelo Sport e perder até para o Confiança.

O motivo principal de tanta porrada era a não aceitação, por parte de comentaristas ex-jogadores e ex-treinadores, de que um jovem pudesse “tomar o lugar” dos seus amigos que estavam no clube há décadas. Se este profissional era preparado para dirigir a equipe pouco importa, o mais importante que “era vencedor”. E, claro, amigo. Tudo pela amizade.

Estrangeiros sofrem mais ainda. Além do preconceito que beira a xenofobia, os técnicos internacionais trazem elementos novos e que demonstram a disparidade entre o arcaico futebol praticado no Brasil e o do resto do mundo. Não interesse se ele ainda está em adaptação ou conhecendo a cultura local, é pancada da imprensa. E assim, fazendo a cabeça da torcida, logo este sairá para outro amigo “vencedor” assumir.

Sampaoli e Jorge Jesus estão no meio desta roda. Apanhando. Quando foi derrotado pelo Emelec por 2 a 0, no jogo de ida das Oitavas de Final da Libertadores, Jesus sentiu na pele (sem trocadilhos) a força dos formadores de opinião das grandes mídias. Um tsunami desproporcional de críticas. Estas que nunca foram direcionadas ao ex-técnico Abel Braga, trânsito livre no ambiente dos comentaristas.

Coloca-se nessa panela com ingredientes indigestos os próprios treinadores. Percebendo que estão obsoletos e não podem oferecer mais nada, parte para o corporativismo. Nas coletivas vemos aqueles que dizem que “fazia isso há 20 anos” e outros que falam até em “estão tomando nosso espaço, lá fora não somos prestigiados assim”. E parte da imprensa e formadores de opinião, claro, reproduzem isso à exaustão até que vire verdade. Só que não é.

Não faziam isso há 20 anos e não vão lá para fora por falta de capacidade. Sentaram no “estilo vencedor” e estão dormindo há mais de uma década. Enquanto tentam enganar a opinião pública de que estes arcaicos profissionais ainda são soluções para novos tempos, outros começam a provar o contrário.

E a credibilidade do Jornalismo, onde entra? Essa fica por conta de quem consome a informação. O filtro de qualidade sempre será a audiência, o leitor, o ouvinte, o internauta. Só ele pode — e deve — duvidar e questionar sempre sobre qual o real interesse das opiniões. A quem eles querem convencer. A realidade que só existe no mundo deles.

Recentemente vimos a comoção dos fãs de futebol quanto a demissão do excelente comentarista e jornalista Rafaela Oliveira, da ESPN. Profissional que articula bem as ideias, debate o futebol com seriedade e sempre apontou como e onde mudou. Enquanto este foi para a rua, as fakes brigas pela audiência, os blogs que parecem stand-up comedy, os amigos dos profissionais em debate e tantos outros “alienígenas” do Jornalismo seguem emitindo opiniões infundadas e formando mentalidade coletiva.

Só que isso está mudando. Os consumidores de conteúdo não são passivos. A prova vem na queda gritante de muitos veículos de imprensa mais preocupados com a polêmica que com o conteúdo de fato. Sites caça-cliques e conteúdos no Youtube que não sabem se fazem humor ou jornalismo, perderam parte de seu público por conta do debate raso e focado só em polemizar.

Até nas redes sociais, como o Twitter, uma chuva de compartilhamentos carregados de deboche virou a máxima contra quem tá preocupado em plantar notícias. Antes ridicularizaram a audiência com opiniões duvidosas, agora são eles os alvos do deboche. E é irreversível.

O Felipão não é culpado pelo fracasso do Palmeiras. Ele fez o que faz durante toda sua carreira — de fato vitoriosa durante um período no passado — mas que agora não é mais suficiente. A culpa é de quem vende esse discurso. E eles estão em muitos espaços. Neste momento muitos querem te convencer sobre o que é “ser vencedor”.

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