Rafael Moco
Entre textos low poly e shaders com crase, é que a terceira jornada do ARJO ganha vida. Chamamos muito enquanto Rafael Moco jogava Destiny 2 e como respondendo a mãe, ele sempre dizia: “Já vou”. Então botamos a cena pra renderizar, tacamos o controle de lado e trouxemos o menino a força!
Conta um pouco da sua história.
“Pois é, trabalhei como jornalista durante 9 anos, e comecei na área antes mesmo de me formar. Só que o tempo foi passando, e fui percebendo que aquilo não era pra mim, então decidi que era hora de tentar algo diferente. Sinceramente, eu devo essa mudança à minha esposa, a ilustradora Giselle Almeida, que na época me poiou e decidiu me dar suporte, enquanto eu ficava um ano em casa, estudando todos os dias, e praticamente aprendendo do zero minha função. Na época o Rafa e o Milton estavam voltando ao Brasil, e perguntei a ele se ele conhecia algum estúdio que estivesse precisando de estagiário. Ele mesmo se propôs a “me acolher” e decidi aproveitar ao máximo a oportunidade, e cá estou hoje na Lightfarm Brasil"
O que mais te motivou largar o jornalismo?
“Sempre tive a impressão, passando por diversos veículos, que o “Jornalismo Verdade” é mais raro do que a gente imagina. É claro, existem profissionais comprometidos em levar até as pessoas informação de qualidade, mas o problema em si são os veículos, principalmente os grandes.
Se a notícia está ali, da forma com que ela foi escrita, com os fatos ali presentes, e até mesmo a foto escolhida para sua ilustração, foi porque um editor decidiu que aquilo seria, de alguma forma, benéfico para o veículo.
"E esse benefício não se limita ao âmbito financeiro, mas também político. É um assunto delicado, que acho que foge um pouco desse escopo da área de arte, mas minha sugestão a quem está lendo é:
Sempre questione. Tudo.
Pesquise mais de uma fonte, tente ver ambos os lados da moeda, ouvir mais do que falar. Trabalhei com isso por 9 anos, e mesmo assim caio em várias traps que não deveria cair. Imagine o leitor comum, que sequer sabe como funciona a malícia de um editor movido pelo dinheiro ou pela política?”
Moco, na live do Rafa para o Creative Class, ele comentou que você chegou na Lightfarm com espírito queimando pra aprender 3d e disposto a batalhar por isso. Quem te segue nas redes sabe que você largou jornalismo e caiu no mundão do 3d de corpo e alma. Como foi pra você essa mudança?
“Não digo que foi uma mudança sofrida, mas precisei me estruturar antes. Ter um backup. Sabia que podia dar errado, e caso acontecesse, estaria disposto a voltar a ser jornalista, mas acredito que o esforço extra valeu a pena, além de necessário"
Quando ouço o nome “Rafael Moco”, na minha cabeça sempre vem a ideia de uma cara esforçado, quase a personificação da frase “o trabalho duro vence o talento”. O quanto de Rafael Moco você acha que essa trecho reflete?
“Eu não acredito em talento, pura e simplesmente. Acho que o aspecto artístico é algo plenamente moldável, conquistável. Somos artistas porque conseguimos retratar ideias, e observar os pormenores daquilo que nos cerca. Isso tem mais a ver com a capacidade de observação e estudo do que com talento em si. Dito isso, não me acho esforçado, pelo contrário. Acho que um dos meus defeitos é ser meio preguiçoso. Por um lado isso me ajudou a buscar por técnicas que fossem mais eficientes, e essa busca me levou a aprender programas e técnicas muito boas, como por exemplo o Substance Designer ou o Houdini. Mas acho que ainda preciso me esforçar mais do que me esforço atualmente, hahaha"
Se toda sua trajetória até aqui pudesse ser expressa por uma dessas áreas, qual seria e porque? Modelagem, Shader, Render ou Texturing?
“Acho isso bem relativo. Quem trabalha comigo, sabe que sou um cara muito técnico. Isso é uma benção e uma maldição. Maldição porque, por muitas vezes, acabo focando demais na parte técnica, e deixo a artística de lado. Isso me leva a ir e voltar algumas vezes no meu trabalho, a parar, observar, absorver feedbacks e encontrar o tcham que está faltando. E é uma benção porque consigo visualizar algumas soluções de uma forma mais prática, justamente por conseguir muitas vezes “quebrar” a ferramenta, levando-a a realizar uma função que muitas vezes não foi designada, mas que cumpre a sua necessidade como artista naquele momento. Dito isso, acredito que eu tenha altos e baixos em todas essas áreas, e o objetivo hoje é justamente tentar equalizar essas forças e fraquezas, na tentativa de alcançar um equilíbrio”
O Moco gamer é um lado puramente por hobby ou pensa em trabalhar na área?
“O Moco gamer é um retardado que passa as férias jogando Destiny 2 até as 4 da manhã. Mas também é uma paixão, desde sempre. Na época que trabalhei como jornalista, pude integrar a redação de alguns sites famosos como Finalboss, UOL Jogos e outros. Sempre curti essa área de games, indo um pouco além de ser só um hobby. Mas reconheço que o artista que trabalha com jogos eletrônicos exerce uma função muito específica e extremamente técnica. É uma pegada totalmente diferente de quem trabalha com publicidade. Mas a paixão resiste e penso até mesmo em participar de alguns collabs ou projetos paralelos no desenvolvimento de um jogo, ou algo relacionado. Quem sabe?”
A cada dia, a impressão 3d parece estar ganhando seu lugar ao sol. Como profissional 3d, qual sua visão sobre isso?
“Quem me conhece há uma longa data sabe que eu costumo bater bastante nessa tecla, da impressão 3D."
"Eu acredito que isso tenha potencial para ser o próximo grande passo tecnológico, assim como a Internet foi para a sociedade. Mas ainda estamos em um estágio embrionário da coisa."
"A coluna cervical da ideia está lá, mas nos falta acesso à ferramenta.
A impressão hoje não chega a ser inacessível, mas ainda é cara e dispensa de
uma dedicação extra para quem deseja fazer algo de qualidade. Paralelo a isso, existem várias vertentes externas, como na medicina, que mostra como essa tecnologia ainda vai fazer a total diferença em um futuro próximo, seja na impressão de próteses ou até mesmo na impressão de órgãos, e já existem campos de pesquisa com foco nisso. Isso já é parte de um futuro promissor, mas ainda falta um pouco até que o boom aconteça.”
SNES ou Master System?
“Hahaha eu sou muito fã de plataformas retrô, mas nunca tive uma preferência específica. Na minha infância, costumava trocar meus consoles com os de amigos, por um fim de semana ou dois, na tentativa de jogar tudo o que tinha por aí, então não rolava muito essa ideia de me dedicar a um único console.
Pelo contrário, hoje em dia vejo a emulação de consoles como um hobby, e uma das minhas buscas é justamente conhecer algumas velharias de que não fazia ideia que existiam. Então que venham todos!”
O about do seu Twitter parece deixar clara a visão da sua mãe sobre sua escolha profissional. Foi uma opinião apenas dela ou outros disseram o mesmo? Você acha que essa visão dos mais antigos de “faz concurso público”, “estabilidade a qualquer custo” tem frustrado muitos hoje?
“Hahaha, na verdade foi meu pai quem disse aquilo. Pensei em retratar aqui in loco, mas como tem palavrões, deixo a seu critério! Eu acredito que essa visão de “concurso público” e “estabilidade a qualquer custo” seja uma visão referente a uma época, em que isso fazia mais sentido. Pelos recursos daquela época,
pela falta de internet, acesso mais demorado à informação, ter um emprego de carreira, com estabilidade, era o mais seguro. Hoje em dia temos como ir além, explorar mais, alcançar o oceano azul e investir onde ninguém investe, e mais importante, fazer o que gosta. É claro, estabilidade financeira é importante, mas até que ponto vale a pena deixar de lado sua felicidade em troca de dinheiro?
Há de ter um equilíbrio aí, e isso pra mim é o mais importante”
A Lightfarm parece ser um celeiro de grandes artistas. Mas na questão pessoal, o que a LF mais te ensinou?
“A Lightfarm é acima disso, um grande laboratório de ideias e feedbacks. E o
que a Lightfarm mais me ensinou foi a escutar. Muitos artistas hoje acabam delimitando um pouco seu crescimento na área porque acreditam que já
“estão bons”. Se deixam levar por elogios, e isso é muito perigoso. É legal participar de grupos de arte, mas é importante filtrar o que se lê e o feedback
que se recebe.
Muitas vezes alguém dá uma opinião só para se sentir “inteirado” daquele grupo, mas que pode ser vazia ou totalmente prejudicial ao trabalho de quem está ali expondo sua arte. Na Lightfarm é como se eu estivesse em um grupo de arte, mas com a garantia de que esses feedbacks visam um melhoramento, um aprimoramento, então isso pra mim foi muito importante. E acima de tudo, mostrar que é sim possível trabalhar em um lugar onde todos brincam uns com os outros, e ainda assim existe respeito e profissionalismo”
3 dimensões ou facetas do Moco que muitos não conhecem?
1"A internet parece mostrar o exato oposto, mas na verdade sou muito tímido. Tenho até mesmo algum desconforto em ficar em ambientes em que não conheço ninguém. É claro que isso depende das pessoas, e existem vezes que isso não dura muito e o entrosamento acontece mais naturalmente. Mas se você topar comigo fora da internet e eu parecer muito quieto ou fechado, não quer dizer que te odeio! hahaha, então, perdão de antemão, caso aconteça"
2"Já fui músico, e adoro música clássica. Na verdade, meu gosto musical é bizarro de eclético. Se você colocar Bach pra tocar, vou ficar extremamente feliz. Se você colocar Molejão, vou cantar e rir junto com você. E por aí vai"
3"Sou fascinado por jogos de luta, e até um tempo atrás, tinha o sonho de jogar profissionalmente em campeonatos. Mas é preciso uma dedicação e treino grandes pra que isso seja possível, mas de qualquer forma, não dispenso um bom embate online no Street Fighter V”
O Steam tá cheio de jogos comprados e não jogados ou é mais contido e só compra o que vai jogar?
“Sou daqueles que compra porque:
tá na promoção, vai que o preço aumenta de novo né.
Sem contar os bundles da vida. Então, sim, muitos jogos na lista, a maioria sequer joguei hahaha”
O Brasil tem sido avassalado pela cultura empreendedora “engomadinha” e o “largue tudo para trabalhar com que você ama” . Culturamente sempre fomos,de forma bem própria e incomum, empreendedores. Com todo arcabouço histórico que temos, trabalhar quase sempre foi puramente para pagar as coisas. O amor ou paixão pelo trabalho era relegado a sarjeta. Você que largou uma área para trabalhar com que gosta, como vê isso tudo? “É uma cilada, Bino” ou apenas demanda uma incrível força de vontade?
“Eu tenho uma bronca grande com isso, na verdade, essa galera empreendedora do futuro geração Y meu pau de óculos. A ideia que eles passam é que “o sucesso só depende de você e do seu esforço”. Dae volta ao que eu falei lá em cima, sobre questionar sobre tudo: quem ganha com esse pensamento? Agora mesmo estamos passando por inúmeras discussões sobre como passarão a funcionar as regras de contratação entre empresa e empregador. Imagine só, conseguir mudar as regras para algo desumano, ao mesmo tempo em que multidões de pessoas iludidas com o sonho do sucesso são ensinadas a pensar que “tudo depende de você, e se não dar certo, a culpa é sua por não ter se esforçado”. É só ligar os pontos e entender como gira essa corrente.
Eu, sinceramente, gostaria muito que todos largassem o que estejam fazendo, e passam a fazer aquilo que amam. Mas esse movimento tem seus riscos e tudo pode dar errado, e não necessariamente vai ser por falta de esforço seu.
Eu trabalho na área por talento ou porque estava na hora certa com as pessoas certas? O que seria de mim hoje, como artista, se eu não tivesse entrado na Lightfarm como estagiário? Se o Rafa tivesse dito “não”? Certamente não seria falta de esforço meu, mas sim uma questão de oportunidades. Acredito que os artistas devam trabalhar em conjunto para que essas oportunidades apareçam, no lugar de competirem freneticamente pra ver “quem chega primeiro”, transformando grupos de arte em verdadeiras fogueiras da vaidade. E ao assumir o risco, colocar nessa equação a chance de que que não dê certo, e que você tenha um plano B. E entender que não necessariamente foi falta de esforço seu, e que o mundo gira de uma forma muito mais complexa para que a responsabilidade de tudo que acontece na sua vida seja exclusivamente sua. O inverso também é condenável: fazer trabalhos com pouca qualidade técnica, não ouvir feedbacks e não procurar crescer, achando que alguém, magicamente, vai te dar emprego. Reconheça seu esforço e que existe uma chance de falha, mas tente com vontade. Equilíbrio sempre”
O lado Moco jornalista ainda é desaguado em algum lugar?
“Sim, estou começando a escrever uma série de artigos para o UnHide, a plataforma de ensino criada pelo Milton e Rafa, da Lightfarm. No momento estamos em um estágio meio embrionário, testando coisas e vendo o que funciona e o que não funciona, contando sempre com a ajuda da comunidade. Mas a ideia para o futuro é que eu possa justamente aproveitar esse expertise no jornalismo com a minha experiência hoje como artista”
O que vem a sua cabeça quando você pensa no seu primeiro dia da LF? Achou que o caminho até aqui seria parecido com que foi? Imaginava isso tudo?
“Não imaginava. Na verdade eu tinha muito medo. Sempre tive uma insegurança muito grande nos meus trabalhos, e a falta de experiência acaba potencializando isso. Até hoje eu tenho uma certa resistência em “gostar” das coisas que faço, mas acredito que isso tem suas vantagens, já que me mantém com os pés no chão. Meu primeiro dia foi tenso demais, porque não conhecia ninguém, e não sabia o que esperar daquela jornada. Mas a galera é muito acolhedora, e com o tempo fui percebendo que estava no lugar certo, e principalmente, no lugar que eu precisava estar pra poder crescer”
Uma mensagem do estilo final do episódio do He-man para os leitores!
“No episódio de hoje, vimos que o Moco tinha muita insegurança em conseguir trabalhar como artista na área de CGi. Porém com o apoio de amigos, viu que era possível sim trabalhar com o que gostava, ao se dedicar, manter o foco em seus estudos, e principalmente, ouvindo feedbacks e tentando absorver ao máximo deles. Hoje em dia ele ainda fica meio puto quando precisa refazer metade de uma cena, após a galera chegar à conclusão de que precisa fazer várias mudanças, mas tem aprendido bastante com isso e sabe que esse tipo de retorno é fundamental para o seu crescimento como artista”
Qual pergunta eu não fiz aqui na entrevista, que você gostaria de ter respondido?
“QUAL SEU SOFTWARE FAVORITO CARA? MAYA OU MAX?”
Então, qual seu software favorito, Moco? Maya ou Max?
“Software é ferramenta de trabalho. Assim como uma boa câmera não faz um bom fotógrafo, não vai ser o Maya, Max ou qualquer outro software que vai fazer você ser um bom artista. Concentre-se na técnica, tente entender como as coisas funcionam e principalmente, absorva ideias, não comandos de interface. Seu poder de observação e criatividade são muito mais poderosos que qualquer programa”
Quem diria, deu até tempo pra terminar o render, hein?!
Pra trocar uma idéia com Moco e pra conhecer seus trabalhos dá um pulinho no Behance dele, ou na chama lá no seu perfil do página do facebook.
E obrigado, Pituba!