A espera do Messias

Biologo de Araque
ArtPensante
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4 min readNov 18, 2018

Aviso: Este texto é escrito a pensar na realidade política de Brasil e Moçambique, qualquer semelhança com algum outro país não é mera coincidência.

É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho que não se acharem sujeitos à ação criminal de seu país, exceptuando os indígenas da Ásia, ou da África, que somente mediante autorização do Congresso nacional poderão ser admitidos de acordo com as condições que forem então estipuladas . — Constituição da 1ª República Brasileira, 1890, artigo 1º sobre Imigração.

Nós vivemos em uma sociedade profundamente desigual, se essa desigualdade é algo bom ou mau é algo que pra mim não é motivo de debate, a sociedade é desigual e isso não é bom. Se isso quer dizer que eu quero uma sociedade em que todos sejamos uns robôs iguais que pensam igual? Não não é isso que quero, de diversidade eu gosto, a questão é que eu gostaria que as pessoas tivessem condições de vida iguais. Mas hoje eu queria tentar explicar de onde acho que vem a desigualdade:

Primeiro é preciso aceitar que vivemos em uma sociedade que é de origem europeia, podemos até ter incorporado elementos nativos nelas, mas a base de toda nossa estrutura social é nos fornecida pela nossa história de colonialismo. Não podemos negar isso, uma sociedade tradicional em Moçambique não era estruturada como nós nos estruturamos hoje, nem sequer no meio rural temos algo muito diferente em termos de estrutura ocidental de sociedade. Se aceitamos isso, como é que ela foi estruturada?

O momento importante agora é entender que a sociedade ocidental é introduzida nas colónias num momento em que a estrutura social é radicalmente diferente, não só isso mas não existia quase nenhum respeito pelos processos históricos dos povos cuja terra foi tomada. Então já temos um primeiro momento em que logo de primeira instância o colonizador tem mais direitos como cidadão do que o colonizado. Assim, já começamos a desenhar a nossa sociedade desigual.
Outra coisa que começamos a ver é como certos trabalhos são mais valorizados que outros, a ideia de que trabalhos domésticos e manuais possuem menos valor intrínseco que um trabalho que envolve escrita já nos ajuda a perceber de onde vinha a sociedade que foi implantada nas colonias. Este problema irá originar outros problemas de ordem social mais tarde.

Assim sendo formamos sociedade altamente hierarquizadas desde o nosso início, estas sociedades nunca procuraram um benefício para todas pessoas presentes nelas, o objectivo sempre foi a criação de um lugar melhor para quem detinha o poder, se isso fosse a custa da vida de outros humanos, que assim fosse.

Então o que esta história toda nos diz sobre a construção política dos lugares? Nos diz que antes de mais nada o preconceito de classe existe desde sempre, o que demorou a aparecer foi a consciência de classe, outra coisa que podemos entender é que o preconceito institucionalizado sempre existiu, como a lei citada acima mostra, mas não apenas, só ver até quando a homossexualidade era proibida nos países, ou quando as mulheres obtêm o direito ao voto, todas estas mudanças sociais ocorreram no Século XX já, e foram fruto de acção social intensa e pressão nos legisladores para que ocorressem. E não se enganem menos direitos na lei também implica em menos direitos económicos. E isso é um factor crucial para entender que a consciência de classe também é uma consciência de identidade. Porque é preciso entender como certas identidades foram negligenciadas pelo estado e com isso eu incluo o período colónia sim, porque é o período quando a potência estrangeira se importou mais com as colónias. Mas eles se importarem não significa algo bom, pois por natureza tanto um governo monárquico como um ditatorial são inerentemente exploratórios, a preocupação de qualquer um deles é antes de mais nada a manutenção da ordem social estabelecida e não uma mudança social que traga melhores condições de vida para todas pessoas no país. Isto é importante porque nos mostra que tudo que se conheceu na maioria dos países no mundo, por muito tempo, foi um sistema de economia focado na exploração, alguém precisa ser explorado para outro se beneficiar. E isso foi o alicerce da economia no terceiro mundo por séculos.

Agora que venho para a minha conclusão e teoria final sobre o que constrói uma mentalidade política problemática em pelo menos Moçambique e Brasil, nós ainda estamos a espera de um messias político, um salvador, por motivos de que a maioria das pessoas não entende o papel do presidente de um país e também que o sistema político parece desenhado para ser complicado (também não ajuda que ao contrário do império romano, agora aulas sobre o sistema político na escola são totalmente inexistentes). Isso leva a que a maioria das pessoas creia que eleger uma pessoa apenas é o suficiente para resolver todos os problemas, não apenas isso mas ficamos a espera que essa pessoa vá resolver todos problemas com soluções simples e rápidas, nós não queremos alguém que nos diga que nossos problemas são estruturais e culturais e que precisamos de mudança radical, queremos viver a mesma vida só que sem criminalidade e sem corrupção mas sem admitirmos que precisamos nós mesmos ter um papel mais activo politicamente, um papel que vá além da política eleitoral, se continuarmos a espera de um messias político vamos continuar no mesmo país problemático, corrupto e com problemas de criminalidade. A sociedade precisa acordar para o facto de que a sua vida inteira é um ato político. Se omitir em situações de injustiça é ficar do lado do opressor.

Algumas leituras que me ajudaram a escrever isto:
Entrada na enciclopédia de filosofia da Universidade de Stanford sobre colonialismo.
As teorias básicas sobre o valor do trabalho numa era capitalista
— Sobre hierarquias: 1) Civilização e Hierarquia vão de mão em mão , 2) A ascensão da hierarquia.
Exploração colonial e desenvolvimento económico das potências coloniais
Sobre o Complexo de Messias

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Biologo de Araque
ArtPensante

Estudante de Conservação e Educação, escrevo pequenos textos em inglês e português para ver como relacionar esses temas com a economia e um novo modelo de mundo