Biólogos podem ser uma importante ameaça para a Biodiversidade

Biologo de Araque
ArtPensante
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4 min readMar 28, 2017

Recentemente, vi o filme Animais Fantásticos e onde habitam, desde pequeno que sempre fui fã de Harry Potter, na verdade lia os livros no primeiro dia que chegavam a Maputo (dizer que lia quando saiam é um exagero, não existe isso em Moçambique). Enfim, onde quero chegar é que nunca tinha lido o livro sobre o filme em questão e sinceramente acho que não faria diferença para a minha experiência com o filme. Se o filme é sobre o processo de escrever o livro, na verdade pela primeira vez fiquei curioso por um filme que conta mais que o livro. Novidades chegam a todos momentos não?

Enfim, lá estava eu, sozinho e quieto no meu sistema de ver filme quando sozinho (com comida na cama e prestando bem menos atenção do que deveria) vendo um filme ostensivamente sobre alguém da minha profissão, Newt Scamander é um magizoólogo afinal de tudo ( que nada mais é do que um zoológo pra criaturas mágicas e imaginadas por alguém com muita criatividade.

E em um momento me deparo com uma cena: Esta

Para quem não viu ou não se lembra, no gif, o que vemos é um graphorn, (agora vem spoilers minímos do filme) uma espécie com apenas 2 indíviduos reprodutores sobrando. Neste momento gostaria de lembrar que o filme se passa na decáda de 30 do século XX.

Newt Scamander diz para seu amigo muggle então: Este é o último par deles capazes de se reproduzir, é minha obrigação deixar eles felizes e com muito filhos para “salvar” a espécie.

Tristemente para mim, essa frase ativou outra frase que oiço muito de um professor meu: “Biólogos podem ser uma importante ameaça a biodiversidade”

Bom, porquê isso me veio a cabeça? — vocês me perguntam.

Pois bem o que precisamos saber primeiro é como a autora do universos e as pessoas que escrevem junto com ela abordaram o resultado dessa intervenção. Em escritos posteriores é nos informado que os Graphorn conseguiram recuperar tão bem a população que havia relatos em 2020 (no Harry Potter e a Criança Amaldiçoada é mencionado que trolls da montanha na Bulgária usam os graphorn como montaria. Então se um grupo de trolls já se dá ao luxo de usa-los como montaria é porque a espécie se recuperou o suficiente para ter montaria.

Neste momento devo fazer um aparte:

Não nos é informado no filme ou em nenhum lugar quantos filhotes o casal em questão teve. Nem nos é informado o tempo de vida dos indivíduos da espécie. Então sim é possível argumentar que são apenas os filhos daquele casal que estão vivos e eles tiveram muitos filhos. Mas não sabemos se em algum momento Newt libera os seus graphorn e onde ele faz isso e de qualquer maneira mamíferos com o tamanhos deste não costumam ter muitos filhos até pelo tempo longo de gestação que costumam ter. Então estou aqui puramente conjecturando, avanço aqui que é possível que se descubram mais indíviduos da espécie nos próximos filmes. Porém o que vem a seguir é a minha teoria de porquê isso não vai acontecer e de como de certa forma isso é culpa de muito biólogos pelo mundo.

Enfim após este aparte mais biológico, voltemos a nossa ideia de que pessoas da minha profissão podem ser ameaças a biodiversidade…por mais contraintuitivo que isso possa parecer. Bom, devo avançar que vou abordar apenas um detalhe dessa teoria que é a ideia de que nós humanos somos os salvadores da natureza e que é possível corrigir todas porcarias que fazemos. E a pior parte: nós biólogos nos vendemos como os proponentes dessa salvação. Os conhecedores de toda natureza e que sabem como resolver todos problemas.
Pois bem, não só eu acho isso um problema como acho um problema no filme o personagem que para todos própositos é um biólogo (magizoólogo como queiram) se propõe a retirar o último casal de uma espécie de seu habitat e os deixar num espaço que simpode ser melhor que um zoológico mas não passa de um simulacro do todo ecossistema onde eles viviam. Tudo isso porque como o próprio personagem diz no filme: “ O animal mais perigoso é aquele que vive lá fora” se referindo a nós mesmos. É essa a imagem que vendemos de nós mesmos de certa forma. Selvagens incorrigiveis que não precisam aprender a respeitar a natureza porque os biólogos estarão lá para resolver o problema e salvar as espécies. E em todo caso sempre é possível manter as espécies vivas em cativeiro. A gente também gosta de viver em cativeiro né. Até trabalhamos nuns. Mas não creio que seja uma boa solução para outros animais. Enfim passemos para a vida real. Quantos exemplos não vemos de biólogos que que apenas querem salvar espécies em estado incrível de ameaça para poderem ser heróis? Quantas vezes não acreditamos que tudo que fazemos pode ser revertido? Vivemos num estado permanente de gasto, energético e de comida. Pois sempre acreditamos na nossa ciência, naquela coisa de que a nossa biodiversidade será sempre permanente e que sempre teremos como resgatar ela. É isso que vendemos e quando num filme que certamente milhões de pessoas vão ver pelo mundo, eu vejo o quanto essa mensagem já se espalhou e o quanto a sociedade em geral crê que é possível recuperar as espécies de qualquer buraco em que a gente bote elas. Talvez uma mensagem mais segura seria dizer que a espécie não tem salvação. Sim, é triste mas também é mais verídico. Conservação e preservação da natureza são disciplinas tristes. É triste ver espécies desaparecendo todos dias, é deprimente saber que muito provavelmente o resultado final de tudo isso é o final da tua espécie. E o mais triste é que sabendo tudo isso, o grupo de pessoas que mais têm capacidade para mudar isso ainda consegue errar de tantas formas cruciais.

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Biologo de Araque
ArtPensante

Estudante de Conservação e Educação, escrevo pequenos textos em inglês e português para ver como relacionar esses temas com a economia e um novo modelo de mundo