Tráfico
Acordei, Procurei por meu amor
Não estava ao meu lado na cama
Desolado, Gritei pelo seu nome,
Levantei e sai da palhota, De medo senti um tremor
Perguntei por toda aldeia
“Levaram seu amor na calada da noite”
“Quem? Quem levou?” Desesperei
Alguém tinha que ter uma ideia
Algo que me permitisse reencontrar
“ Eu sei quem levou” uma criança me disse
“ Quem Quem levou?” Repeti
“Foram os brancos. Num barco de madeira e pano levaram teu amor.
Pra onde não sei. Pra onde não sabemos.
Nos primeiros dias, me perdi
Chorei e desisti
Não sabia pra onde ir, abandonei
A aldeia e o meu povo, sem meu amor não havia como viver.
Meu objetivo agora era procurar ela, encontrar ela.
A Zanzibar eu fui, a língua não sabia falar
Mas não interessava, queria mesmo ser vendido
Procurei um árabe, nao sairia dali desiludido
Sabia um pouco da sua lingua, e ele começou a especular
Quanto poderia ganhar, com meu corpo
Pedi apenas um favor a ele
Que a meu amor me juntasse, me vendesse ao mesmo branco
Arrepiada, estava minha pele, quando vi os olhos crueis
Na cara daquele europeu, com seus humores instavéis
O árabe cumpriu sua promessa, ou gostaria de acreditar que cumpriu
O branco vivia em Zanzibar e me prometeu vender ao mesmo barco
Onde meu amor fora presa e levada, para longe.
No dia de partir, em que entrava na minha escravidão voluntária
O árabe estava no porto, quando entrava, com minha vida em amarras
Num canto do olho vi o árabe gesticulando freneticamente, o branco contando moedas
Não tive tempo de ver mais nada, empurrado para dentro fui, onde nunca mais teria liberdade.
Balança
Balança o barco
Esfomeados, sem entender as línguas uns dos outros
Unidos apenas pela cor da nossa pele
Assustados, para onde íamos?
Será que algum dia veríamos?
Nossas casas, nossas machambas, nossa terra.
Desembarque, mercado da carne negra
Expostos, nus, Por essa gente não-integra
Agarrados, apalpados, sem perceber
O que querem ver em nossos corpos
O que querem de nós?
Assustados estou, a anos que não vejo meu amor, mas não vou desistir de procurar.
Nunca na minha vida vira tanto daquela planta
Já vira ela no mato perto de casa
Mas ali parecia não acabar, Era um deserto verde que desencanta
Na noite nos reuniamos em volta da brasa.
Mas ninguém parecia saber minha língua
Parecia feito de propósito
Como que acharia meu amor? Nao havia tregua
Naquele lugar de trabalho sem proposito
Só aprendi que se chamava café
Aquela planta que nos obrigavam a colher todo ano
Procurava meios de fugir daquele lugar draconiano
Mas a cada safra, perdia fé
Um dia me falaram: Existe um lugar
Pra onde vários velhos amigos fugiram, onde não podem nos obrigar
A trabalhar incansavelmente.
Última chama de esperança se acendeu
Planejamos a cada noite, progressivamente
Se delineou a ideia, todas cicatrizes seriam parte de passado.
Acordei, hoje era o dia que desapareceria
Levantei e procurei os caminhos delineados
Trabalhei com uma energia que a anos não tinha
Coletei todo café e me escondi num arbusto. Esperei
Meu parceiro de fuga veio. Fugimos.
Não demorou para darem por nossa falta
Capitão do mato e senhor
Prontos para nos trazer de volta
Pra fazerem aquilo que sabem melhor
Torturar
Corríamos, por matos, desconhecidos para eles.
Para nós estudados, sabíamos, por onde subir
E onde virar, ouvíamos latidos e pensamos
Voltar hoje não dá. Não iríamos sucumbir.
Senti algo a prender a minha perna
Seria a idade?
Era uma mordida. Miséria eterna
Fomos encontrados. E agora que fazer?
Meu parceiro voltou e me libertou
Lutamos e eu sangrava, muito
Um movimento súbito
Uma terceira pessoa, da nossa cor
Era velho e cheirava a licor
Mas assumiu a luta sem hesitação
Meu parceiro me carregou, sem reclamação
Chegamos ao quilombo
Nos receberam e foram nos ajudar
Mas eu já perdera muito sangue
Procurei meu amor, era minha última esperança
Não encontrei, a verdade é que nunca iria encontrar.
Me libertar das correntes foi minha última acção
Mas morri sozinho e triste, tal como vivi.