Não quero mais relações

Dayane Kelly
As crônicas de uma Lady quase adulta
3 min readApr 7, 2020

Já se passaram vários dias de quarentena. Como eu me sinto? Mal, claro. Estou trancada dentro de casa. Normalmente passo o dia todo fora, trabalhando ou estudando. Só chego para dormir. E quando fico o dia todo em casa, isso está muito relacionado a minha depressão. Acho que meu corpo entendeu que isso é uma via de mão dupla, então por eu estar sempre em casa, preciso ficar depressiva.

Sobre estar depressiva, não é necessário esse esforço todo da quarentena. O dia a dia normal já me deixa depressiva. Conviver com pessoas me deixa depressiva. O problema de estar depressiva agora é: todo mundo está em casa junto. Minha mãe, meu pai, meus irmãos. Então eles ficam me catucando psicologicamente falando. Olham-me estranho, perguntam o tempo todo se estou bem, me tratam de uma forma diferente, passam o dia tentando chamar minha atenção. É difícil lidar com pessoas nesses dias.

Quando a quarentena passar, acho que vou procurar uma nova psicóloga e começar uma terapia do zero. Acredito que minha vida mudou demais e já não me reconheço em mim. Não quero mais ver as pessoas que eu via ou tinha contato. Não quero me colocar em situação de ter relações com as pessoas. Quero que minha vida pareça bastante com minha sala de aula: eu sempre sozinha e cada um com seus grupos. Eu fazendo trabalhos sozinha, sem amigos para conversar no intervalo ou durante a aula.

Quero lidar sozinha com minhas crises e problemas. Não quero mais ter relações sexuais. Não quero romance. Não quero amizades nem conversas no WhatsApp. Quero só ir à faculdade, depois ir ao trabalho e chegar a casa e dormir. Não compartilhar nada. Quando você compartilha, isso machuca. Para que dividir com alguém que lhe dói algo relacionado a estupro, abuso ou assédio? Ninguém está nem aí para sua dor. E vão ter filmes que tratam disso, livros que tratam disso, amigos que vão falar disso sem nem se tocar o quanto te afeta. E você vai passar dias se achando um nojo e achando que não merece amor.

Será que existe isso de merecer amor? Ninguém merece essa merda porque essa merda nunca é boa. Eu tenho dedo podre ou todos os homens são podres? Por que eles terminam e me fodem mas aparecem quando querem porque sentem alguma necessidade que só eu posso suprir na vida deles? Mandam-me sumir da vida deles mas ficam me seguindo em redes sociais e curtindo minhas coisas para chamar atenção. São agressivos e abusivos comigo e depois me procuram para desabafar ou pedir conselhos porque acham que eu sou boa nisso. Eu sou boa para tudo menos ser amada de verdade. Ligam-me porque só eu sou a «deusa do sexo». Que sexo? Aquele que não consigo fazer hoje em dia sem passar dias mal? Aquele que não me dá mais nenhum prazer?

Tenho novas prioridades. Terminar minha faculdade e voltar a morar sozinha. Reconstruir toda minha vida novamente. Morar em um lugar que nunca mais alguém me visite. E a vida ajuda nisso, porque nos torna tão ocupados que não temos tempo para os outros. Não quero mais costurar para fora. Não vou aceitar mais encomendas. Quero continuar costurando, mas só por hobby. Nada de ter que lidar com pessoas desconhecidas e tal. Vou voltar a pintar para expressar o que sinto. E quero ficar sozinha.

Bem, acho que quero agradecer a todos que passaram pela minha vida (quase todos, não agradeço aos homens que acabaram comigo). Foi bom e espero que eu tenha sido útil mas acabou. Cansei disso de ter que atender pessoas, responder mensagens… No momento que mais preciso de carinho ou ajuda, as pessoas estão ocupadas ou dormindo. E não é culpa delas. Mas preciso então fazer sozinha. E já dá um puta trabalho cuidar de mim e da doença, não me sobra tempo de estar disponível ao outro. Então essa é uma declaração egoista minha assumindo que serei egoista porque não aguento mais ser «disponível».

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Dayane Kelly
As crônicas de uma Lady quase adulta

Figurinista. A doida dos wearables. Pintora nas horas vagas. Dona da Loja BREGUESSO.