Cecília

Camila Yallouz
As crianças que me habitam
2 min readAug 31, 2017

Como não podia ser por acaso, Cecília e eu nascemos do mesmo ventre… Eu já dava a volta no Sol pela décima vez, quando mamãe me disse que escolhesse seu nome. Soube logo o porquê quando vi seus olhos pequenos e puxados pros lados, bem diferentes dos meus. Olhos de "Cecília", aquela que, pela falta de visão, sente com a pele, com a alma, e enxerga além do mundo dos homens. Pele de um corpo tão pequeno que eu sentia ser tão mais velho que o meu. Pele sendo a única parte parecida entre nós duas que mudamos de cor com o Sol vindo do oriente.

Eu levava Cecília pela mão e a gente desbravava a mesma praça, os mesmos besouros e a mesma terra, quase todos os dias. Olhos de Cecília viam tudo pela primeira vez, repetidamente, enquanto era ela quem me levava pela mão… Cecília subia pelos vãos das portas como quem diz que a casa não com-porta mais, e eu saía de casa já muito cansada dos muros…

Morri de saudades dos seus olhos…

Com a pele que ela me ensinou a ter, tento acompanhar Cecília de longe… Sei que já deu a volta no Sol pela décima quinta vez e foi viajar, pra pular seus próprios muros… Como não podia ser diferente, Cecília se encantou por eles, achou cores lindas e virou uma das pinturas. Eu que sempre fugi dos muros, aprendi a encontrá-la em todos eles.

Mas um dia desses seus olhos me procuraram cheios de água… Tinha encontrado um cimento frio demais. Me contou que estava entre quatro paredes durante todo o dia, não podia falar com ninguém, nem pintar, nem virar pintura. Disse pra ela que chamavam isso de "escola" e fiquei preocupada com o seu olhar. Disse que dava pra pular e que não era só a pele nossa parecida; as pernas também eram compridas iguais.

Quis trazer Cecília no colo, mas seu corpo pequeno já era maior que o meu. De vez em quando olho pras minhas pernas e lembro de Cecília, esperando que ela vire pintura e apareça do lado de cá.

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