Borboletas, moinhos, cientistas e até pianos

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
2 min readMar 13, 2017

Um pianista de barbas longas e brancas como os cabelos. Um homem com mais de cinquenta e menos de cem anos, a quem imaginamos uns dedos longos de pianista. O pianista a quem imaginamos que os dedos sejam capazes de coisas incríveis porque está no livro dos recordes por conta de tocar piano muito depressa.

Quando entrei na sala ele já falava. Não percebi de onde vinha tudo aquilo. Acusava a ciência de qualquer coisa, retive, à força da insistência, uma pergunta

— Porque é que algumas coisas são tão raras, como o ouro, e outras tão vulgares, como a pedra?

Quando ele começou a tocar já não era o mesmo pianista que me habituei a ouvir nos discos que ele próprio gravou, a figura palavrosa e esguia recortada pela luz em contraste com as cortinas escuras do palco tinha contaminado a sua própria música. Tosco e atrasado para a fila na bilheteira comprei um bilhete para o lado errado da sala e nem lhe pude ver as mãos a tocar no piano. Permanecerá em mim o mistério dos dedos velozes que se gabavam da invenção da “música contínua”.

Mais uma interrupção entre músicas contínuas e mais uma história: um dia estava num hotel enorme, com um átrio enorme, com um piano

(não me lembro se o raio do piano também era enorme)

abandonado. Como gosto muito de pianos sentei-me para tocar no piano. Os adultos desocupados a vaguearem no átrio deram-me tanta atenção como teriam dado a alguém que aspirasse a carpete. Até que algumas crianças que brincavam por ali perto vieram sentar-se junto a mim a ouvir-me tocar. Talvez nem gostassem da música que eu tocava, só do piano e de como é maravilhoso o seu cantar.

Esta história introduziu uma música com nome de borboleta do incrível pianista e compositor Lubomyr Melnyk, no concerto de aniversário da Rádio Universidade de Coimbra. Além desta história lembro-me bem de pelo menos uma outra, que não vou contar, uma história com ventos, tempestades poderosas e moinhos

Gosto muito de histórias e dos seus contadores mas por vezes, até eu me dou conta, do quão chato podem ser um bom contador de histórias e as suas histórias, mesmo bem contadas, se estiverem a ocupar o silêncio, que pertencia à música, por exemplo.

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