Cacio, Pepe e Massimo

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
2 min readFeb 2, 2016

Em 2012 um tremor de terra sacudiu a região de Emilia-Romagna no norte de Itália. Uma vibração inesperada que fez deslizar das prateleiras qualquer coisa como um milhar de queijos Parmigiano Reggiano que aguardavam, sem pressas, a cura perfeita, o ponto de sabor doce e picante que tornou famosas as queijarias da região.

Manda o saber-fazer da região que estas rodas gigantes de queijo parmesão não sejam abertas, nem para provar, até que a cura esteja terminada. Um veredito exclusivo dos mestres que batem na casca grossa do queijo com o cabo de uma faca à espera do eco de um queijo perfeito.

Naquele dia de Maio toda esta delicada economia perdida das pressas eficientes dos supermercados e hipermercados ficou ameaçada. Se tivessem sido deitados ao lixo o mais provável é que fossem os últimos daquela queijaria familiar.

Uma tragédia interrompida por um herói improvável. Massimo Bottura, o cozinheiro italiano que hoje tem rendidos aos seus encantos o mundo e os guias de restaurantes que atribuem estrelas e classificações; concursos de televisão incluídos. Ele que conhece bem o risco de fechar um negócio depois de anos em que a imprensa e os vizinhos concordavam que as suas receitas desrespeitavam a tradição italiana. Magro e louco estão entre os mimos mais gentis com que legendaram as fotografias do cozinheiro com os seus pratos.

Admirador confesso daquela queijaria, Massimo, correu para a cozinha com alguns dos queijos amolgados e saiu de lá com uma receita que se tornou mundialmente famosa em poucas semanas: o Risotto Cacio e Pepe.

Uma receita sem apego ao cánone culinário da região que usava o queijo errada com o arroz certo e que vendeu todos os queijos que tinham caído das prateleiras durante o terramoto.

– Uma questão de justiça

diz.

Um feito só alcance dos livres e apaixonados. Sem liberdade não se pode olhar para queijos caídos no chão e pensar numa receita de arroz malandrinho. Sem amor não se pode sofrer o bastante para transformar essa ideia numa receita que a tradição mandou nunca usar assim.

Nesta fotografia está uma outra receita de Massimo Bottura que, imagine-se, começou com um acidente e acabou famosa em todo o mundo.

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