Cidade pequena

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
3 min readFeb 9, 2015

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Acho que só tive coragem de escrever as próximas linhas porque nas últimas semanas fui lendo o que escreveram outros sobre aquela noite de Verão em 2003. Verdade seja dita parte de mim duvidava que o Lou Reed alguma vez tivesse cantado

— When you’re growing up in a small town

no Jardim da Sereia.

A hipótese de nessa noite ter estado em palco um mestre de Tai Chi e de se ter ouvido a voz de Antony Hegarty permanece para mim estapafúrdia.

Nessa noite cheguei ao terceiro piso do primeiro edifício da Rua Padre António Vieira pouco depois de jantar e, como de costume naquela altura do ano, trazia comigo as coisas para estudar. A passagem pela Rádio tinha uma intenção vagamente consciente de encontrar alguém que me impedisse de ir para as cantinas passar a noite a fazer tempo para o próximo cigarro. Às vezes resultava, outras vezes lá ia eu passar a noite naquilo de quase estudar num sítio frio e desconfortável e cheio de gente.

Nessa noite de Julho e sem que eu estivesse à espera alguém ditou o resto da minha noite de uma forma inesperada.

— Puto queres ir ver o Lou Reed?

Não me lembro quem me ofereceu o bilhete nem me lembro porque é que levei comigo o dossier que podia ter ficado ali. Mas lá fui. Atravessei a praça com a tralha de estudar, sozinho, e de bilhete na mão. Entrei. Fui até ao meu lugar ou ao lugar que arranjei e quando percebi que ia ver o concerto sentadinho e rodeado de desconhecidos fui buscar duas cervejas.

(podia servir na Sibéria pela convicção de que foram duas e que pousei uma de cada lado ao sentar-me)

O senhor Reed apareceu nessa noite muito mais senhor do que eu poderia esperar se tivesse tido oportunidade de esperar fosse o que fosse. Com ele trazia os poemas do Poe, a mão-cheia de músicas conhecidas que o público exige sempre nestas circunstância para dar o bilhete por bem comprado e uma serenidade e um naipe de músicos excessivo para a circunstância. Mestres de Tai-Chi, vozes divinas, poesia oitocentista e a viola tocada com rigor não pareciam toleráveis para quase ninguém à minha volta que reclamavam que o velho Lou estava velho, enquanto eu lutava com a cadeira de esplanada a que chamaram lugar sentado naquela noite. Entre estes desiludidos podiam estar alguns dos jornalistas que nos dias seguintes declararam o homem velho e acabado. E o nosso Jardim da Sereia pouco próprio para um concerto deste gabarito por culpa da água da fonte que se ouvia durante as músicas.

— there is only one good use for a small town

Coimbra nunca me vai enganar. Nunca vai dar ares de ter tudo o que há. Não é por falta de um Starbucks que não posso inventar um nome diferente todas as manhãs para escrever no copo do café é porque quem me serve o café não vai desaparecer na multidão no fim do dia e pode até ter lido este artigo antes de eu chegar para pedir

— um abatanado a meia chávena por favor.

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