Falando de mapas

Estar distraído e em viagem e sozinho é depender da sorte ainda mais do que o habitual depender da sorte. Sei isto muitas vezes, não necessariamente muito bem.

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra

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Uma das vezes, calhou-me a pouca sorte de marcar um dia de trabalho num escritório, onde só vou a cada muitos meses, num dia de feriado local (não se pode saber tudo, dirão por generosidade) e obviamente acabar por não ir a escritório nenhum porque cada uma das pessoas que ali devia estar estavam e muito bem nas suas vidas locais em dia de feriado. Com o dia livre e sem paciência para mais esplanadas fui parar a um balcão de informações à porta do Museo Reina Sofia onde como eu outros turistas acidentais e distraídos procuravam o que fazer na cidade de tantos museus num dia em que todos estavam fechados. Talvez por não ter muito mais o que fazer, ou por não ter com quem sussurrar, não me incomodaram nem os espertos que passavam à frente, nem os chatos que se entretinham a dizer mal disto-que-não-pode-ser. Com uma pequena excepção de metro e meio, ou pouco mas que isso, e uma voz reclamante muito aguda debaixo das raízes brancas de onde abria o cabelo naquela cor a meio caminho entre o feno e o bronze que falava para mim num inglês mais internacional que compreensível e presumindo que nos uniam laços de sofisticação incompatíveis com aquele museu de portas fechadas.

Se a entendi, que não entendi, ela queria um mapa e a rapariga que ía atendendo na sua vez cada uma de nós não lhe dava o mapa.

- Tens que esperar.

Quando cheguei ao balcão lá estava a rapariga e os seus mapas em bloco como as resmas de papeis que em tempos ocupavam as secretárias com o calendário do ano corrente e muito espaço para anotar números de telefone e desenhar espirais de gastar caneta para entreter a espera. O *kit* de ferramentas dela era tão sucinto quanto preciso. Um computador com umas quantas páginas de museus e transportes da cidade já abertas, um telefone, uma caneta azul e resma de mapas de papel.

A nossa conversa sucinta serviu para saber se o Matadero estava aberto, num telefonema que ela fez prontamente, para listar os autocarros com que podia substituir o Metro em greve no dia seguinte e para ela ir desenhando no mapa o percurso que eu havia de me perder a fazer nas horas seguintes.

Terminada a conversa, que quem visse sem entender a língua podia achar que tinha sido uma negociação cordial, a rapariga de que não soube o nome rasgou o mapa onde tinha traçado os percursos e anotado os horários e os números de telefone, dobrou-o até caber num bolso e ter visível o nome da cidade de Madrid e uma publicidade a um banco e desejou-me um bom dia, olhando já por cima do meu ombro para o próximo mapa que ía desenhar.

Um destes dias fui buscar um mapa ao posto de Turismo de Coimbra e pediram-me dinheiro por um mapa já dobrado e num papel brilhante onde não se consegue riscar. Lembrei-me da pequena mulher de voz aguda e reclamante e como ela teria saído satisfeita deste Posto de Turismo onde não era preciso fazer fila e rapidamente se conseguia um mapa e fui-me embora a pensar em como imprimir um mapa para riscar o passeio.

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