O Arquipélago

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
3 min readOct 14, 2015

Estou há quase uma semana na ilha de São Miguel entretido a derrotar o meu próprio plano. Eu que só queria encontrar um sítio onde jantar todos os dias e deixar que esse ritual organizasse a preguiça. Sem procurar muito vou encontrando de tudo um pouco o tempo todo. Incluindo as prometidas 4 estações do ano num só dia.

Ainda assim quis cumprir com o costume de nas viagens ir aos museus, teatros e afins. Às vezes isto sai-me com muita naturalidade. Desta vez precisei de um bocadinho daquele velho afinco de querer conhecer para ir à procura do “Centro de Artes Contemporâneas, Arquipélago”.

Não estando em 1925 devo ter visto tantas placas para esse Centro de Artes na Ribeira Grande como o Raul Brandão, quando ali passou a caminho das plantações de chá da Gorreana (registando tudo num belo livro que me tem feito companhia).

Tenho a meu favor este moderníssimo telefone de onde agora escrevo. Uma máquina de encontrar, tão eficaz, que ainda ontem me fez encontrado por um amigo em Ponta Delgada, sem que nos imaginássemos por aqui.

Pesquisando, encontrei um site em construção, notícias da inauguração e uma fotografia da silhueta do edifício visto do mar. Imponente como mandam as regras desta época. Com uma frontaria que derrota a linha de telhados do casario, ousando o que só era permitido às igrejas.

Foi por essa fotografia que o encontrámos

— é ali, é aquele, olha, igualzinho à fotografia.

Um dedo esborrachado na janela do carro e a outra mão a levantar o telefone com uma fotografia que comprova a taxionomia do achado.

Paramos o carro a poucos passos do muro de pedra onde um imponente portão cinzento fecha a entrada junto às letras douradas com o nome da instituição. E nem mais uma palavra. Perto dali apenas a placa do costume com informação relativa à proveniência do dinheiro para as obras.

Abandonados à sorte e à chuva, fizemos o que se impõe perante a afronta, divertindo-nos como miúdos à procura da porta até a encontrarmos no quarteirão seguinte entre outras portas e garagens.

O museu abriu em maio e não tem agora nada para ver a não ser o próprio museu e a montagem da próxima exposição. Por cinco euros levam-nos pelo edifício explicando que não é um museu mas um “Centro de Artes Contemporâneas” e “por isso não tem exposição permanente” mas espaço para tudo e condições para receber as melhores propostas que hão-de chegar.

Isto podia ter sido tudo muito frustrante não fosse o entusiasmo do nosso anfitrião

(com aquele amor às coisas pode-se tudo)

e a última estação do périplo. Uma sala negra onde a plateia e o palco são um só chão de madeira negra. Sendo um dos arquitetos deste lugar o João Mendes Ribeiro não me devia surpreender o profundo conhecimento

(e amor às coisas)

da maquinaria de teatro que a luz revela com imaculada precisão naquela sala preta. Fiquei um bocado a vaguear por lá, descrevendo curvas de avião de papel com o telefone para filmar o percurso das cordas pela parede da sala até ao teto onde suportam uma densa teia de varas, numa versão discretamente moderna dos teatros mais antigos, construídos por carpinteiros navais.

(Confissão da batota: limpei de resmunguices a última revisão desta história, sabendo que ainda me restam mais uns dias de mergulhos no mar e longas digestões pelos prados verdes, partilhados com mais vacas que pessoas.)

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