O Violoncelista do Panamá

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
2 min readApr 12, 2016

Estes dias trouxeram à luz do mundo, que a televisão reconhecidamente é, um artista cuja carreira me era, confesso, totalmente desconhecida. Em boa parte ainda é. Haverá mais artistas que eu não conheço e entre estes, não desfazendo, a maioria não me interessa mesmo saber quem são. A vida não tem tempo para tudo, muito menos para todos, vai-se aprendendo.

Porém, este artista traz pregaminhos raros que merecem estudo. Trata-se de um executante do instrumento violoncelo que acumulou uma fortuna pessoal que em teoria lhe permite comprar casa entre o Ronaldo e outro riquíssimo, à escolha.

Só que não. Não comprou casa para além de um apartamento de três-quatro quartos e uma vulgar casa de férias em Igora, perto dos amigos de juventude. Em entrevista a um jornal americano em 2014 não teve problemas em declarar o seu parco património

– não tenho milhões.

Esta semana ficámos a saber que o Sergei Roldugin

(tinha-me esquecido das apresentações, desculpem)

é afinal gestor de um património que em rigor não pode ser contado por milhões, é coisa para, pelo menos, bilhões. Tudo documentado e arquivado numa empresa de advocacia com sede no Panamá,

– o sítio para se estar.

Foi um tal de Fonseca quem disse esta frase nos anos 70 antes de fundar a tal firma. Qual cartaz no aeroporto, esta frase e quem a disse foram o cartão de visita do Panamá durante anos e anos e anos, alguns que já passaram, outros que hão-de vir.

De volta à economia criativa. O violoncelista cujo património deixou agora a penumbra da discrição, é, sabe-se também, amigo de juventude do senhor presidente Vladimir Putin. Amigo mesmo, padrinho dos filhos e tudo. Não digo isto por dizer mas porque me permite inserir ambos no âmbito das vantagens da vida cultural. Reza a história que conheceram o amor das mulheres com quem estão ainda casados numa ida ao teatro a 4. Não é mais que especulação dizer que algum destes homens e mulheres poderia ser hoje tão feliz como é não tendo ido naquela noite ao teatro.

(daqui cada um toma as suas conclusões)

Confesso que para além deste registo de duvidosa franqueza não consigo ajudar muito com o que nesta história há de misterioso. E é bastante. Por estes dias tenho cada vez menos certeza dos meus dotes de entendimento da economia criativa. Digo-vos só o que direi a um amigo, ao nível dos poucos que convidaria para padrinho

– vai ao teatro com a mulher que amas e inscreve o puto no conservatório para aprender violoncelo.

Mal não fará.

“The Cellist” John Bradley 1832

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