Samba da Tristeza

Alexandre Lemos
Histórias para o Diário de Coimbra
2 min readJun 22, 2016

– Empregados de restaurante de rodízio, felizes e contentes, que sabem tocar pandeiro. É isso que a gente é para vocês.

E, ai da gente se sai um dia mau aí

ou uma notória desabilidade rítmica. Acrescento eu à lista de equívocos dela. Aquela rapariga que juntava a louça de cada dia, cuidadosamente no lava-louça para poder lavar na manhã do dia seguinte, num ritual de preparação para o dia, que era para ela o que para alguns são os alongamentos de uma saudação ao sol, e para outros, o café e o jornal. De resto tão parecida comigo como a vizinha da frente.

Nascida no Brasil e com os devidos documentos de identificação chegou a Lisboa sem nunca ter provado o tal do rodízio e tão desabilitada como eu para grelhar devidamente aquele carrossel de carnes e ananás. Vinha preparada para dançar os mais diversos assuntos sem olhar à sua tristeza quando foi surpreendida por esta nossa expetativa de a encontrar sempre feliz e contente.

Consigo imaginá-la a esticar-se sobre a perna protegida por uma meia de lã num dia frio a ouvir-me ler esta história

– Ui. Você inventa.

Eu invento. Ai, só não invento mais porque não consigo. Faço disso ofício, mas deixem-me que vos diga: vocês também. Em rigor, não há forma de distinguir o sorriso falso dos torneiros-mecânicos, diplomatas e condutores de Uber; da mesma expressão nos malabaristas, escritores e músicos.

Vivemos todos espantados com a qualidade da nossa invenção. Todos, sem exceção, somos vítimas diárias de uma inesperada predestinação teatral quando sorrimos sem razão para isso.

– Tudo bem?

– Tudo.

Sabemos o texto tão bem, dizemo-lo com tanta convicção que quem quer acreditar acredita. Contando com a devida disponibilidade do público somos todos artistas do fingimento. O resto é métrica e fôlego.

Esta história foi publicada no Diário de Coimbra 20 de Junho de 2016. A fotografia é desse jornal, com um leve toque de café entornado.

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