Samba da Tristeza
– Empregados de restaurante de rodízio, felizes e contentes, que sabem tocar pandeiro. É isso que a gente é para vocês.
E, ai da gente se sai um dia mau aí
ou uma notória desabilidade rítmica. Acrescento eu à lista de equívocos dela. Aquela rapariga que juntava a louça de cada dia, cuidadosamente no lava-louça para poder lavar na manhã do dia seguinte, num ritual de preparação para o dia, que era para ela o que para alguns são os alongamentos de uma saudação ao sol, e para outros, o café e o jornal. De resto tão parecida comigo como a vizinha da frente.
Nascida no Brasil e com os devidos documentos de identificação chegou a Lisboa sem nunca ter provado o tal do rodízio e tão desabilitada como eu para grelhar devidamente aquele carrossel de carnes e ananás. Vinha preparada para dançar os mais diversos assuntos sem olhar à sua tristeza quando foi surpreendida por esta nossa expetativa de a encontrar sempre feliz e contente.
Consigo imaginá-la a esticar-se sobre a perna protegida por uma meia de lã num dia frio a ouvir-me ler esta história
– Ui. Você inventa.
Eu invento. Ai, só não invento mais porque não consigo. Faço disso ofício, mas deixem-me que vos diga: vocês também. Em rigor, não há forma de distinguir o sorriso falso dos torneiros-mecânicos, diplomatas e condutores de Uber; da mesma expressão nos malabaristas, escritores e músicos.
Vivemos todos espantados com a qualidade da nossa invenção. Todos, sem exceção, somos vítimas diárias de uma inesperada predestinação teatral quando sorrimos sem razão para isso.
– Tudo bem?
– Tudo.
Sabemos o texto tão bem, dizemo-lo com tanta convicção que quem quer acreditar acredita. Contando com a devida disponibilidade do público somos todos artistas do fingimento. O resto é métrica e fôlego.