As Quatro Estações — Vivaldi

Maitê Louzada
Críticas Musicais
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4 min readSep 16, 2018

Quatrocentos e cinquenta e seis concertos, 73 sonatas, 47 óperas, 44 motetos, três oratórios, duas serenatas, cerca de 100 árias e 30 cantatas foram conservadas de sua extensa obra. Antônio Lucio Vivaldi, embora não tenha muito de sua biografia conhecida, foi um grande virtuose do violino.

Nascido em Veneza, em 1678, e filho de violinista, Vivaldi foi professor de música e serviu de exemplo para muitos compositores. Também conhecido como Il Prete Rosso — o Padre Vermelho, foi ordenado aos 25 anos, abandonando as missas um ano depois por conta da asma. O músico viveu por 63 anos, dos quais muitos foram dedicados à composição de suas obras. Em 1723, publicou o Opus 8, chamado O diálogo entre a harmonia e a criatividade, contendo o que viriam a ser seus concertos mais famosos, “As Quatro Estações”.

Diferentemente de seus outros concertos, esses quatro que o levaram a ser conhecido pelo grande público tinham uma temática clara e vinham acompanhados por poemas ilustrativos de cada uma das estações do ano. A autoria dos sonetos é desconhecida, mas muito se especula sobre terem sido escritos pelo próprio Vivaldi. A mensagem dos poemas conversa muito bem com os signos presentes nas músicas. E, embora o casamento entre esses dois elementos artísticos funcione bem ao desenhar um imaginário das estações, os concertos por si só já desempenham com maestria esse design das temporadas por meio da sinestesia que permite ser feita com outros sentidos que não só a audição.

Os quatro concertos apresentam três andamentos, ou seja, três graus de velocidade do compasso e, com exceção de L’Estate (O Verão), as outras três músicas tem Allegro (ligeiro e alegre) como primeiro e último andamentos.

“La Primavera”, talvez a mais conhecida dos quatro concertos, e a que melhor faz ligações entre as notas e as sensações trazidas pela estação, em minha opinião, dá início a essa sequência nomeada originalmente por “Le quattro stagioni”. A música traz em sua composição elementos que constantemente remetem à transição. Logo no início já é possível perceber uma sucessão de fragmentos agitados e calmos, fazendo referência ao fato de a primavera ser uma estação de passagem entre o inverno e o verão, ideia que é reforçada também pelo refrão. Depois dos primeiros 30 segundos de música, quando há uma alteração no ritmo, conseguimos fazer relação bem clara com o início do poema “Chegada é a Primavera e festejando / A saúdam as aves com alegre canto”. O ritmo que se instala pode também ser associado às cores alegres da primavera. Ainda no primeiro andamento, percebe-se uma mudança brusca na melodia, quando tem início uma sequência com mais graves e que despertam certa tensão, remetendo a uma tempestade. Vários momentos do concerto apontam para uma variação no clima. No segundo andamento é possível, pela primeira vez, sentir uma estabilidade no ritmo, que é desenhada também pelo poema “Diante disso, sobre o florido e ameno prado / Ao agradável murmúrio das folhas / Dorme o pastor com o cão fiel ao lado”. No terceiro andamento as variações estão presentes novamente, verifica-se uma intensificação no ritmo e podemos imaginar como “Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado”.

Em “L’Estate”, O Verão, a percepção de três momentos distintos é ainda mais presente. Os três andamentos são bem marcados. O primeiro deles apresenta um ritmo mais fixo e estável, com poucas variações. Essas variações, no entanto, quando acontecem, são abruptas. O segundo andamento, o mais inconstante, traz muitas variações, todas elas repentinas e bruscas. No último tempo as variações ainda estão presentes, mas se dão de uma maneira muito mais fluida que anteriormente. O início da música é calmo para representar a languidez trazida pelo verão. No segundo tempo, as alterações no ritmo me remetem a tempestades, seguidas de calmaria e o conseguinte arco-íris que se forma. O último andamento, mais rápido que os demais, representa o temporal de verão.

“L’Autunno” vem trazendo maior harmonia para nossos ouvidos. Com um ritmo semelhante ao da primavera, e também remetendo à transição, tem um início alegre, com variações curtas e fluidas, um ritmo “saltitante”. Essa maior fluidez entre as alterações no ritmo se presta a representar uma estação harmoniosa, onde há um equilíbrio entre as cores, temperaturas e sensações. O primeiro andamento, mais agitado, denota a felicidade do camponês com a colheita. O segundo, mais suave e imponente, vem para dizer como “o clima temperado é aprazível”. O último momento representa a caça, o cansaço do caçador e a posterior morte da fera, por isso percebemos mais variações no final e, nas sequências, um aumento gradativo de intensidade.

Em “L’Inverno”, vemos um casamento perfeito entre staccatos e legattos, mas permita-me aqui um afastamento dos termos técnicos para nomear esses componentes de “notas saltitantes” e “sequências tenazes”. Os primeiros segundos são compostos de uma sequência prolongada e constante, que remete ao tremor congelante do frio. O ritmo deste último concerto apresenta-se mais acelerado que dos demais, ilustrando uma corrida cautelosa pelo gelo. O vento cortante é representado pelos agudos executados com suspensões. Enquanto a intensidade do frio e os momentos de tensão vividos nessa estação são ilustrados pelos graves intercalados aos agudos compassados.

Embora, como já dito, os concertos tenham cumprido com excelência a missão de representar as quatro estações, poderíamos incluir aqui uma crítica feita por Stravinsky, compositor e pianista russo, ainda na época do “boom vivaldiano”. Segundo o maestro, “Vivaldi não escreveu 477 concertos, ele escreveu o mesmo concerto 477 vezes”. Ainda que as quatro composições tenham a intenção de trazer à tona imagens diferentes, seguem uma mesma estrutura: um movimento lento no miolo, e extremidades com ritmo agitado. Por outro lado, esse modelo escolhido pelo músico pode apenas ser um modo de tornar suas obras características, já que esse padrão se tornou definitivo em seus concertos.

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Maitê Louzada
Críticas Musicais

Perfil voltado para publicação de trabalhos feitos durante a graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais