Graceland — Paul Simon

Maitê Louzada
Críticas Musicais
Published in
3 min readSep 16, 2018

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Lançado em 1986, o álbum Graceland nos traz a musicalidade africana com presentes traços do pop, já muito trabalhado pelo músico, uma pitada de Jazz e, ainda que sutilmente, esboços do rock da década de 80. Tendo ganhado prêmios como o Grammy Award, American Music Awards e Brit Awards, muitos críticos o colocaram como um dos melhores discos do ano. Com esse trabalho, Paul Simon homenageia a música africana e leva para a produção do álbum a participação de artistas da África do Sul, Malawi, Nigéria, Senegal e Zimbabwe.

Graceland conta principalmente com a colaboração do grupo vocal masculino Ladysmith Black Mambazo, e de Miriam Makeba, a “imperadora da canção africana”. E carrega influências de artistas e bandas como Johnny Clegg, Sipho Mchunu e Juluka. O leader singer do grupo Ladysmith Black Mambazo, Shabalala, contribui ainda na composição de algumas faixas. Apesar do sucesso, Paul enfrentou severas críticas advindas dos movimentos anti-Apartheid, por usufruir de talentos africanos enquanto não ofereceu apoio ao governo local.

O álbum possui cinco singles e trabalha bem na construção de uma identidade sonora, a qual tem o padrão quebrado por poucas faixas. Misturada ao ritmo afro, a sensação de uma melodia praiana também é passada por algumas músicas, a partir do trabalho feito com os instrumentos de corda, ao passo que a percussão denota a presença africana. Em quase todas as músicas Simon dá destaque para a parte instrumental, que conta com solos bem demarcados, conferindo ao disco um quê do ritmo Jazz.

Um aspecto que deve ser ressaltado ao se analisar esta obra do artista é a relação traçada entre a voz e instrumentos. A beleza do álbum é constituída majoritariamente pela execução desse segundo elemento. Ao escutar as músicas, tem-se a percepção de que o cantor optou por não abusar de sua capacidade vocal. Uma das características mais notáveis é a forma como as letras são mais faladas que cantadas, como se Simon criasse uma modulação constante e carregada ao pronunciar as palavras. A impressão que tive foi de que o cantor conteve sua voz na maior parte das músicas. Além disso, nota-se também que em algumas faixas, como ‘That was you mother’, o instrumental possui ritmo mais rápido, não sendo acompanhado pela letra.

A presença do coral em grande parte da obra contribuiu para que a musicalidade estivesse mais presente, apesar dessa modulação já comentada. A participação desse elemento concede um ritmo mais dançante a algumas músicas — como ‘I Know What I Know’, ’Gumboots’ e ‘Crazy Love Vol. II’ –, acabando com a monotonia instalada pela constância na entonação.

O próprio Simon elege ‘Graceland’ como a melhor composição do álbum. A canção preferida do cantor dá vez ao violão, e o refrão trabalha uma métrica que se assemelha ao estilo de Elvis Presley. Em discordância com o músico, eu concederia o título de melhores faixas à ‘Diamonds On The Sole Of Her Shoes’ e ‘Boy In The Bubble’, que trabalham muito bem o casamento entre voz e instrumental, resultando em uma aprazível musicalidade. A primeira segue a identidade musical do disco, enquanto a segunda se diferencia um pouco por adicionar mais elementos do rock, com batidas bem ritmadas que embalam a canção.

O carro-chefe do álbum, ‘You Can Call Me Al’, talvez seja a que mais se destoa das demais faixas, seguindo um estilo mais clássico do rock da época e com uma presença da voz muito mais trabalhada que no restante do álbum. O single apresenta semelhanças com ‘Boy In The Bubble’, em alguns aspectos. Assim coma a primeira e a sexta faixa, ‘That Was Your Mother’ e ‘All Around The World Or The Myth Of Fingerprints’ também fogem um pouco do padrão musical presente em quase todo o disco, justamente por implementarem mais elementos do rock e do jazz.

A faixa n° 8, ‘Homeless’, é a mais característica do ritmo africano. Ela apresenta maior atuação do grupo Ladysmith Black Mambazo, e uma ausência de instrumental. ‘Under African Skies’ tem participação da cantora americana Linda Ronstadt, apesar de durante as principais performances Simon ter divido o palco com Miriam Makeba. A música apresenta um ritmo mais suave, o que acaba contribuindo para uma modulação mais variável.

O conjunto de elementos presente na composição de Graceland — coral, sintetizadores, guitarras elétricas, violões, baixos, percussão, acordeões, bateria, saxofones, trombetas e trombones — contribuíram enormemente para fazer dele uma das obras de maior destaque de Paul Simon, apesar dos apontamentos aqui feitos.

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Maitê Louzada
Críticas Musicais

Perfil voltado para publicação de trabalhos feitos durante a graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais