Livros fantásticos e onde habitam

Luísa Granato
Leituras
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5 min readDec 2, 2016

“As pessoas querem ler e gostam de ler, elas só não têm a oportunidade”

Essa é a reflexão de Alexandre Cabral após fundar e cuidar da biblioteca comunitária de Paraisópolis, em São Paulo, por mais de 20 anos.

Ele começou em 1990, aos 10 anos, dando aula para as crianças e adultos da comunidade na sala da sua mãe. Depois, com seus 15 livros, abriu ali mesmo a biblioteca para o público. Era o dia 3 de setembro de 1995, e 30 pessoas apareceram na casa da sua mãe procurando por livros.

Allê Cabral e sua biblioteca. Crédito: Arquivo Pessoal

Desde então, amigos e desconhecidos doaram mais exemplares, a espaço foi reformado, cresceu, a biblioteca se mudou, e a BECEI se tornou parte da vida dos moradores de Paraisópolis.

“Virou uma comunidade leitora. Desde o começo, foi bem aceito. Aos poucos as pessoas foram pegando livros, contando para os vizinhos e trazendo gente nova. A BECEI é um ponto de encontro, as pessoas param pra conversar, debater, passam o dia aqui e até fazem amizade ou se tornam voluntárias”.

Allê Cabral sempre gostou da leitura. Em casa, ele lembra que antes mesmo de saber ler, já via a família lendo. E foi esse afeto criado pelos momentos da leitura que ele quis compartilhar com sua comunidade.

Para ele, o acesso aos livros ainda é muito difícil para a maior parte da população. Não se trata apenas de cultura, afinal “o livro ainda é muito caro e as livrarias ficam dentro de shoppings”. Ele continua: “Até na Bienal do livro tem que pagar para entrar. São vários desafios para chegar até o livro e isso desmotiva”.

E as pessoas pedem por livros novos. O acervo da BECEI está sempre aumentando e, além das doações, eles usam sua verba para comprar quatro novos exemplares a cada mês, com seus leitores esperando novidades.

Segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), o Brasil possui 6.102 bibliotecas públicas. Porém, há um contraste na sua distribuição pelas regiões e estados.

Apesar de São Paulo ter 842 bibliotecas, cada uma delas serve aproximadamente 53 mil habitantes. Uma concentração maior que a do estado com menos bibliotecas: Roraima tem só 16, mas elas atendem pouco mais de 32 mil pessoas.

O Rio de Janeiro tem a pior distribuição de bibliotecas pela população, com a concentração de 112 mil pessoas por biblioteca pública. Tocantins é o mais equilibrado com 11 mil habitantes para cada uma das 135 bibliotecas.

Até 2020, de acordo com a lei sancionada em 2010, todas as instituições de ensino deverão ter uma biblioteca disponível. Segundo um levantamento do portal Qedu, 64,3 mil bibliotecas ainda precisam ser construídas em escolas.

Embora a existência da biblioteca seja um avanço, só ela não basta para que a leitura seja incentivada. Também é preciso encorajar as pessoas a tirar o livro da estante.

Foi o que Amanda Leal e Marco Maida perceberam quando se mudaram há três anos para Piracaia, no interior de São Paulo. Mesmo com uma biblioteca pública na cidade, ela estava sempre vazia.

Com experiência na área de projetos sociais, o casal se aproximou da prefeitura com um plano de aproximar os livros dos moradores da cidade: aproveitar seus belos pontos de ônibus e criar bibliotecas comunitárias.

“Nós vimos aqueles muros de pedra e as primaveras plantadas ao lado dos pontos e pensamos que aquele poderia ser mais do que um lugar de espera”, comenta Amanda. E assim nasceu o Piracaia na Leitura.

A principal preocupação era a manutenção dos espaços. Afinal, temos uma ideia de espaço público como algo vulnerável e eles assumiram o risco de que as estantes instaladas pela cidade poderiam ser vandalizadas.

Para sua surpresa, o espaço foi bem acolhido pela cidade. Hoje, são 11 minibibliotecas instaladas em pontos de ônibus e uma sala de leitura no terminal rodoviário. A primeira reação das pessoas, segundo Amanda, é de cautela: elas não tinham certeza se os livros realmente estavam ali para elas, se podiam mexer e simplesmente levar para casa.

As estantes ficam abertas e os livros são renovados com o tempo, para sempre mostrar no acervo uma variedade de gêneros e temas que possam interessar pessoas diferentes. A cidade cedeu uma sala para estocar e organizar os livros doados e comprados, antes de serem distribuídos pelas oito minibibliotecas instaladas nos pontos.

Os livros nem sempre voltam, mas esse não é o objetivo. O principal é que o livro desapareça da estante. “Acaba com a ideia do livro como sagrado. Também mexe com a confiança no espaço público. É uma biblioteca da consciência”.

O momento de trocar os livros e organizar as casinhas é quando Amanda tem maior contato com quem usufrui do projeto.

Às vezes, ela encontra bilhetes de agradecimento deixados entre os livros. Mas o melhor é encontrar os leitores da cidade.

Uma mãe que vem ansiosa checar as novidades, pois toda semana pega um livro novo para ler com seu filho. Alguém que conta que um dos livros mudou seu dia ou passou a vida achando que não gostava de ler.

Um senhor na área mais rural da cidade perguntou se precisava mesmo devolver os livros quando encontrou Amanda arrumando a estante. “Estou tão feliz”, ele contou para ela, “tenho dois livros em casa agora e nunca tive antes, quero mostrar para o meu neto.”

Ela reflete que o tempo de leitura agora pertence aos leitores e não à biblioteca.

“Vemos muitas bibliotecas que estão sem uma função”, disse Amanda. “Ninguém mais faz pesquisa nelas, então seu projeto precisa ser atualizado, tem que reinventar. Nosso projeto propõe uma nova relação com a leitura, sem burocracia. O maior objetivo é a formação de leitores”.

Na biblioteca de Paraisópolis, a cada livro lido, o usuário recebe uma hora gratuita de internet. Ou, quem pega quatro livros e escreve uma redação sobre um deles, pode receber uma cesta básica. São iniciativas para fomentar a leitura e trazer mais pessoas para o espaço.

Em Piracaia, eles começaram um encontro para contar histórias no parque. Aos domingos, toalhas e livros se espalham pela grama onde famílias podem se sentar na sombra e ler um para o outro.

“Nem todos tem a oportunidade de criar uma relação positiva com a leitura”, diz Amanda, “Nós formamos um ambiente para encontrar outras pessoas e ler, criando uma relação de afeto com a escrita e a literatura”.

Leituras no parque de Piracaia. Crédito: Piracaia na Leitura

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Luísa Granato
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Until I feared I would lose it, I never loved to read. One does not love breathing