Correndo atrás da lebre

Teatro Voador Não Identificado
As Mil e Uma Noites
3 min readApr 4, 2018

por Leandro Romano

A ideia deste espetáculo surgiu em meados de 2016 quando o mundo, por incrível que pareça, era muito diferente do de hoje: Dilma ainda era presidente do Brasil, Obama dos EUA, a Guerra da Síria estava no auge e o Rio de Janeiro recebia um enorme número de refugiados que tomavam as ruas a olhos vistos. De lá pra cá obviamente muita coisa mudou e o projeto de As Mil e Uma Noites também.

É evidente que a Guerra da Síria ainda não acabou e sequer existe uma previsão de encerramento, mas a situação atual é um pouco mais tranquila que a de 2016. Após o relativo controle do Estado Islâmico (que perdeu sua força em todo o país), muitos refugiados voltaram para suas casas, como se pode verificar nesta reportagem do El País de outubro de 2017: https://goo.gl/9Dz3Xh.

Um curto espaço de tempo é capaz de modificar o mundo. De junho de 2016 — quando concebi o projeto — a abril de 2018 — quando começamos oficialmente os ensaios da peça — precisei acompanhar essas mudanças a fim de que o espetáculo não ficasse datado. Se antes o objetivo era tratar exclusivamente da vida destes refugiados no Brasil, agora imagino que não podemos ignorar o caos político que se instituiu em nosso país e como todos esses eventos — guerra, impeachment, Trump, fake news, Estado Islâmico, Crivella, Marielle, intervenção militar — se relacionam. Vivendo no Brasil em que vivemos, com todas as complicações e implicações que o atual panorama nos impõe, seria no mínimo estranho nos voltarmos para uma questão que, pelo menos a princípio, não nos afeta diretamente. Mas então por quê ainda falar da Guerra da Síria?

A verdade é que, quanto mais estudei sobre o assunto, mais pude perceber que as causas que provocaram esta guerra são muito semelhantes ao estado/Estado de polarização no qual estamos igualmente inseridos. Portanto, As Mil e Uma Noites que estrearemos em junho não é apenas uma reflexão sobre a Guerra da Síria e seus desdobramentos, mas é também um alerta. A coisa pode ficar feia.

Nosso obstáculo agora é descobrir como acompanhar cênica e dramaturgicamente as mudanças frenéticas do mundo. Como produzir e ensaiar algo que em três meses pode já ter se dissipado? A nosso favor, temos uma estrutura que nos proporciona uma abertura para tratar destas questões. As Mil e Uma Noites são infinitas e, por isso, capazes de abarcar uma imensa gama de narrativas. Dentro de um espetáculo que não se repete, podemos nos manter disponíveis para observar o desenrolar dos acontecimentos políticos. Não seria o teatro, desde a Grécia Antiga, um lugar político por excelência? O teatro é a arte que pode efetivamente correr atrás da lebre.

Para concluir, cito aqui as palavras de Denis Guénoun:

O teatro é (…) uma atividade intrinsecamente política. Não em razão do que aí é mostrado ou debatido — embora tudo esteja ligado — mas, de maneira mais originária, antes de qualquer conteúdo, pelo fato, pela natureza da reunião que o estabelece. O que é político, no princípio do teatro, não é o representado, mas a representação: sua existência, sua constituição, “física”, por assim dizer, como assembléia, reunião pública, ajuntamento. O objeto da assembléia não é indiferente: mas o político está em obra antes da colocação de qualquer objeto, pelo fato de os indivíduos se terem reunido, se terem aproximado publicamente, abertamente, e porque sua confluência é uma questão política — questão de circulação, fiscalização, propaganda ou manutenção da ordem.

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