Amor e Memória — quando a vida e um medalhão invertem os valores
Amor e Memória é um ótimo título para quem adora romances históricos com personagens complexos e poucos núcleos dramáticos
Acredito que a capa me influenciou bastante a comprar este livro. Um pavão bem colorido e brilhante cobre histórias inesperadas que tangem os horrores da 2ª Guerra Mundial, esbarram no feminismo, relembram laços familiares e, como é de se esperar, nos envolve com amores e memórias.
O livro de Ayelet Waldman foi publicado no Brasil pela Leya, em 2014, e foi muito bem criticado pelo The New York Times : “Waldman sustenta suas tramas múltiplas com confiança e riqueza de detalhes, criando personalidades complexas que se envolvem em uma série de acontecimentos inexoráveis.”
A estrutura do título é divida em 3 partes. Cada uma apresenta um grande episódio e a medida que a leitura avança, notamos um conector destas partes: o famoso pingente de pavão — um medalhão incrustado de pedras, sem muito valor, mas que ganha grande importância para os personagens.
Na primeira parte do livro conhecemos Jack e Ilona. Ele é um soldado judeu americano e ela uma sobrevivente dos campos de extermínio. Ambos estão inseridos no cenário pós II GM da Hungria e, mesmo com alguns impasses (os sentimentos dela e a honra e patriotismo dele), Jack e Ilona se envolvem. Uma das principais tarefas de Jack como soldado é catalogar os milhares de objetos de um trem roubado e interceptado pelos soldados americanos. O Trem de Ouro Húngaro continha os bens que foram confiscados dos judeus daquele país e ajudariam a fortalecer o nazismo. Embora seja chamado de Trem de Ouro o que mais foi encontrado nos vagões foi prataria, louça, tapetes e casacos de pele. Para lembrar-se de Ilona, Jack guarda pra si (para não dizer “rouba”) o medalhão de pavão.
Na segunda parte do livro — e na minha opinião uma das melhores — conhecemos Natalie, a neta de Jack. Em meio ao divórcio ela se encontra um pouco perdida consigo mesmo. Antes de morrer, Jack, na tentativa de se redimir da culpa do roubo do medalhão, pede que Natalie encontre o dono da joia — provavelmente um judeu húngaro. Assim, ela parte para Budapeste em busca do verdadeiro dono do medalhão e, como que para lhe dar um significado para sua nova vida de divorciada, Amitai, um negociador de obras de arte, surge para ajuda-la.
Amitai e Natalie nos levam a terceira parte do livro e conhecemos Nina e a anã Gisella. Envolvidas em questões feministas e revolucionárias para o ano de 1913, as duas sofrem julgamentos principalmente por questionarem suas realidades e posições “pré-definidas” na sociedade da época. Um grande evento, clímax do movimento Sufragista, marca esta parte da história.
Amor e Memória nos envolve em cenários e histórias profundas, retratos da realidade da 2ª Guerra Mundial. A Hungria foi uma das Potências do Eixo e em 1944 foi invadida pelos nazistas, culminando na deportação de milhares de judeus húngaros para os campos de extermínio. Entre apropriações e desocupação de territórios, os judeus, da forma mais desumana, acabaram se tornando um peso ou, no máximo, uma moeda de troca política da época.
Ayelet conseguiu reunir linhas geracionais em quase 400 páginas de uma narrativa intensa, dinâmica e, ao mesmo tempo, nublada pelas falhas humanas. Enquanto a leitura flui sem muitas dificuldades, os personagens pintam perspectivas distintas e envolventes. Se por um lado Jack e Ilona lidam com amor e a perda no pós-guerra, por outro, Natalie e Amitai dão maturidade para a paixão e a honra ao passado. Já Nina e Gizela, podemos afirmar que são exemplos claros de amizade e figuras empoderadas.
Se tratando de um romance histórico em cenários cinzentos, permeados pelas atrocidades da humanidade, é impossível não se emocionar com o que cada um viveu — na ficção e na vida real.
Amor e Memória me mostrou que o grande tesouro desta leitura é, sem dúvida, os questionamentos sobre a inversão do valor da vida em situações onde ela perde seu valor. Entre objetos valiosos, ganho territorial e molduras sociais, a vida de muitas pessoas são reprimidas, encaixadas e até perdidas. Não há Trem de Ouro, nem medalhão de pavão que as substitua.