Carne moída
Felipe lembrou que precisava preparar o almoço.
“Puta merda!”
Minimizou a caixa de e-mail e instintivamente verificou o calendário: 34 dias de um confinamento causado pela pandemia.
“Até quando isso vai, hein!?”
Ter que ser proativo no home office enquanto não deixa queimar a carne moída gera uma agonia tremenda nele. Como se não bastasse a instabilidade política do país, ainda é cobrado todo santo dia a ser produtivo!
Felipe tinha alguns cursos parados naquela plataforma online. Deveria retomar o italiano nesse final de semana — afinal, tanto tempo livre tem que servir pra alguma coisa.
Os amigos querem saber se ele já assistiu toda La Casa de Papel. A empresa quase lhe puxando pra fazer uma laboral online “temos que nos manter saudáveis”.
Os stories no instagram: ………(Estou na ativa)………… Cristo!!!
O apartamento precisa de uma bela de uma faxina!
Nova receita de frango com ervas.
Responder todos os grupos no WhatsApp.
Separar um momentinho pra meditar e depois se atualizar sobre o número de infectados em Floripa.
Aliás, sem praias essa cidade perde a graça, né?
O que se prega é que agora todos possuem mais 24h e justificar esse tempo só é compreensível se formos 100% produtivos! Alongar, estudar, faxinar, cozinhar, ler, meditar…Tudo muito imperativo e sem espaço para o prazer de simplesmente deitar e não fazer nada.
Não é tão difícil compreender que está tudo bem abraçar a preguiça nestes dias friozinhos e jogar para a próxima semana qualquer pretensão daqueles verbos.
A rotina de trabalho apenas foi adaptada. As responsabilidades continuam as mesmas.
É preciso uma pandemia para levantarmos a bunda do sofá e sermos produtivos?
Contraditório? Talvez.
Felipe encheu o prato de carne moída, batata palha, farofa e arroz. Estendeu as pernas no sofá e, com uma colher na mão e o controle da TV na outra, almoçou assistindo Naruto.